O SER COMUNICATIVO

1. Discussão inicial

É difícil imaginar o ser vivo sem a comunicação. Em uma manada de zebras, sempre há a que fica de tocaia para avisar as colegas quando surge um leão; um cardume de pequenos peixes pode se aglomerar para intimidar um peixe maior; o sonar dos golfinhos para fins reprodutivos. Os exemplos no meio natural são infindos e poderia se escrever um texto, de caráter crônico ou meramente informativo exaltando as engenhosidades comunicativas da fauna e flora.

O homem, esse animal concebido através do dito “livre arbítrio” – a nossa comunicação seria racionalizada ou instintiva? – surge com um processo mais complexo e evolutivo de comunicação, desde os dialetos hoje desconhecidos da era triássica, passando pelo conto da Torre de Babel, até chegar aos idiomas de hoje, repletos de variações, regras gramaticais e exceções, linguagens exprimidas por cada segmento humano, bem como suas ideologias. Todavia, donde evolui esse processo comunicativo?

Existe uma teoria administrativa chamada empírica, a qual prega que cada indivíduo, ao nascer, é um livro em branco, sendo preenchido ao longo de seu crescimento. Enumerando os ícones desta senda, poderíamos iniciar pela educação caseira, aquela transmitida pelos pais ou algum outro possuidor da guarda. A orientação doméstica é a pedra fundamental do processo, a criança adota seu superior de vínculos afetivos como seu “deus”. Ele tudo sabe, tudo pode, nele está orientação para quaisquer coisas. Então, eis que a criança vai para a escola. Em sua frente, lecionando e escrevendo inúmeras sentenças no quadro-negro, está o professor, o “segundo pai”. Por meio dele, a criança começa a sentir que pode ter uma orientação igualmente confiável a que se tem no lar.

É também no ambiente docente que o indivíduo tem seus primeiros contatos com outros. As primeiras trocas de experiências, a forma de cada um teorizar o mundo à sua volta, as ideologias transmitidas pelos pais de cada um e os primeiros choques culturais.

A essa altura, a pessoa já tem uma habilidade razoável de interpretação. Há algum tempo, ela já assiste à televisão, lê gibis, jornais e revistas, ouve rádio, acessa a internet... esta gama informativa é mais um patamar na construção do ser comunicativo. Dependendo do teor característico dos itens já explanados, a mídia exerce uma influência maior ou menor (Agulha Hipodérmica) e define o que pessoas em determinados grupos ideológicos vão discutir, contestar, defender (Agenda Setting).

Essa evolução acompanha o ser comunicativo em casa, na escola, no meio profissional... desde a infância, passando pela adolescência e idade adulta culminando com a velhice, o indivíduo sempre teve a necessidade de se comunicar, interpretar as situações ao seu redor, julgar. Ele necessariamente procura seu grupo ideológico, sua “tribo”. O ser em questão tende a se associar com outros que tenham um comportamento julgado adequado por ele. O mesmo, ao rejeitar outras ideologias, pode tornar-se preconceituoso com o que pensa julgar. Nesse conceito está o estereótipo. As construções culturais que rotulam os diferentes agrupamentos ideológicos. O que faz com que aquele menino que tira notas altas necessariamente tenha que ser quieto, tímido e pouco expressivo? Por que o baiano é qualificado como preguiçoso? E quem é o brasileiro para dizer que argentino é racista? Todos são exemplos de estereótipos, que sem dúvida é um instrumento usado por qualquer ser comunicativo.

2. Pierre Bourdieu e o Habitus

Para entendermos a comunicação entre os indivíduos da sociedade é necessário primeiro entender alguns conceitos formam esses indivíduos, conceitos estes que serão analisados neste texto por meio dos pensamentos de Pierre Bourdieu, sociólogo francês crítico atroz da cultura construída pelos mass media contemporâneo.

Segundo Bourdieu, há, dentro da estrutura social, o conceito de Habitus. Ela é a matriz determinada pela posição social do indivíduo que o possibilita pensar, ver e agir nas mais diferenciadas situações. Por meio dessa explanação promovida pelo Habitus, o sociólogo dirige a obra “Le sens commun”, onde, em conjunto com outros autores, alertam para a ligação entre o capital cultural, a seleção social e escolar. O mote de capital cultural (diplomas, nível de conhecimento geral, boas maneiras) é utilizado como distinção do capital econômico e do capital social (gama de relações sociais). Os estudantes de classe média ou da alta burguesia, pela proximidade com a cultura "erudita", pelas práticas culturais ou lingüísticas de seu ambiente doméstico, possuem mais probabilidades de obter o sucesso escolar. Para Bourdieu, a relação entre a cultura e as desigualdades escolares é a de que a escola subentende certas competências que são essencialmente admitidas no âmbito familiar. Ao utilizar-se da questão de “violência simbólica”, Pierre Bourdieu procura desmistificar o sistema motriz da naturalidade vista pelos indivíduos das representações ou idéias sociais dominantes. São muitas as instituições e agentes que cimentam esta violência simbólica, cujo exercício de autoridade é apoiado. O francês pondera que o ensinamento docente da cultura escolar (conteúdos, programas, esquemas de trabalho e de avaliação, relações pedagógicas, práticas lingüísticas), típica da classe dominante, mostra uma violência simbólica exercida sobre os alunos de classes populares.

3. Tribos

Na estrutura de formação do sujeito, junto à comunicação educacional, deve se ponderar a questão da influência do meio em que se vive. Cada indivíduo tem inerente às suas características as mesmas, ou no mínimo semelhantes do seu habitat, como exemplo a bombacha no Rio Grande do Sul, o chá de folha de coca na Bolívia, o funk estilo “pancadão” no Rio de Janeiro ou as gueixas japonesas. Estas citações, podendo ser interpretadas como estereótipos, nada mais são que essenciais aos seus locais de atuação. Ora, é complicado imaginar alguém de bombacha, o “pantalones gaucho”, em plena Salvador, ou mesmo uma “profissional da noite” tentando angariar clientes nas noites urbanas ocidentais vestidas de gueixas. O senso comum entenderia os exemplos anteriores como provocativos ou exóticos.

Por meio de sua formação doméstica e pedagógica, o indivíduo passa a ter idéias e opiniões, buscando outros com características semelhantes ao seu modo de ser. Este processo é a formação das tribos, pois segundo Coutinho (2003), o fenômeno pode não somente ser analisado sob a ótica individual, contudo é nesta visão que ele continuamente se prolifera, uma vez que a idéia do “ser individual” como o mesmo que o adeque em um ambiente, ou em um grupo que espelhe o atual e o arrojado. A sociedade consumista tem estes conceitos vendidos como o produto da novidade, que molda o sujeito e, de certa forma, o contamina em relação a aspectos de sua auto-imagem, em “mercadorias” desta “loja do consumo”. Não existe a preocupação com o desenvolvimento da ideologia da tribo, afinal, a sociedade de consumo detém somente o imediatismo, a fugacidade e a ansiedade.

A mídia tem uma função “divisora de águas” nesta contaminação do ser, quando se é necessário determinar o momento em que o que pesa mais na formação comunicativa do indivíduo é a educação tradicional e gradativa ou a rapidez insana dos veículos de comunicação. A partir do estudo sociológico de Giovandro Marcus Ferreira, a Teoria da Agulha Hipodérmica, como o nome sugere, preza que a mídia “injeta na veia” do sujeito o conteúdo comercial, educacional, ideológico e informativo conforme o momento é conveniente, essencialmente por aspectos político-financeiros. Ainda segundo a Agulha, a mídia se torna um “manual de instruções” para o comportamento do indivíduo.

Dando continuidade ao estudo de Ferreira, a Teoria da Agenda Setting, também no campo da Sociologia, pondera que a mídia escolhe ou “agenda” todo o conteúdo a ser debatido e interpretado por cada tribo específica, atribuída como público-alvo. Este processo, diferentemente da Agulha Hipodérmica, é mais gradativo, porém não menos transmissivo, já que os meios de comunicação ditam as normas das discussões das pessoas em relação a idéias, crenças e pontos de vista, não importando se é um simpósio empresarial ou uma mesa de almoço de família.

4. Considerações finais

É complexo o entendimento da formação individual. Contudo, em analise aos critérios explorados, conclui-se que o sujeito primordialmente serve-se de uma educação familiar e pedagógica, gradativa por sua natureza, desenvolvendo opiniões e idéias, e procura pessoas com estas semelhanças ideológicas, formando uma tribo (coletivo de pessoas com ideologias semelhantes). Todavia, o critério decisivo se a tribo vai servir como contributiva para a sociedade é a mídia, essa entidade onipresente em nossa sociedade contemporânea. Os tentáculos midiáticos passam a vender uma ideia como produto e agarram o publico que deseja, desvalorizando as idéias de um grupo e muitas vezes prejudicando o que poderia vir a ser a sua parcela de contribuição social.

Andre Mengo
Enviado por Andre Mengo em 24/10/2009
Código do texto: T1885207
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