A Crença Natural

Houve um tempo em que o mundo era governado por deuses. Trovões eram ocasionados pelo bater de martelos nas nuvens. Raios eram lançados à Terra como se fossem lanças. Os mares eram a morada de seres incríveis. A beleza do natural era modelada por uma deusa, uma figura feminina perfeita. As erupções eram tentativas de fuga do submundo.

Nesses tempos, os céus contavam as histórias de heróis e seus feitos. Lendas que permanecem até hoje. Histórias que se tornaram mitos, e que continuam escritas nas estrelas. Bom, ninguém mais acredita nessas histórias fantásticas. Ninguém mais dá créditos a Zeus pelos raios ou a Thor pelos trovões. Novas explicações surgiram, e muitas delas atribuindo novos deuses. Mas por que acreditar que Zeus, ou Thor, não sejam reais?

Há quem diga que se não houvesse deus então não existiriam ateus. Com essa frase, as pessoas estão afirmando que a existência de ateus é a prova da existência de um deus. Sendo assim, ser ateu com relação a Zeus é a prova de que ele existe. A verdade é que: se não existisse o conceito de Zeus, não existiram ateus com relação a Zeus, pois Zeus nunca teria sido criado pelo homem. Posso apresentar a vocês o Xynahmarun. O Xynahmarun é um ser fantástico que cria coisas apenas por imaginá-las. Se ele imagina uma coisa boa, ele cria coisas boas, se imagina coisas más, ele cria coisas más. Por essa razão ele merece ser adorado. O Xynahmarun foi criado do nada. O nada estava necessitando de alguma coisa para passar a existir. Essa necessidade criou Xynahmarun. Xynahmarun criou o cosmos e criou a vida. Porém, o amor que Xynahmarun tinha pelos seres vivos fez com que ele pensasse que seria muito triste se eles deixassem de existir em determinado momento. Esse pensamento pessimista acabou criando a morte. Aqueles que não acreditam em Xynahmarun são chamados de Ahmarun. Tenho certeza que todos que conhecerem o meu Xynahmarun acharão que eu “viajei” totalmente na imaginação. Portanto, todos serão Ahmarun, pois não acreditam no meu ser fantástico (acham que ele não passa de uma história tão fantástica, ou infantil, quanto ele próprio). A verdade é que, se eu não tivesse criado o Xynahmarun, não existiram Ahmaruns.

Não acreditar em deus não é uma prova de que ele exista. A verdade é que é perda de tempo tentar combater aquilo que não existe. O que é viável combater é o fanatismo religioso e o misticismo. Tanto um quanto o outro levam o ser a um retardamento da razão.

Mas, é possível ciência e religião andar juntas?

Existe uma diferença básica entre a religião e a ciência. A ciência busca unificar as coisas, independente da cultura. A religião, por outro lado, não. Não importa em que lugar você esteja, as leis da ciência irão ser as mesmas. A força da gravidade sempre será descrita pelas mesmas equações. Já a religião, a coisa é bem diferente. Você adora ao seu deus, mas se for para um país com outro costume, você poderá correr sérios riscos se não adorar ao(s) deus(es) desse povo. Um exemplo básico é de cristãos sendo condenados em países islâmicos.

A religião cria dogmas (a quem diga que a ciência também, mas pelo menos esse dogma é único). Se você quer ser religioso então é necessário aceitar “verdades” impostas pela crendice. Na religião você não precisa de uma prova, você precisa apenas aceitar. Como saber que o homem foi criado do barro? Você não precisa saber apenas aceitar.

Bom, com a ciência é um pouco diferente. Uma teoria científica é formada com base em um conjunto de evidências e hipóteses (diferente de uma simples especulação como a maioria pensa). A ciência, diferente da religião, não tem explicação para todas as coisas. Mas é exatamente isso que mantém a ciência viva. A religião parece ser tentadora, pois da a falsa impressão de ter todas as respostas. Mas, acho muito mais elegante, muito mais belo, compreender a vida de uma maneira diferente da religião.

Entender que os átomos que nos compõem foram formados das mortes das primeiras estrelas do Universo é incrível. É provável que os átomos de sua mão esquerda tenham vindo de lugares diferentes dos átomos da sua mão direita. Mas, é muito mais fácil acreditar que Xynahmarun criou tudo do que ter de compreender a estrutura do cosmos.

Na minha concepção, ciência e religião podem conviver numa mesma sociedade, contanto que uma não tente explicar a outra. Muitos dizem que a ciência prova a existência de deus, mas a ciência não se preocupa com tal assunto. Um cientista sério dificilmente será um religioso sério. Embora, um cientista sério pode, sim, acreditar na existência de um deus.

Por muito tempo, as pessoas colocavam a natureza como obra de um deus, ou vários deuses. Quando descobrimos as causas naturais, os deuses não eram mais necessários para explicar certos fenômenos. Nos dias de hoje, a ciência consegue descrever muito bem vários fenômenos. Isso quer dizer que a ciência matou deus? Não! A ciência não matou deus, ela apenas mostra que não é necessária a existência do mesmo. Então, você pode me questionar: como não é necessária a existência de um deus?

Os pseudocientistas criam inúmeras teorias (aqui no sentido de especulações) para tentar colocar uma obra divina na natureza. Podemos citar a teoria do bolo de chocolate, por exemplo, ou a teoria da explosão em uma gráfica (de uma maneira rápida, a primeiras diz que um caminhão do supermercado explode e forma um bolo de chocolate em seu interior enquanto que a segunda diz que uma explosão numa gráfica forma a enciclopédia britânica).

Dizer que o Big-Bang deu origem ao Universo é uma afirmação que deve ser feita com certo cuidado. O Big-Bang originou a expansão do cosmos. Não podemos afirmar que o Big-Bang aconteceu com 100% de certeza, mas com as evidências que temos (expansão, radiação de fundo, paradoxo de Olbers, etc.), podemos ter 98% de certeza (ou até beirar os 99%). Porém, não sabemos o que ocasionou o Big-Bang. Algumas teorias descrevem uma possível causa para o mesmo, mas ainda não passam de uma “teoria”. Como não sabemos como ocorreu o Big-Bang muitos dizem que é aí a prova da existência de um deus. Dizem que o Big-Bang ter surgido do nada requer mais fé do que acreditar num ser divino. Porém, é preciso tomar cuidado quando nos referimos ao nada. O imenso vazio do cosmos, esse nada, está repleto de partículas descritas através da mecânica quântica. O Big-Bang poderia muito bem ter surgido de um espaço “vazio” descrito pela mecânica quântica. Mas não entrarei em detalhes disso.

A verdade é que, antes os deuses estavam presentes em tudo. Hoje, só há um lugar para eles: o surgimento do Universo. Podemos nos questionar: mas e a moralidade? Como saber o que é bom ou ruim?

Posso citar aqui uma frase atribuída a Saramago quando perguntaram a ele: “Como pode homens sem deus serem bons?” e sua resposta foi: “Como pode homens com deus serem tão maus?”

Não precisamos de um deus para sermos bons (se fazemos coisas boas esperando uma recompensa divina, então não somos tão bons assim). Mas pretendo falar disso em outra ocasião.

Só quero deixar claro que, não podemos distorcer a ciência para dar validade às nossas crenças. A religião acaba dividindo as pessoas, ao invés de unir. Porém, um cientista não precisa desacreditar em deus (nem mesmo Darwin desacreditou, ele apenas mostrou uma explicação para a natureza além daquela dada pela religião, são os religiosos que dizem que ele tirou deus da ciência). Ciência e deus podem andar juntos, embora eu tenha dito que a ciência mostra que não é necessária a existência de uma divindade. Mas ciência e religião não. A ideia da existência de um deus não é ameaçadora para a ciência, mas o misticismo e o fanatismo são.

Se você acredita que existe um deus que criou as leis que regem o universo e quer adorá-lo por essa razão, vá em frente. Isso te tornará mais próximo de um deus verdadeiro do que a religião possa apresentar. O cosmos é perfeito. Ele nos faz querer explorar bem mais a fim de compreender a maravilha que é a vida, a maravilha que é o universo. Essa era a essência de nossa crença primordial. Essa era a primeira religião, a religião pura. A religião que existia antes do homem perceber que poderia controlar os outros se utilizando de explicações fantásticas, ou de condenações a torturas eternas. Enquanto muitas pessoas buscam um templo construído por homens a fim de adorar deuses criados por homens elas não percebem que todo o universo é um templo. Nós somos um templo!

Jonathan Quartuccio
Enviado por Jonathan Quartuccio em 22/07/2013
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