A Lenda sobre o Fim da Região do Vale do Paraíba

A Lenda sobre o Fim da Região do Vale do Paraíba

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Diz a lenda que os índios que primeiro habitaram a região paulista do Vale do Paraíba já sabiam do seu futuro como civilização e do futuro ambiental de toda a região. Parece que foi por isso mesmo que os índios, lamentavelmente se dispuseram, desde o início, a colaborar com o branco invasor de suas terras, porque não adiantaria nada lutar, pois o resultado era óbvio. O índio já sabia que sua civilização se extinguiria e que a civilização branca subsequente também não iria muito longe e que muito em breve o Vale do Paraíba do Sul teria uma conformação ambiental e fisionômica muito diferente e que isso seria catastrófico para a região e quem nela ainda estivesse vivendo.

No início do Século XX, em 1901, Teodoro Sampaio, lá do alto da Serra da Mantiqueira, na região onde hoje está localizada a cidade de Campos do Jordão, olhando o vale aqui embaixo, num presságio fantástico, profetizou como seria a região no futuro. Um vale conurbano, como uma única cidade interligando as duas maiores metrópoles do país, onde o execesso de gente e de construções oriundas dessa gente, transformaria a paisagem e vida de todos. Levou pouco mais de 100 anos, mas atingimos e suplantamos o estágio que Teodoro Sampaio descreveu. Hoje somos uma região sem planejamento, degradada e descaracterizada, conurbada pelas cidades contínuas e interligadas por estradas ruins que registram um trânsito caótico, com uma industrialização crescente, com grande aumento da população, com qualidade de vida cada vez pior e principalmente com inúmeras áreas com solo cotaminado, ar poluído e águas contaminadas e estagnadas.

Ao que parece, o estágio descrito por Teodoro Sampaio é a fase final daquilo que acreditavam e também previram os índios primitivos. Quer dizer, sendo assim, estamos lamentavelmente contemplando o início do fim de nossa região, como atores vivos de um teatro interativo, onde nós fazemos o que queremos no cenário e cujo resultado final será a destruição de tudo e de todos. Em suma, estamos confirmando a lenda.

Está na hora de nos mexermos e mudarmos o curso dessa história para tentar contrariar a previsão de que o Vale do Paraíba, outrora um grande lago e que hoje se constitui numa extensa planície entre duas serras, passe no futuro a ser apenas um grande conglomerado de concreto rodeado por áreas de monocultura exótica para produção de papel e madeira e algumas áreas de agricultura e pastagens, entremeadas por imensas cavas resultantes da exploração de areia. É claro que esta fisionomia, além de transformar nossa região um imenso deserto de áreas naturais, também deverá determinar uma extrema carência de água na região e também o afastamento do homem em função do progressivo aumento das necessidades e da perda da qualidade de vida.

A Represa de Paraibuna, nosso maior reservatório de água, me parece muito segura e suficiente às necessidades locais de água, porém a visão de muitos políticos e administradores públicos da região é estrábica, míope ou mesmo totalmente cega em alguns casos. Por conta disso, a maioria deles ainda não entendeu que a falta de água potável será muito provavelmente o maior problema que a humanidade terá que enfrentar no futuro e que nossa região não é diferente do restante do mundo. Em muitos locais do planeta esse problema de carência de água já existe e tem se acentuado progressiva e perigosamente.

É preciso tratar muito bem desse nosso grande manacial e também dos outros três da região (Santa Branca, Jaguari e Funil), para garantir a nossa água e a água de muita gente rio abaixo. Porém, também é necessário garantir a renovação constante da água nesses mananciais, mantendo vivas as nascentes e as vertentes que geram toda a água dessa nossa grande Bacia Hidrográfica, mormente daquelas que estão nas áreas de planalto e de serra, as quais são as principais produtoras da água de toda a região.

O Estado de São Paulo, apesar de todo o recurso hídrico existente, já faz algum tempo que é o segundo estado do país em carência de água para o consumo humano, só perdendo para o Estado de Pernambuco. Embora teoricamente haja água suficiente, há também muito uso e assim o muito acaba se tornando pouco. Já possuimos uma excelente legislação e estamos empenhados em desenvolver uma boa política de como usar a água, mas infelizmente ainda falta educação à grande parte da população e vontade política a maioria dos administradores públicos para manter esse uso sustentado.

A região valeparaibana, embora ainda seja rica em água, começa a ter problemas sérios de abastecimento, em função da má gestão em certas áreas; da péssima qualidade das águas de certos mananciais, por causa da excessiva poluição orgânica e do alto grau de comprometimento de alguns rios, por conta do assoreamento e do uso indevido. Além, obviamente, do possível racionamento por conta dos baixos índices de chuvas, ou melhor, da baixa capacidade de retenção da água nos últimos anos, por conta de desmatamentos, queimadas, latifúndios com essências exóticas com grandes exigências de água, aumento significativo das áreas de impermeabilização do solo, grande aumento da população e de tudo que decorre desse aumento. Enfim, os problemas são inúmeros e a nossa região não é muito diferente do restante do estado, embora ainda tenhamos muita água.

A Bacia do Rio Paraíba do Sul até aqui tem cumprido bem o seu papel de fornecedora de água para o consumo, conseguindo alimentar cerca de 3 milhões de pessoas aqui na nossa região e outros quase 12 milhões no Estado do Rio de Janeiro. Isso sem contar a significativa quantidade de água que hoje já serve a uma pequena parte da Grande São Paulo e obviamente a maior parte da água que serve a agricultura e a indústria, que são atividades fundamentais da sociedade e portanto precisam existir, mas que levam mais de 80% de toda a água produzida. Tudo bem, ainda estamos sobrevivendo, mas, o que acontecerá em futuro próximo?

As secas e estiagens na região estão cada vez maiores (mais longas) e também o nosso grande reservatório (Represa de Paraibuna), vem sendo pensado mais seriamente como forma de suprir as necessidades de água, cada vez maiores, da região urbana da Grande São Paulo. Os mananciais que abastecem aquela região (Billings, Guarapiranga e o Jaguari), já estão bastante comprometidos e hoje são insuficientes às necessidades. Muitos setores da Grande São Paulo já convivem com racionamentos periódicos de água há alguns anos e sempre cabe lembrar que a água do Jaguari, que atende parte da Grande São Paulo, já é água oriunda da Bacia do Paraíba do Sul. Isto é, nós estamos mandando água para a capital há muitos anos, mas vamos ter que mandar ainda mais, porque não está sendo suficiente.

Em suma, nossa Bacia está abastecendo parte da capital, grande parte do Estado do Rio de Janeiro e a nossa região valeparaibana, entretanto essa água começa a ficar escassa e não sabemos como e nem o que priorizar. O pior é que não recebemos praticamente nada de ninguém para tentar garantir a quantidade e muito menos a qualidade de nossa água e isso é algo que também precisa ser pensado e resolvido rapidamente. Se querem usar a nossa água, então que nos ajudem a mantê-la em quantidade necessária e com a qualidade para manter a vida dos que dela dependem, até porque a água também é o principal veículo transmissor de moléstias e por isso mesmo sua qualidade é fundamental para a vida das pessoas.

Ainda é cedo para alardes, mas é importantísimo começarmos a pensar no futuro. Nós que ainda temos água, precisamos saber como manejá-la corretamente, tanto no nosso interesse, como daqueles demais usuários, principalmente no interesse de quem vem à jusante, lá no Estado do Rio de Janeiro, e que também depende quase totalmente dessa mesma água.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas foram criados para tentar resolver essa questão e até aqui têm trabalhado duro para fazer as suas respectivas partes, inclusive conseguindo fazer implantar a cobrança pelo uso da água na região, o que tem produzido novas fontes de recursos finaceiros. Entretanto, o que tem sido feito ainda é pouco, perto da realidade imperante e assim é necessário apoio político-administrativo, populacional e institucional para que esses colegiados possam cumprir melhor o seu papel. Os Comitês e os administradores públicos locais têm que definir rapidamente as nossas prioridades regionais, antes que levem toda a nossa água. Seria muito bom que as comunidades colaborassem e que os outros interesses políticos, pelo menos, não atrapalhassem, mas parece que isso ainda é utopia aqui nessas paragens tropicais brasileiras.

É importante ressaltar ainda, mais uma vez, que no momento atual temos apenas duas certezas: “sem água não há vida humana” e “a água para o consumo humano está, cada vez, mais difícil de ser obtida”. Espero que não queiramos dar razão a “lenda valeparaibana” citada no início e transformá-la em realidade. Vamos sim, mostrar que somos capazes de gerir o nosso futuro e cuidar da nossa água e principalmente de nossas vidas, mas precisamos sair do marasmo crônico que se estabeleceu em nossa cultura de que a água é algo pouco importante. Ao contrário temos que entender que a água vale muito, que ela é o maior e mais importante bem que possuimos.

Está na hora de mudarmos de tática, de sermos mais agressivos e começarmos a atacar a causa e não ficar tentando combater apenas as consequências. Assim, considerando o adágio que diz que “o ser humano só aprende pelo amor ou pela dor”, muito em breve, deveremos efetivar leis que bonifiquem aqueles que cuidam da água e que passem a considerar o ato de desperdiçar a água como um crime contra a humanidade e por isso mesmo esse ato deverá ser exemplarmente punido. A partir daí, quando começar efetivamente a doer em quem desperdiça, quem sabe as coisas não mudam e a melhora realmente aparece e se intensifica.

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Escrito em 08/2001 e modificado em 02/2009.