FOI VÁLIDA A SENTENÇA QUE CONDENOU JESUS?

A oração eucarística V de autoria do padre maranhense Jocy Rodrigues, ao descrever a consagração eucarística, dizia na sua forma originária: “Na noite em que ia ser preso”. Os teólogos dogmáticos, então, mudaram o trecho “ser preso” por “ser entregue”, pois Jesus não foi preso, mas se entregou livremente pela salvação da humanidade.

Fazendo uma leitura da sentença de Jesus não vamos encontrar nos evangelhos relatos históricos, mas leituras teológicas posteriores a condenação de Jesus.

O que existe são dois relatos históricos da morte de Jesus. O primeiro é de Tácito, escrita no livro XV dos seus Anais, e o segundo é do historiador Flávio José, na obra Antiguidades Judaicas. Ambos descrevem que Jesus teria sido morto por sentença do procurador Pôncio Pilatos, sob o império de Tibério.

Ninguém imaginaria que aquele ato processual contra Jesus, celebrado na periferia do Império Romano, marcaria indelevelmente a história da humanidade. Como escreveu Samuel Brandon no seu livro Processo de Jesus (1968), aquela sentença foi “a mais importante da história da humanidade. Nenhuma ação judiciária promovida contra uma pessoa é conhecida por um número tão grande de pessoas”.

Numa leitura exegético-jurídica minuciosa dos evangelhos teremos duas fases do julgamento de Jesus. A primeira, Jesus diante do Sinédrio, seria a fase inquisitória. A segunda, chamada de instrutória e decisória, Jesus diante de Pilatos. Sinédrio é um termo grego que em hebraico significa Sanhedrin – Conselho. Indicava na época o único órgão político-religioso reconhecido pelo poder romano. Era composto por 70 membros, liderada pelo sumo-sacerdote.

Sobre a primeira fase, o exegeta Josef Blinzler (1951) chegou afirmar que primeiro existiu uma acusação de motivação religiosa por parte do Sinédrio, que deveria ser convalidada por uma sentença de motivação política, uma vez que só Pilatos tinha competência para dar sentença de morte.

Por outro lado, o historiador judeu Chaim Cohn (1968), defendeu o Sinédrio afirmando que na primeira fase o tribunal judaico teria, na realidade, feito um extremo esforço para salvar o Galileu das mãos do poder romano, buscando fazer com que ele se retratasse das suas perigosas pretensões messiânicas-políticas. No entanto, o próprio Jesus preferiu o “silêncio” diante do Sinédrio.

Na verdade Jesus foi traído por um de seus apóstolos preso durante a noite no jardim Getsêmani, transferido sob escolta diante do ex-sumo sacerdote Anás para um primeiro interrogatório informal, que aconteceu na mesma noite. Deram-lhe falsas testemunhas, foi negado por três vezes por um de seus melhores amigos.

O escrito sobre o Sinédrio da Mishnah afirma que os atos processuais apenas poderiam ser realizados durante o dia e na sede oficial do Sinédrio. Portanto, a reunião daquela noite seria ilegal, e a sentença a Jesus seria inválida.

A segunda fase do julgamento foi diante de Pilatos. Este tenta impedir a sentença de Jesus de cinco maneiras. A primeira tentativa é narrada pelo evangelista Lucas, onde Pilatos recorre à distração dentro do próprio procedimento instrutório. Entrega o acusado a Herodes Antipas que tinha jurisdição sobre a Galiléia, a região em que Jesus tinha iniciado sua missão. Tentativa fracassada, uma vez que Herodes não condena Jesus, pois não era competente para tal ato.

Na segunda tentativa manda flagelar Jesus com a esperança de que o povo tivesse clemência e pedisse sua liberdade diante de tão grande sofrimento. Tentativa sem resultado.

Na terceira tentativa Pilatos recorre à aplicação do "privilégio pascal", um ato de clemência no qual o governador costumava soltar o prisioneiro que a multidão quisesse. Mas essa tentativa também foi fracassada, pois o povo prefere libertar o salteador Barrabás em vez de Jesus.

A quarta tentativa é apresentada pelo evangelista Mateus. É quando a mulher do procurador faz de tudo para Pilatos não condenar Jesus. Sem êxito.

A quinta tentativa, na fase probatória, Pilatos faz aquele gesto que se tornaria famoso: “Pilatos fez com que lhe trouxessem água, lavou as mãos diante do povo e disse: ‘Sou inocente do sangue deste homem. Isto é lá convosco! ’” (Mt 27, 24). O gesto é tipicamente judaico e não romano.

Portanto fica evidente a nulidade absoluta da sentença de Jesus, que mesmo assim foi condenado à morte de cruz. Quem é culpado? Judas, que o traiu? Pedro, que o negou? Os apostólos, que lhe abondonaram? O Sinédrio, na pessoa de Anás e Caifás? Pilatos, que o sentenciou? Herodes, que se omitiu em julgá-lo? Ou a multidão, que preferiu soltar Barrabás? Não somente eles, mas toda humanidade é culpada, e cada vez que pecamos aumenta nossa culpa pela morte do homem mais justo da história humana.

Marcio dos Santos Rabelo
Enviado por Marcio dos Santos Rabelo em 03/06/2011
Código do texto: T3010925
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