O ATRASO DO PROGRESSO

“Seria um crime permitir sob qualquer pretexto a clonagem de seres humanos. Da mesma forma, é um crime o que está para acontecer: impedir por lei o uso de células-tronco embrionárias no tratamento de doenças graves. Para justificar ambas as afirmativas, é preciso voltar às nossas origens.”

Drauzio Varella, médico e Escritor.

A ciência, com raríssimas exceções, caminha bem mais rápido que a sociedade; diríamos mesmo que, na atualidade, o faz com “botas de sete léguas”. Certamente porque os “cientistas” – muitas vezes havidos como loucos – que se dedicam exaustivamente - às vezes exclusivamente – ao estudo das coisas, vislumbram o futuro de forma mais aclarada, sem as peias dos preconceitos e das convicções societárias.

A sociedade em geral reage negativamente, por vezes violentamente, contra quaisquer mudanças que se lhes proponha. Sempre foi assim. Todo o espaço deste artigo seria insuficiente para só enumerar os exemplos de tal negativismo, do niilismo das sociedades diante da coisa nova, mas atrevemo-nos a pôr alguns exemplos:

Muito custou para que a noção de que o Mundo era redondo e não plano prevalecesse, o que fez por deslanchar as corridas às grandes navegações transoceânicas, e possibilitou a descoberta de novos mundos, já em plena Idade Moderna.

Mais proximamente, o primeiro barco a valer-se da máquina a vapor – daí o nome genérico: vapor – para navegar foi duramente combatido, criticado, refutado com as mais estapafúrdias alegações, ao porem-no em operação para substituir remos e velas.

O obscurantismo científico das gentes, máxime das camadas dirigentes, tem sido a causa de grandes males para a Humanidade, que hoje lamentamos, nos arrependemos ou sofremos as consequências retardadas. Os negros foram considerados pelas altas esferas eclesiásticas como seres desprovidos de alma e, portanto, da condição humana, o que deu por resultado a iníqua e vergonhosa escravidão negra, nódoa indelével que macula e abastarda a espécie humana.

Os homossexuais, havidos como praticantes do “abominável e nefasto pecado de sodomia” o mais torpe dos sacrilégios para a Igreja, eram punidos tão severamente como os criminosos mais perversos e perigosos. Oscar Wilde, notável escritor inglês, curtiu em gélida e sombria masmorra o ter reconhecido seu amor proibido por um jovem patrício, pilhado nessa “flagrante indecência”. Muitos foram levados às barras dos tribunais da Inquisição. Hoje, ademais das paradas arco-iristicamente coloridas do “orgulho gay”, vários países oficializaram a união civil isossexual (homoafetiva); homens públicos importantes, como o prefeito de Paris e o de Berlim, proclamam, convictamente, suas orientações sexuais e nos EUA o bispo anglicano Gene Robson, homossexual assumido que vive com um parceiro há mais de uma década, será o pastor de sua diocese. Joana d’Arc, a donzela de Orleans, foi queimada viva em praça pública, condenada por heresia por um tribunal inquisitório, por ter empunhado a espada e adotado vestes masculinas para defender e libertar Orleans da dominação inglesa. Reconhecida mais tarde sua pureza e fidelidade à Pátria, tornou-se heroína francesa, foi canonizada e hoje é Santa.

Historicamente as mulheres foram consideradas incapazes, e por isso tuteladas, só muito recentemente conseguindo o reconhecimento de sua plena capacitação, o que suscitou a liberação feminina; veio a pílula e a igualdade de direitos, deitando por terra o tabu da virgindade. Presentemente, aclarados os juízos, competem elas no dia a dia trajando calças e “pantalonas” que até lhes exalçam as feminis formosuras, dirigem empresas e fazem sucesso comparecendo a cerimônias com seus charmosos terninhos, que não lhes tolhem os ademanes e põem em realce suas belezas e seus doces encantos. Não faz tanto tempo, Margareth Tatcher, a “dama de ferro”, comandou com pulso forte a guerra de retomada das Falklands (Malvinas), para o Reino Unido, contra os generais argentinos. E venceu!

Os temíveis Tribunais da Inquisição mandaram para a fogueira ou para as enxovias, incontável número de pessoas que, por discordarem de algumas “verdades”, condutas ou dogmas eram tidas como bruxas ou acoimadas de “terem parte com o demo”.

Galileu Galilei, o grande físico, matemático e astrônomo italiano, foi acusado perante a Inquisição por ensinar a “teoria herética do heliocentrismo e da movimentação da terra”, idéias essas condenadas pela Igreja por serem “incompatíveis com os textos bíblicos”, tendo sido por esse tribunal apenado com prisão domiciliar e proibido de publicar livros e ensinar tais “heresias”, após renegá-las ante os juízes para salvar a pele. Vem de pedir público perdão, pelos “errores” da Santa Inquisição, o Santo Padre.

Louis Pasteur, quando elaborou a teoria dos germes, provocou tal reação adversa na comunidade científica que foi banido das sociedades médico-farmacêuticas a que pertencia, tido como impostor ou insano e exposto à execração pública. Hoje é reverenciado como Benfeitor da Humanidade, juntamente com alguns poucos, como o nosso Gaspar Vianna, graças às suas maravilhosas descobertas.

Outro que sofreu acirrada contestação, perseguição mesmo, foi Osvaldo Cruz, por ter proposto a vacinação obrigatória de toda a população do Rio de Janeiro, assolado por pestes e a mortífera febre amarela que lá grassava devastadora e infrene. Até mesmo Rui Barbosa, um dos homens mais inteligentes e cultos de nosso País, em todos os tempos, opôs-se tenazmente à vacinação em massa da gente carioca. Agora, Osvaldo Cruz é um dos símbolos maiores da ciência médica, reconhecido internacionalmente pelas campanhas que empreendeu para erradicar a febre amarílica lá no Rio de Janeiro e também aqui, em nossa Belém do Pará.

Todas essas digressões vêm a propósito de fatos assemelhados que se têm visto nos dias correntes, perpetrados por gente que trabalha na contramão do progresso e da História, ou que querem ver o País atrasado. Refiro-me, particularmente, aos problemas dos alimentos transgênicos e da clonagem humana.

Está-se vendo verdadeira luta de foice entre os travadores da ciência e os que lhe querem destravar a marcha em relação aos transgênicos, particularizadamente da soja alterada por transgenia. Eis fato exemplar da inércia que acomete o homo sapiens, desde sempre, no que tange às mudanças de leis e costumes. Alega-se o não-conhecimento, ainda, de possíveis reações adversas que poderão advir do consumo de alimentos modificados geneticamente, conquanto todos os experimentos e simulações postos em teste, além do uso já quase massificado da soja transgênica por populações de várias partes do mundo, sem nenhum inconveniente até aqui detectado. Com tal resistência, freia-se o incremento da produção desses grãos, em nosso País e obstaculiza-se o progresso da ciência agronômica nacional, enquanto outras nações, menos obtusas, tomam a dianteira.

Grande celeuma ocorreu aquando do nascimento, em 1978, do primeiro bebê de proveta, em Manchester (Reino Unido). Médicos, cientistas e pacientes foram duramente criticados; a Igreja Católica e as demais, com ameaças de excomunhão e outras cominações eclesiásticas tudo fizeram para proibir tal “prática deletéria e execrável” da fertilização in vitro. Juízes e Cortes de vários países condenaram o experimento e ensaiaram a aplicação de punições severas a quem ousasse tais práticas repetir. Hoje, contam-se aos milhares os bebês nascidos por esse método, sem nenhum problema maior que não os que acometem a todos os cidadãos, proporcionando a felicidade a muitos milhares de casais. O fato virou rotina e com ele não mais ninguém se preocupa.

Nestes tempos, a birra é com a clonagem humana. Todos falam, a maioria condena, mas muito poucos, quase ninguém, sabe exatamente de que se trata, das possibilidades extraordinárias que poderão sobrevir de tal domínio científico. Há um sem-número de situações a serem desenvolvidas para o benefício da humanidade com o desenvolvimento e dominação da clonagem terapêutica que visa, a partir das chamadas células-tronco, à formação específica de tecidos ou órgãos, Isso possibilitaria a reparação ou substituição dos tecidos ou órgãos lesados do paciente, com material dele mesmo, sem riscos de rejeição.

Um horizonte amplíssimo e radiante está a entremostrar-se à nossa frente. Não nos deixemos abalar ou intimidar pelos eternos inibidores do avanço científico, que poderá beneficiar a eles próprios, em futuro não tão distante. Senhores, confiem na Ciência, não atrasem o progresso!

(*) Médico e Escritor – SOBRAMES/ABRAMES.

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 17/03/2009
Reeditado em 17/03/2009
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