Arte: preconceito e conceito

Em 2007 estive entre os que coordenam o setor de Arte, Música e Educação da Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de João Pessoa (PB), enfrentando os problemas deixados pela herança nefasta de antigos administradores, um tanto criticado por uns tantos burocratas acadêmicos pela escolha de meu nome a tal função, uma vez que, alegam, não “terminei” o extinto curso de Educação Artística na UFPB (como se submissões a formalidades burocráticas para obtenção de um diploma nos bastasse a substancialização de nossa formação intelectual; e como se pudéssemos, de fato, considerar terminada nossa capacitação ao desenvolvimento profissional pelo simples fato de termos saído da Universidade).

Novamente me intriga as distinções que ainda costumam fazer os acadêmicos da Arte-Educação entre Arte e Música, por exemplo, além de outras formas da expressividade "humana" ao desenvolvimento da Cultura como meio à civilidade e a nossa plena Humanidade, sendo a Música evidentemente tão expressão de nossa capacidade artística quanto a Literatura ou a Culinária, entre outras.

Segundo o festejado filósofo contemporâneo francês Edgar Morin em seu livro Meus demônios, o autodidata é aquele que “não conhece hierarquias e categorias a priori, e opera sua seleção em função de necessidades tão profundas quanto inconscientes”. Por isso, ele afirma, “não tenho o desprezo cultural dos intelectuais vindos das boas classes da sociedade e que nunca passearam pelas grandes avenidas populares; continuo a ver encanto em cançonetas, em romances não reconhecidos como literários, em filmes que não são de cinemateca e, hoje, em séries de televisão. (...) Como estudante, li muito, freqüentemente fora do programa, às vezes no plano do programa”.

Como Morin, em meus estudos autodidatas pré e pós-acadêmicos, portanto, e mesmo durante minha participação como aluno do extinto Curso de Educação Artística na UFPB nos anos 1990, a despeito do que diziam e ainda dizem os mais renomados teóricos da Estética, sempre advoguei outros níveis de percepção à conceituação do que caracteriza, essencialmente, o conceito e o exercício da Arte, tendo como partícipes fundamentais de “minhas” teorias antigos pensadores, como Aristóteles, Sócrates, Platão e, entre os mais modernos, também o inglês Herbert Read, o brasileiro Huberto Rodhen e o parisiense naturalizado americano George Steiner – mesmo que, com a leitura de seus escritos, e de outros renomados críticos da Estética e da Semiótica, eu ainda queira saber o que exatamente os motiva a considerar diferenças entre Música, Literatura e Arte.

A maioria das pessoas, entre elas profissionais diretamente ligados ao universo artístico, faz preconceituosa e, portanto, irrefletida distinção entre a Música, a Literatura, a Poesia (como se não fosse a Poesia aspecto essencial da Literatura) e a Arte. Entretanto, quando se referem a “Arte e Música”, por exemplo, percebo que, na Verdade, querem dizer (embora nunca digam) “artes plásticas - ou visuais - e Música”, limitando o termo que definiria especificamente o universo das artes plásticas (e, ao mesmo tempo, isolando a Música do universo artístico) usando o termo “Arte” para representá-las, sendo do universo das artes plásticas - ou visuais - o Desenho, a Pintura, as artes gráficas (entre elas a Xilogravura, a Litografia, a Serigrafia, a Fotografia, a gravura em metal e a recente Infogravura), a Escultura e instalações, tendendo eu a considerar mesmo o Cinema e o Vídeo, em suas qualidades multimídias, como uns dos mais modernos instrumentos também das artes plásticas.

A despeito da inegável participação da Música no universo artístico, outras manifestações da Cultura, expressão da sensibilidade e da imaginação pré-Humana na feitura da civilidade – estando entre suas ferramentas a (arte da) Escrita, a (arte da) Dança, a (arte da) alfaiataria, a (arte da) Medicina, a (arte da) Arquitetura, a (arte da) Oratória, a (arte da) Coreografia, a (arte da) Educação, e talvez mesmo incluindo-se a (arte da) Guerra – indicam que, na Verdade, o conceito que define a Arte como nossa capacidade de dar formas aos impulsos da sensibilidade e da imaginação para o desenvolvimento de materiais, e à objetivação de ideais valores para o estabelecimento de nossa plena Humanidade, é o que de melhor posso considerar como fundamentos substanciais de um Verdadeiro conceito para a palavra Arte.

Dessa forma, estou convicto que, depois que a Natureza organizou seus corpos num complexo conjunto de estrelas e órgãos em plena harmonia de funcionamento, muitos deles destinados à manutenção de nossas vidas e sensibilização de nossas relações com o meio ambiente, e, particularmente, com outros de nós, foi somente de posse de nosso potencial artístico investigador inventivo-transformativo dos elementos naturais que estabelecemos culturas e, a partir de seus desenvolvimentos, inventamos nossa História. Com ela, como recurso à escritura dos capítulos seculares que contam a passagem das gerações através do espaço-tempo, inventamos depois aquilo que chamamos de relações políticas, as quais fundamentaram e têm fundamentado todos os níveis subseqüentes de outras tantas relações, próprias e, muitas vezes, impróprias a excelência objetiva de nossa realização humana através dos mecanismos técnicos transformadores da Natureza e objetivações de nossos efêmeros seres no mundo, cujos resultados, de formas de pensamento a espaçonaves, não nos custará reconhecer como verdadeiras obras de Arte.