Guaçuí/ES – 1954 a 1959. Uma realidade brasileira que se constrói: Adelino José Jeveaux: O pioneiro nacional na captação e transmissão de sinal de TV.

Guaçuí/ES – 1954 a 1959. Uma realidade brasileira que se constrói: Adelino José Jeveaux O pioneiro nacional na captação e transmissão de sinal de TV.

Em 1950 ainda não havia televisão no Brasil e, tampouco havia de onde copiar um modelo de sucesso, pois naquele ano só três canais de televisão funcionavam no mundo: um na Inglaterra, um na França e um nos Estados Unidos. Por ser o único canal comercial dos três, o norte americano, da NBC - associada à RCA Victor -, era o que mais se aproximava do que se pretendia fazer no Brasil .

Entretanto, a primeira transmissão de áudio e vídeo que ocorreu no Brasil, aconteceu, em caráter experimental, no dia 05 de julho de 1950, em São Paulo, através de circuito fechado de televisão que transmitia as cerimônias de inauguração formal do Museu de Arte de São Paulo e do Edifício Guilherme Guinle. Na referida data, um monitor foi instalado no amplo saguão do edifício e outro ao ar livre, na esquina das ruas Sete de Abril e Bráulio Gomes, a poucas dezenas de metros de distância. A presença do presidente Dutra, de artistas de rádio e de dezenas de políticos e empresários superlotou os salões do museu. Deste modo, a única câmara instalada no local transmitia tudo para as centenas e centenas de populares que se espremiam no saguão térreo e diante do monitor instalado no meio da rua .

Mas no dia 18 de setembro de 1950 a realidade brasileira começa a mudar, pois, a primeira transmissão oficial de inauguração da implantação do Sistema de Transmissão de Televisão iria começar às cinco da tarde, com a transmissão de cerimônia de bênção e batismo das câmeras e dos estúdios, e prosseguiria com esquetes intermitentes até se encerrar, às nove da noite, com um grandioso show. Como parte das festividades pré inauguração, as chamadas "classes produtoras": banqueiros, comerciantes, industriais e fazendeiros de São Paulo e Rio de Janeiro ofereceram um banquete no restaurante do Mappin para homenagear os fundadores pela implantação da televisão no Brasil com o canal PRF 3 TV TUPI, e que logo se transformaria apenas em "Canal 3 - TV Tupi" .

Os parágrafos acima têm a finalidade de nos situar na realidade cultural do Brasil nos anos 50. Não obstante a todos os fatos e acontecimentos ocorridos naquele progressivo ano, tão logo se noticiou o sucesso alcançado por Assis Chateaubriand com a inauguração da TV Tupi o que, aliás, foi um acontecimento inédito na História do Brasil, cujo feito foi reconhecido a nível internacional sendo que o autor de tamanha façanha ganhou a simpatia até mesmo do presidente da república do Brasil, o Sr. Eurico Gaspar Dutra. A partir de 1954, o sinal, agora, era transmitido por emissoras de estúdios de TV, também inaugurados na cidade do Rio de Janeiro que, em linha reta, podia-se registrar uma distância de cerca de 286 Km de Guaçuí.

Todos aqueles acontecimentos viraram notícias e a respectiva transmissão pioneira, que marcara a inauguração da implantação da transmissão de Televisão no Brasil, despertara no jovem senhor Adelino José Jeveaux, de apenas 34 anos de idade, que residia na cidade de Guaçuí/ES, o interesse em repetir aquele sinal transmitido pela recém inaugurada TV Tupi.

Nascido no dia 1º de junho de 1916, na cidade de Varre-Sai, Município de Itaperuna - Estado do Rio de Janeiro. Filho de José Luiz Jeveaux e de dona Etelvina Clara da Silveira Jeveaux. Aos doze anos mudou-se para Guaçuí, e aqui aprendeu o oficio de Chaufeur (Motorista de Caminhão), cuja profissão exerceu por longos anos até se tornar Mecânico e, posteriormente, Torneiro Mecânico. No ano de 1936 alistou-se, pelo Município de Itaperuna, Estado do Rio de Janeiro, para prestar o serviço militar, porém, o Certificado de Reservista foi expedido somente em 1949. Em 30 de março de 1938 casou-se com dona Carmélia Fraga que passou a assinar Carmélia Fraga Jeveaux.

No final da década de 40 iniciou seus estudos, por correspondência, de Mecânica Automotriz, Industrial e Diesel pela National Schools Los Angeles - Califórnia-USA - . Áqui trazemos à tona o interessante depoimento que nos foi dado pelo neto André..., presidente da empresa Retificadora Jeveaux, inaugurada nos anos 50 por Adelino José Jeveaux. Afirma, André, que seu avô comentava que, em decorrência dos estudos que fazia, por correspondência, em uma escola norte-americana e não tendo aqui nenhuma agência bancária autorizada a receber as mensalidades via-se, então, obrigado a embarcar, todos os meses, em um avião teco-teco que fazia fretes de Guaçuí para o Rio de Janeiro, para efetuar o pagamento das mensalidades em algum órgão credenciado, na Capital Federal, pela National Schools Los Angeles - Califórnia -, a receber os pagamentos referentes aos cursos praticados em tão conceituada escola.

De acordo com a narrativa de André, seu avô muitas vezes comentara que foi dentro daquele avião que viera a inspiração e os primeiros questionamentos sobre a captação de ondas de transmissão do sinal de televisão, e lá do alto, vislumbrando as montanhas, além de delimitar o espaço físico-geográfico, sentia-se induzido pela imaginação e pensamentos e, assim, mergulhava nas reflexões em que se deixara envolver sobre as possibilidades de empreender pesquisas e experiências para realizar tal feito. De fato, ele era um sonhador, mas um homem que sonhava e fazia o sonho se tornar realidade. Realidade não somente para si, mas para todos que se beneficiariam com suas realizações.

No decorrer daquela década de 1950, o senhor Adelino resolveu colocar em prática aqueles interesses relacionados ao problema de Transmissão das ondas de sinal de Televisão e, assim, passou a estudar trabalhos publicados na Revista Antena e, daí em diante, aprofundou-se nos estudos, lendo ampla bibliografia. Sua ilustração ia se avolumando com a idéia de instalar, em Guaçuí, uma torre de captação de imagens e, por isso, iniciou seus trabalhos por volta de 1954. Uma tarefa que se revelou extremamente árdua, desgastante e, muitas vezes, difícil e desanimadora. Para o senhor Adelino José Jeveaux, tarefa difícil, sim; desanimadora, não.

Não era uma tarefa fácil, uma vez que iniciara suas experiências de captação de ondas do sinal de televisão em um município que não lhe oferecia meios que facilitassem suas experiências em relação ao sinal transmitido.

Com certeza, foi muito difícil de se organizar, locomover, transportar aparelhos e outros pesados equipamentos, pois a topografia dos morros não ajudava. Muitos locais onde se deveria realizar as devidas experiências era de difícil acesso e, por isso, tinham que ser escalados, especialmente quando se tratava de experiências que deveriam se concretizar no local denominado "Morro do Caracol".

Tudo isso, tanto esforço para que a meta fosse alcançada. O Sr. Adelino José Jeveaux, que exercia a profissão de mecânico também estudava, por correspondência, o curso de torneiro mecânico. Entretanto, no que diz respeito à captação das ondas do sinal de Televisão, contava apenas com sua força de vontade e seus próprios recursos na tentativa de encontrar o ponto certo para se captá-las.

A escassez de recursos municipais obrigou-o a ir em determinada loja da cidade do Rio de Janeiro, e adquirir um aparelho de televisão. No ato da compra lhe foi perguntado se aquele aparelho era para funcionar na cidade do Rio de Janeiro e ele, prontamente, disse: "Não. E, acrescentou: Este aparelho irá funcionar na cidade de Guaçuí/ES". Retrucou o vendedor: "Mas, em Guaçuí, não pega sinal". O Sr. Adelino, disse: "Não pega, mas vai pegar". Assim, era muito comum aos moradores de Guaçuí, entre os anos de 1954 a 1959, virem o Sr. Adelino, de um lado para o outro, ora em um morro, ora em outro, mas, particularmente, lá no alto do morro, onde se encontra o Cristo Redentor, para cima e para baixo, tentando localizar as ondas do sinal de televisão transmitido pela TV Tupi - Canal 9 - do Rio de Janeiro.

Para muitos da sociedade daqueles anos da década de 50, o Sr Adelino José Jeveaux era considerado um louco, tantã, ilusionista, visionário, sonhador. Cinco anos após a realização das primeiras experiências, muitas pessoas da sociedade local diziam até mesmo que ele vivia fora da realidade de seu tempo, conforme os comentários de alguns cronistas de jornais da época, que escreviam artigos zombando ao afirmarem:

"E então, nós, uma insignificante partícula de um todo, ficamos aqui sabendo que é muito difícil, mas torcendo para que dê certo, para que tudo saia bem, para podermos assistir o Fla-Flu no próximo campeonato. Oh! Se não der certo, tudo irá por água abaixo. Vem uma onda maldosa e destrói o nosso castelo de areia. Acordamos daquele sonho maravilhoso para nos defrontarmos com a realidade. Às vezes custamos até cair na realidade...".

Era assim que se lhe referia o artigo intitulado "Na Esteira das Ilusões", publicado no jornal "O Espírito Santo", em abril de 1959, cujo texto era de autoria do Sr. Roberto Lengruber.

Porém, ele não era um louco e, por isso, nenhum adjetivo cabia para lhe caracterizar. Contudo, ele podia ser considerado um homem muito além de todos os homens de seu tempo. Sua inteligência era ímpar, pois era detentor de uma capacidade de entendimento inigualável, uma vez que qualquer problema encontrava em sua mente, no menor espaço de tempo possível, uma resposta imediata - consequência de um raciocínio extremamente lógico. Ele buscava a perfeição em tudo que fazia e, nesta sua qualidade, nos é possível entender o porquê de ele ter pesquisado aquele sinal por cerca de, aproximadamente, seis anos. Acredito que, frente as dificuldades daquele tempo, qualquer um de nós teríamos desistido após duas ou três tentativas.

Sua perspicácia e perseverança chamava a atenção de muitos jornalistas de outras cidades e estados, que o procuravam para entrevistá-lo. Diante das questões impetradas por seus interlocutores, suas respostas revelavam a simplicidade e a coerência de um homem que não buscava sucesso para si, mas se preocupava em colocar seus conhecimentos a serviço de todos. Falando ao jornal "Diário Associados", pela primeira vez, revelou episódios relacionados com a sua luta de sacrifícios, que durou alguns anos de estudos, quatro meses de pesquisas e cerca de 300 mil cruzeiros de seu bolso.

Foi assim, a partir de 1954, quando passou a colocar em prática os conhecimentos adquiridos nos anos de estudo e, através das experiências que arduamente realizava, uma luz no final do túnel começava a brilhar. Tanto é que, em um segundo artigo, do ano de 1959, também publicado no jornal "O Espírito Santo", o senhor Lengruber, mais uma vez, escreveu: " 'Ligue o motor', gritou uma voz, dirigindo-se a alguém. Ouvimos o característico barulho de um motor de explosão que funcionava. Alguns sentaram-se no chão. Outros, de pé. Mas, todos olhavam atentamente para o interior da tenda improvisada. O Sr. Adelino Jeveaux dirigiu-se para o receptor de televisão, torceu alguns botões e, começamos a ouvir a voz do locutor da T.V. Tupi, anunciando para dentro de alguns instantes o início do jogo Brasil X Inglaterra. No vídeo, começou a aparecer uma sombra, uma confusão de pontinhos que, pouco a pouco, foram desaparecendo para dar lugar às figuras dos jogadores batendo bola, correndo e agitando-se prontos para o início da match. O número de pessoas já havia sido consideravelmente acrescido, e os comentários entre os tele-espectadores eram intensos. Mas, no intuito de melhorar a recepção da imagem, o Sr. Adelino mudou a antena. Mudou várias vezes, experimentando, procurando o canal-9, enfim, testando os aparelhos, pois aquilo era uma experiência. A recepção piorou. A imagem era muito confusa. Pouco se via...".

Ao contrário do artigo anterior, vê-se que o senhor Lengruber, diante da proeza de um homem, começava a mudar de opinião, uma vez que não se referia mais ao senhor Adelino como antes. Agora, neste ano de 1959, as notícias de seus feitos se espalhavam rapidamente, considerando que sua persistência chamara a atenção de muitos outros pesquisadores da área, sobretudo, de todo o Estado do Espírito Santo. Todos que acompanhavam os trabalhos de Adelino José Jeveaux como, por exemplo, Técnicos em Eletrônica, Engenheiros, Vereadores, Prefeitos, Deputados, Senadores, até mesmo o Governador e, é claro, toda a população de Guaçuí, estavam prestes a testemunhar um feito inédito não somente para a nossa cidade e, nem tampouco só para o nosso Estado, mas para todo o Brasil e, também, para o mundo, pois o sonho de um homem não demoraria muito tempo a se realizar, pois, naquele ano de 1959 as experiência seriam realizadas no "Morro do Caracol".

Assim, entre os meses de junho e julho de 1959, após o árduo acesso ao local com uma altura de 1.015 metros, e carregando às costas pesados instrumentos e equipamentos volumosos, procedeu-se a montagem de uma Antena Rombica que media 20 metros de altura e 10 de largura, bem como, a instalação dos instrumentos e equipamentos naquele local de difícil acesso. Deste modo, após todos os esforços empreendidos, todas as atenções se voltavam, agora, para aquele franzino homem de cútis branca, barba raspada, olhos castanhos, com 1,62 de altura e que tinha uma cicatriz na falange do indicador esquerdo, que estava prestes a ligar um aparelho de televisão que atrairia a atenção de todos, em favor dos aplausos que viria merecer o protagonista de uma emocionante aventura e de um admirável sonho.

Finalmente, a inauguração da Torre de televisão, naquele esplendoroso dia 02 de outubro de 1959, marcaria o término de uma saga empreendida pelo senhor Adelino José Jeveaux, pois, diante de todos os convivas, ele estava prestes a entrar definitivamente para a História e, por ela, ser imortalizado.

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