As péssimas mães da ficção

Costumamos imaginar as mães como seres sábios e fontes inesgotáveis de compreensão e amor. Porém, a vida real mostra que muitas mães estão bem longe de corresponder a esse ideal divinizado. Há mães boas e más e mães são seres humanos, que podem dar conselhos errados e cometer muitos equívocos na educação dos filhos. Algumas inclusive podem ser negligentes, omissas, permissivas ou rígidas demais, maltratar seus filhos, desprezá-los e fazer tantas outras coisas que podem acabar com suas vidas. E a literatura, o cinema e a televisão são pródigos em nos fornecer modelos de mães bastante falhas e até monstruosas.

Um exemplo bem clássico é o da peça Medeia. Quem conhece a mitologia grega com certeza sabe da história do tosão de ouro em que Jasão e os argonautas partem em busca da relíquia e o príncipe Jasão é auxiliado por Medeia, princesa e feiticeira que se havia apaixonado pelo príncipe guerreiro. Aliás, podemos dizer que, se não fossem os conhecimentos de feitiçaria de Medeia , - sobrinha de Circe - Jasão não teria pego o tosão nem recuperado o seu reino. Ela vai com ele ao seu reino, casa e tem dois filhos com ele. Entretanto, o ingrato Jasão a abandona para casar com outra. Medeia, para se vingar, mata os próprios filhos para causar dor ao homem por quem tanto sacrificara. A peça Medeia é um verdadeiro clássico que tem como tema a vingança.

A Bíblia também tem um ótimo exemplo de mãe que erra muito. Rebeca, esposa de Isaac e mãe de Esaú e Jacó, tem clara preferência por este último, induzindo-o a enganar o pai para receber a bênção destinada a Esaú e ajudando-o a fugir para escapar do gêmeo vingativo.

Quem leu o romance Dois irmãos de Milton Hatoum ou assistiu à ótima série produzida pela Globo, logo percebe que a história dos gêmeos Yakub e Omar é uma clara referência à história bíblica de Esaú e Jacó. Podemos ver bem como Zana, a mãe dos gêmeos, ama exageradamente o gêmeo transviado Omar, acobertando descaradamente seus erros, dando desculpas para suas malandragens e negligenciando seus outros filhos e até o seu marido, Halim. Embora ela se orgulhe de Yakub, aluno brilhante, dá-lhe pouca atenção e sua atitude acaba provocando a lenta desagregação da família.

Uma mãe monstruosa é a de Preciosa, filme no qual a protagonista é uma jovem negra e obesa de origem pobre que sofre todos os tipos de abusos possíveis. O pai a estupra e ela engravida dele duas vezes. Sua mãe, além de conivente com o estupro, ainda a humilha, espanca, obriga a fazer o serviço da casa e ainda a usa para obter benefícios indevidos da Previdência Social já que, além de nada fazer em casa, não trabalha e não quer que a filha entre num programa educacional que lhe abrirá as portas para um futuro, dizendo que Preciosa é burra demais. Uma cena tocante é a em que Preciosa conta como deu à luz seu primeiro filho: ela relata à assistente social que foi no chão da cozinha enquanto a mãe lhe chutava a cabeça.

Outra mãe que está longe de ser exemplar é Scarlett O'hara, de E o vento levou. Ela não dá atenção à filha Bonnie, a ponto do pai, Rhett Butler, ocupar-se inteiramente da menina. Rhett chega a dizer que uma gata é melhor mãe do que ela. Quem tiver lido o romance de Margaret Mitchell saberá que Scarlett teve outros dois filhos antes de Bonnie, pois casou duas vezes antes de casar com Rhett. Ela despreza seus dois filhos mais velhos, que morrem de medo dela.

Também se pode mencionar Fiona Cleary, de Os pássaros Feridos, romance australiano que inspirou magnífica série protagonizada por Rachel Ward e Richard Clayderman. Embora tenha vários filhos, é incapaz de lhes dar amor, mostrando gostar apenas do seu mais velho, Frank e trata Meggie, sua única filha mulher, com total indiferença. Meggie passará grande parte de sua juventude lamentando a falta de atenção de sua mãe e ambas só chegarão a um entendimento depois que Meggie, já adulta, conhece um pouco do passado de sua mãe e do que a levou a se tornar uma mulher dura e amarga.

As novelas brasileiras também são cheias de mães que erram e se revelam incapazes de dar amor aos filhos. Quem assistiu a Avenida Brasil há de concordar que Carminha é uma mãe bem monstruosa. Só se importa com seu mais velho, Jorginho, e despreza de forma bem explícita sua caçula, Agatha, humilhando-a e ridicularizando-a, fazendo piadas de mau gosto com o fato da filha estar acima do peso.

Com certeza, há diversas mães que estão longe de ser modelos de amor e compreensão na ficção e na vida real. No caso da ficção, se elas fazem os filhos sofrerem, pelo menos podemos dizer que rendem histórias complexas e fascinantes.