O COMPLEXO BOLONHA. Marco da Arquitetura parauara

“Belém é, como a maioria de nossas grandes cidades, plena de contrastes e negações (...). Existem espaços, monumentos, prédios que conformam uma herança cultural comum, ainda que ela esteja, muitas vezes, incompreensível à percepção do morador atual”.
Jussara Derenji. Arquiteta. Do IHGP.


         Corria a primeira década da vigésima centúria. Viráramos o século XIX com as mesmas dúvidas, incertezas e expectativas com que o fizemos há pouco mais que um lustro.Belém crescia, febricitava, afrancesava-se (vivia-se o “glamour” da “belle époque”). O Intendente Antônio Lemos, o alcaide mais empreendedor de que se tem notícias, nesta cidade, em todos os tempos, era de um zelo a toda prova com a menina de seus olhos, sua metrópole do Norte (dizia-se bígamo pois se havia casado duas vezes: com a esposa legítima e com sua segunda paixão, Belém); por isso preocupava-o uma área-problema a enfear Belém: um paul de grandes proporções, situado entre o Largo da Pólvora (atual Praça da República) e a estrada de São Jerônimo (atual Av. Governador José Malcher), a que ele tinha mandado assentar calçamento, havia pouco. Era preciso saneá-lo, urbanizá-lo! Quem o faria? Lemos apelou para seu bom amigo, o notável engenheiro e arquiteto paraense, Francisco Bolonha.
          Filho de tradicional família desta terra, Francisco fizera toda sua formação         pré-universitária nesta cidade, diplomando-se em engenharia pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, empreendendo, em 1900, necessária e proveitosa “journée d’études” ao Velho Mundo, como era correntio à época, demorando-se mais tempo em Paris, a cidade luz, onde se fez amigo de Gustave Eiffel, construtor da famosa torre homônima, cartão-postal da bela metrópole francesa, abeberando-se das últimas novidades relativas à sua área de especialização.
          De volta a Belém, Francisco atirou-se a obras de grande envergadura, sendo uma de suas primeiras empreitadas a drenagem e o aterramento da área do Ver-o-Peso, que era, então, uma doca inexpressiva e problemática, que muito sofria com os influxos das marés de nossa Baia do Guajará.
          Bolonha aceitou o desafio da intendência, crescida sua habilitação com essa experiência pioneira, recebendo de Lemos a área alagada, acerca da qual se dizia ser impossível erigir edificações altas e permanentes, dada a insolidez do terreno, pantanoso e insalubre. Após correta drenagem, aterro e compactação do lodaçal (era especialista em hidráulica, matéria que viria a lecionar, mais tarde, na Escola de Engenharia do Pará, da qual chegou a ser Diretor, e na de Agronomia), fez edificar esse que é, sem ponta de dúvida, o mais belo, opulento, e representativo conjunto arquitetural civil de nossa urbe, conquanto tivesse que arrostar dificuldades quase intransponíveis, eis que incipientes, à época, elementos ponderáveis, tais como: escassez de pessoal especializado, materiais e equipamentos eficazes para adequação do solo infirme. Em 1915 estava concluída sua obra maior: o assim chamado Complexo Bolonha.
          Compõem-no o Palacete Bolonha (V. foto acima), obra príncipe, que o construtor destinou para sua moradia permanente nesta cidade e a Vila Bolonha, conjunto harmônico de casas residenciais de alto requinte e soberbo estilo arquitetônico, que abrigou, em décadas passadas, famílias ilustres de vários estratos político-culturais de Belém.
          É o Palacete Bolonha, um típico palacete francês, misto de barroco puxado ao rococó, largamente aplicado no exterior da edificação. De estilo eclético, tal como exigia a nova tendência estrutural de então, nele se pode surpreender, em admirável e harmônica convivência, desde o ainda arraigado barroco português até o gótico, perpassando pelo neoclássico e o “art nouveau” em seus diversos segmentos e dependências, conquanto seja o predomínio um misto quase homogêneo do neoclássico com o “art nouveau”.(Foto ao alto)
          Na fachada, em extasiante harmonia, ornatos rebuscados mesclam-se com atavios filigranados, ora enigmáticos ora explícitos, configurando verdadeiro rendilhado, que impressiona, arrebata e cativa. Na cobertura sobressaem as mansardas e águas-furtadas, entremeando-se arranjos em metais e ardósias coloridas.
          A Vila constitui-se de um conjunto de dez residências justapostas, que seguem, a partir do Palacete, em direção à Rua Boaventura da Silva. As casas lembram muito o estilo das típicas construções inglesas daquele estágio e são tão fartas de detalhes e minudências quanto a obra maior, ademais do fino acabamento e superior qualidade dos materiais empregados. O calçamento da via, com paralelepípedos em espinha de peixe, que até há pouco estava intacto, foi descriteriosamente modificado.
          A deplorar, as más condições de conservação em que se encontra todo o magnífico complexo, denotando o pouco interesse do poder público, em geral, pela preservação dos monumentos históricos de nosso País, em detrimento das futuras gerações.
          Francisco Bolonha (Belém, 1872 a 1938) deixou marcada sua personalidade artística e competência profissional, como autor de projetos arrojados, legando-nos obras até hoje inigualáveis e únicas, revolucionárias mesmo, para a época. O grande arquiteto paraense, construtor desse precioso monumento, ainda está por merecer o reconhecimento desta terra que ele tanto amou e engrandeceu, como eminente homem público (foi Secretário de Viação e Obras Públicas na Interventoria Gama Malcher) professor e, acima de tudo, profissional atuante, responsável por construções como: o Mercado de Ferro do peixe; o palacete “Bibi Costa”, erigido na esquina da Av. São Jerônimo com a Trav. Joaquim Nabuco para o major Carlos Brício Costa posteriormente vendido ao coronel seringalista e influente político João Júlio de Andrade, o Mercado de São Braz; o edifício da Folha do Norte (hoje propriedade de O Liberal); em estilo “art nouveau” e o primeiro na América do Sul com estrutura metálica; a originariamente bilheteria do Teatro da Paz (depois quiosque, hoje incorporada ao Bar do Parque); o canal e o lago (que atualmente leva seu nome) do Utinga, além de ter participado da construção dos reservatórios d’água da Rua Ó de Almeida e de São Braz.
          Bolonha dedicou à sua terra natal uma vida inteira de trabalho profícuo, enriquecendo com novas propostas visuais esta bela e amorável cidade.

Nota: No alto da página foto do magnífica Palacete Bolonha, podendo-se observar alguns detanhes de sua arquitetura
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Médico e Escritor. SOBRAMES/ABRAMES. Do IHGP
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 23/06/2009
Reeditado em 26/08/2011
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