Hipsters por excelência

Imagino o que pensarão aqueles senhores que, no ano da graça de 2450, vão contemplar atônitos este meu insolente relato que segue. Assentados sobre os restolhos da modernidade e ardendo abaixo de um céu aberto por um clima corrompido pela cupidez humana, certamente, comentarão entre si: “aquilo sim era vida, quando ainda se podia dirigir um FIAT 500 fabricado tardiamente em 2014”.

Penso na alma poética que os anacrônicos do futuro haverão de empregar aos nossos dias. O passado, com sua carga natural de melancolia, sempre tingido em preto e branco ou, no máximo, em sépia, nos faz crer que a vida era, indubitavelmente, melhor. Mas, apesar disso, me questiono se a nostalgia de hoje é, de fato, só uma ilusão ou uma necessidade.

A nostalgia que sentimos é mais que saudade, é a negação do presente. Como antropólogo de calçada, percebo que o número de pessoas nostálgicas tem crescido exponencialmente, e eu me incluo nele. Esse fenômeno não me parece ser uma mera manifestação da Síndrome da Era de Ouro, vai além: é uma manifestação de que o agora é impossível de se viver, e disso você passa a ter certeza ao ler os livros de Bauman.

A sensação que resta é a de que perdemos características e condições essenciais no decorrer do tempo e tal perda fica estampada na arquitetura opressiva e disforme das cidades - e na arte em geral -, no comportamento humano padronizado, na política insossa (burocrática, sem paixão e desonesta), no sexo gratuito de um mundo baseado num hedonismo cinza, no transcendental perdido, nas religiões fast food, onde você pede uma oração e recebe um milagre financeiro na próxima cabine.

Não é à toa que o mercado, esperto que só ele, captou essa nostalgia crescente. Carros e motos que pararam de ser fabricados há décadas voltam as ruas com a mesma roupagem de outrora, mas com a tecnologia de hoje, sem o esmero na fabricação, mas com o espírito da produção em massa; alimentos, bebidas, roupas, arte, serviços, enfim, uma gama de itens começam a repovoar nosso dia-a-dia com a intenção de nos levar para o passado, para um momento histórico realmente mais aprazível que talvez nem tenhamos vivido, mas, sim só ouvido falar através de relatos romanceados.

O resultado disso, no entanto, é duvidoso quando observado de forma panorâmica. O cenário de nossa vida foi transformado em um enorme e mal-feito mural de colagens históricas que nos aponta o dedo e diz: "vocês não são capazes de construir nada novo, nada que fique para a posteridade. Vocês são hipsters por excelência."

E, por esta constatação, por me sentir parte de uma geração perdida, termino este artigo bebericando Jack Daniel's e ouvindo Secret Sisters, dupla formada com a cara dos contemporâneos que almejam o passado, porque é o que me resta e porque é naquele espírito que elas recriaram que eu gostaria de viver.

http://www.youtube.com/watch?v=cj4ZzYNQP9U