Jacques Le Goff: Deus e a Idade Média

Morreu nesta terça-feira em Paris, aos 90 anos, um dos maiores historiadores de nosso tempo: Jacques Le Goff. Seus estudos se voltaram para a Idade Média, principalmente os séculos XII e XIII, mas ele teve a preocupação de tirá-los do círculo acadêmico. Foi consultor do filme "O nome e a rosa", baseado na obra de Umberto Eco. Sua influência sobre várias gerações de estudantes e amantes da História (como eu) é incalculável. Quando recebeu, em 2004, o prestigiado prêmio Dr. A. H. Heineken de História, atribuído pela Academia Real das Artes e Ciências dos Países Baixos, a declaração do júri dizia que Le Goff “mudou a nossa percepção da Idade Média”. Para ele, não era correto chamar a Idade de Média de “Idade das Trevas”.

Curiosamente comprei dois livros recentemente de Le Goff, ambos lançados neste ano no Brasil: A Idade Média e o dinheiro (Civilização Brasileira) e Homens e mulheres da Idade Média (Estação da Liberdade).

É interessante que Le Goff estudou um período onde Deus era muito cultuado mas, paradoxalmente, parecia que era muito diferente daquele que era adorado nas catacumbas e casas dos discípulos dos primeiros anos do cristianismo. Na era medieval prevaleceu a pompa, os rituais e o poder temporal da igreja romana, em detrimento da simplicidade e do poder espiritual da igreja cristã.

Mas Le Goff, que não era cristão, sabia do poder que o cristianismo tinha para mudar a sociedade: “O cristianismo foi uma revolução ou o motor essencial de uma revolução”.[1] Em uma entrevista publicada na Folha de São Paulo, em 2002, o historiador francês criticou àqueles que fazem “uso” de Deus mesmo para fins políticos e sociais: “Se Deus existe, não compete ao homem se envolver em suas ações. Ele seria grande o suficiente para fazer o que quer”.

A magnífica obra de Le Goff ficará por muito tempo, trazendo luz a um período que, segundo ele, poderia melhor ser definido não pela palavra “trevas”, mas por “maravilhoso”.

[1] O nascimento do purgatório. 2ª Ed. Lisboa. Editorial Estampa, 1995, p.25.