Imagens D`África: “O homem macaco”.

Quando se pensa na África nos vem logo a imagem dos filmes de Tarzan passados na televisão, um bando de nativos seminus correndo e berrando sem sentido. Ameaçando com suas lanças e selvageria, O nosso herói: “o homem macaco.”

Graças à sua coragem, capacidade de luta e inteligência, derruba com um só soco dez “selvagens” e pacifica a tribo com a ajuda de um eventual e providencial chefe tribal mais “civilizado”. Sabemos de seu grau de “civilização”, pois veste mais roupas do que seus liderados.

Não podemos negar as atuais modificações havidas nos atuais filmes de Tarzan e outros menos cotados. É claro que a Chita não mudou ainda; ainda é uma macaca! Mas o chefe da tribo “até” pensa, o que não impede a tribo de se tornar presa fácil para caçadores europeus, coronéis da Segunda Guerra, pouco escrupulosos, contando o lucro que irão obter da “grande pedra”, símbolo da tribo, e que se apossam e dominam cem a duzentos guerreiros.

Tarzan ao mesmo tempo conta, aos pobres coitados o valor da pedra (que não é pedra, mas sim um enorme diamante), derrota granadas, metralhadoras, e até bazucas, com a sua grande faca. Também pudera, não podemos esquecer sua descendência inglesa e nobre. Um verdadeiro Lorde.

Eu garoto escondido no banheiro, tirava de debaixo da camisa o meu grande crime da época (finais dos anos 50): o gibi. E como muitos vão se lembrar perdia-me a imaginando a existência das civilizações visitadas pelo “homem macaco”. Histórias fantásticas, descritas nos quadrinhos, descendentes de romanos ou mesmo gregos, pigmeus montados em gazelas, lindas deusas de pouca roupa. Loiras até o último fio de cabelo. Cercadas por horríveis selvagens sanguinários...

O contraste sempre me absorveu culturas em choque, sobrepondo-se a mais forte á mais fraca. Não forte em valor, mas em força bruta, fazendo questão de se impor sua maneira de ver. E comecei a ler, a descobrir coisas...

Das histórias bíblicas, do rei Salomão, e a visita da rainha de Sabá, vinda de um reino distante, cheio de minas de pedras preciosas. Situadas na África (apesar da opinião da Comissão Julgadora e do samba enredo do Salgueiro)

Do espanto de Camões, nos Lusíadas, ao verem os navegantes portugueses a s cidades africanas, onde não se esperava encontrar cidades, e compará-las com as suas cidades “com muitas e belas casas de pedras e argamassa, muitas janelas ao nosso estilo, as ruas muito bem arranjadas”.

Foi um passo para eu descobrir os poderosos reinos de Benim, junto ao rio Níger; Mali nas savanas da África Ocidental; o Estado Yoruba de Ile-Ife a sudoeste da atual Nigéria; Caném, Gao e Gana, este o primeiro dos impérios, situados nas savanas, próximo a orla do Saara.

Na África Oriental, Zimbabwe a sudoeste da Rodésia do Sul, as cidades costeiras de Quiloa, Mombaça e Melinde, surgidas séculos antes das navegações européias de “descobrimentos”, com um comércio intenso com a China, Índia, e Arábia. Portos movimentados, navegadores, experimentados, onde europeus nunca haviam estado, afora uma controvertida viagem dos fenícios. Até 1497 eram os barcos das cidades africanas que cruzavam o Oceano Índico. Não mais lendas nem histórias, mas fatos.

Os palácios de Kush, casa e subterrâneos, cidades fortificadas com muros de sete metros de altura. Comércio sofisticado a ponto do de o Imperador chinês receber uma girafa de presente, como atestam pinturas chinesas.

A narrativa de escritores árabes, a respeito do reino de Gana e de seu rei Tenkamenin, do século XI, sentado “num pavilhão em torno do qual se encontravam seus cavalos ajaezados a ouro”, recebendo tributos de numerosos povos, “senhor de um grande império”, e de seu comércio com a África do norte, não corresponde à imagem que os livros escolares nos dão ao falar da contribuição do negro à formação do Brasil, “os negros importados achavam-se, em geral mais civilizados do que os nossos íncolas...” É a visão de um historiador caracterizando o negro como mão-de-obra agrícola, muito conhecido entre os livros escolares, que continua “... refletiram-se na formação de nossa gente, que herdou dela uma certa negligência crioula, uma resignação heróica para suportar a miséria, uma concepção um pouco fatalista e quiçá leviana, sem grandes preocupações do futuro...”.

É ainda a visão deturpada do europeu, levando ao negro dócil e inculto, a “dádiva da civilização ocidental”. Pouco ou nada se fala sobre as escolas muçulmanas de Direito e de cultura, e a paz que havia entre os povos citados, enquanto a Europa mergulhava em guerras, seu comércio estagnava-se e a cultura enclausurava-se nos conventos medievais, a ponto de o Imperador Carlos Magno, que dominou quase toda a Europa, ser considerado “pouco instruído” e não saber ler nem escrever.

Poderíamos citar inúmeros exemplos a falta de conhecimento em que estava a Europa. Por exemplo: um imperador chinês se recusou receber uma comitiva de enviados europeus por considerá-los bárbaros. As diferenças de tipo de cultura nunca foram denominador certo para se atestar o grau de capacidade de um povo ou sua potencialidade. Não queremos ressaltar o desenvolvimento dos Estados africanos no período colônia e subjacentes, para diminuir a capacidade dos Estados europeus, mas colocar a importância do negro (entenda-se africanos), dentro de uma linha estruturada e paralela à história ocidental: nosso livros falam de uma historia voltada para a França, Inglaterra, Portugal, Espanha, enfim para o mundo ocidental. Que tal falar da contribuição das civilizações africanas negras nos livros de história de caráter didático escolar, formadores da personalidade de um povo?

Por que a historia da África? Não pela África, que vai bem obrigado. Mas pelos nossos problemas de cada dia, e por nós entenda-se o Brasil. Um Brasil amarelo, branco, negro e acima de tudo mestiço, carregando individualmente, conforma a cor e a sensibilidade, a pecha de descender de uma raça inferior.

Inferior por quê?

A importância do negro africano, não se mede pelo trabalho braçal, na formação brasileira, mas pela sua técnica, introduzida na lavoura, pela extração dos metais e na fundição. Como um colono português, em correspondência ao rei de Portugal comentava, a falta de pessoas capazes de extrair o ouro e o ferro, existentes nas minas do Brasil. O africano vem dar a sua contribuição, complementando, e sanando as deficiências do colonizador europeu. Isso não só na colônia, mas no próprio Portugal, na época com uma população pequena, insuficiente pra produzir seu alimento e manter o Império de Ultramar. Não poderemos citar a contribuição real das culturas africanas ao Brasil, nem mesmo a amplitude de seu desenvolvimento na África, São assuntos extensos e muitos sérios...

Que a imagem da África não esteja limitada a “África do seu Tarzan” nem a dos repetidos filmes pseudos culturais, dos aventureiros buscando a origem do Nilo. Melhor seria, em vez de repetir-se exaustivamente “filmes-de-quem-vai-achar-o-Nilo-primeiro” (com uma visão da África deturpada e irreal, tipicamente colonialista) passar uma chanchada da Atlântida; pelo menos estaríamos buscando nossas origens. Macunaímas que somos.

Em tempo, o nosso famigerado loiro, herói “homem-macaco”, tem agora ao seu lado um “Boy” com cara de mexicano, um garoto típico, estranhando-se quando ele não canta “La Cucaracha”. Deixa-nos pensando: porque a Jane não aparece? Será uma co-produção mexicana meio a meio? Ou...

*Aviso: São os originais de texto de 1975.

Foi publicado em uma revista alternativa na época. (Um dia ainda a encontro).

Há atualidade nele? Deixo para os leitores decidirem.

Ontem 31 de junho de 2010, passava nas emissoras abertas nas sessões da tarde, um filme do “King Kong”, e um filme chamado “Mistério da Libélula” aonde os “brancos bonzinhos” vão a terra Yanomani Venezuela ( ou ainda Brasil?) ajudar os pobres nativos desamparados. Foi com missões cientificas e assistenciais que a Austrália foi incorporada ao Império Britânico.

Há atualidade no texto?

Hugo Ferreira
Enviado por Hugo Ferreira em 01/08/2010
Código do texto: T2411735
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