Ignorância como virtude

Abenon Menegassi

O filme Birdman do diretor Alejandro Gonzáles Iñárritu, 2015, coloca uma questão principal: em que poderia a ignorância ser uma virtude?

O que resta a fazer quando um homem medíocre almeja o sucesso? Apenas contar com a sorte? O tema da virtú x fortuna é recorrente na tradição filosófica racionalista ocidental. Nesta, quanto mais a razão puder sobrepujar o azar, outro nome do mal acaso, mais fama e fortuna duradoura se obterá. O filme de Iñárritu faz uma inversão e parece deixar margem de esperança para o contrário. O acaso seria um bom protetor e direcionador da boa sorte, inclusive, em situações agravadas por caos e doenças como é o caso do personagem de Keaton. A questão é saber separar o que é verdadeiro nesta hipótese e o que é manipulação ideológica de Hollywoood, a saber, que é interessante, no interior de um sistema classista, que as massas acreditem que se ficar em uma posição de espera e submissão o acaso as protegerá, como cantado por aqui por uma banda nacional. Existe certa doçura em constatar que o acaso pode de fato produzir muitas coisas boas, que nos levará serenamente às conquistas, mas, voltemos à realidade, pode ser tomado como conteúdo formatador de opinião e indutor de conformação. Se a razão era a esperança de que algo pudesse ser esperado a partir das possibilidades de cálculo, agora é o acaso que pode determinar de forma inesperada que o inesperado aconteça. O ponto é: não espere, não sofra, pois a qualquer momento, de forma inesperada aquilo que você deseja, mas, não espera, virá. Poderia existir forma mais abjeta de colocar um sujeito em relação com o devir? Que autenticidade poderia existir numa vida se ao final esta constatasse que tudo o que lhe aconteceu, de bom ou ruim, se deu por mera obra do acaso? A humanidade já rechaçou providência similar ao enterrar deus. Ícaro sonhou voar com asas de cera, deu no que deu. O solo sob nossos pés, e um desejo sustentado em ato. Não seria esta a melhor opção?

No filme, o acaso parece ser uma mão invisível que vai levando a todos ao pior e ao melhor. Seletivo, o filme reduz ou elimina as inúmeras tentativas e erros que a ação do acaso exige para ser bem sucedido. A vida real não faz isto. A realidade impõe que a razão esteja no controle para evitar a intromissão aleatória e fatal do azar. O que pode a razão contra os infortúnios do acaso? Pergunta Maquiavel em O Príncipe. Se ao menos a metade já estamos no lucro. O tema lembra o livro The Dice Man, de Luke Rhinehart. Nele, um homem entediado vai até as últimas consequências ao tomar o acaso como diretor de sua vida. O final é pessimista. Num mundo onde as cartas estão marcadas e só os mais fortes sobrevivem, restaria uma saída: o consolo aos ateus de que se não há um Deus que olha por nós, como acreditam, há o jogo infinito do devir agora usinado, empacotado e colocado a nosso favor. Para que você suporte a desesperança da sua vida, o cinema pode conseguir e lhe conceder isto. Assim, não há com o que se preocupar. Invista no seu delírio e ele se encarregará de te levar às alturas, mesmo que no solo de algum beco sujo e frio do real o seu corpo estatelado reste se decompondo após uma queda fatal.