IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA “CASA DE CAMILO SALGADO”

Sérgio Martins PANDOLFO*

“Todos os dias a criatura humana, mesmo que nem o perceba, está a escrever um fragmento de sua própria história e das razões de seu viver.” Luiz Alberto F.Soares, médico e escritor

O atual Curso de Medicina da UFPA que registrou, a 1º de maio de 2009, 90 anos de instalado, sendo o primeiro da Região Norte e o 7º do País, funcionou, desde 1923, tradicionalmente, no prédio locado na Praça Camilo Salgado, nº 1 (antigo Largo de Santa Luzia), defronte do vetusto Hospital da Santa Casa, núcleo de aprendizado e formação dos seus estudantes. Consta ser intenção da Direção do Centro de Ciências da Saúde transferir de lá para o Campus do Guamá, todas as atividades do Curso, o que se nos afigura medida de todo desacertada e temerária.

O prédio tem duplo valor histórico: arquitetônico, por suas privilegiadas linhas de construção (algo descaracterizadas, ao longo do tempo, por malconduzidas reformas) e temporal, pelo ter sido erigido na fase áurea da economia gomífera do Grão-Pará (1880-1912), na profícua administração de Montenegro & Lemos, que dotaram nossa capital de inigualáveis monumentos arquitetônicos, que devem ser a todo custo preservados, recompostos, revalorizados. Construído na mesma época, com o mesmo esmero arquitetural e destinação do atual Grupo Escolar Barão do Rio Branco, funcionou, a princípio, como 6º Grupo Escolar do Estado, até ser adquirido, em 1923, por Camilo Salgado, para sediar a Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará.

Suas instalações internas são exuberantes, a destacar o Salão Nobre, e precisam ficar resguardadas das mutilações mediante tombamento pelos Institutos que cuidam do patrimônio histórico. Preservar a memória e a identidade desse imóvel é tarefa inalienável da classe médica de nosso Estado e fazer convergir para lá, novamente, as atividades do curso de formação acadêmica, até mesmo pela proximidade do velho Hospital da Caridade, parece não só de bom senso como é fazer reflorir a perfeita e benéfica simbiose que as duas entidades sempre entretiveram, assistencial e de ensino. Não se trata de saudosismo ou pieguice ufanística, mas da imperiosidade de manter incólume essa edificação que a memória histórica da cidade exige, evitando que siga o triste destino de tantos outros edifícios, igualmente belos e importantes, que se foram. E quem o fará melhor que os médicos?

Quando estivemos, em 2003, na “boa terra” do Salvador, participando do VIII Congresso Brasileiro de História da Medicina, no primitivo e histórico prédio da Escola de Medicina baiana e pudemos constatar o esforço estoico e hercúleo de abnegados médicos, lentes aposentados da escola primaz do Brasil (fundada em 1808 por D. João VI, aquando do translado da corte portuguesa para o Brasil), amparados pelo então reitor da UFBA, que é médico, para a recuperação e reativação desse pomposo e multissecular edifício, patrimônio de todo o Brasil e, hoje, também da Humanidade, eis que instalado em área tombada do Terreiro de Jesus, no Pelourinho. Para lá se pretende fazer voltar algumas práticas do ensino de graduação médica.

A conservação e revivificação do imóvel belenense se fazem imperiosas, pois “Desfalcar uma cidade de seus monumentos históricos, de seus prédios, de seu patrimônio cultural, é como ir desgastando, mutilando, extirpando as partes da alma de uma pessoa”, a redizer J.J. Paes Loureiro, intelectual e poeta paraense. Imóvel-símbolo da identidade médica parauara e amazônica há que se restaurar seus ambientes internos nobres e sua fachada original, para que possa retornar e continuar, por muito tempo, como templo maior da Medicina em nosso Estado.

No momento em que a prefeitura e o IPHAN elaboram projeto visando à inclusão de nossa capital como Patrimônio Paisagístico da Humanidade, pela Unesco, mais do que nunca urge conservar e restaurar seus bens imóveis, como é este da “Casa de Camilo Salgado”, fazendo-o voltar ao viço e ao esplendor de suas linhas arquitetônicas primitivas, que são preciosas, devolvendo à cidade um edifício majestoso que foi, ao longo dos anos e por desmandos sucessivos, sendo despossuído de seus atavios originais.

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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 05/12/2009
Reeditado em 05/12/2009
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