Algumas Considerações sobre as Unidades de Conservação da Natureza

Algumas Considerações sobre as Unidades de Conservação da Natureza

Luiz Eduardo Corrêa Lima

(Professor Titular de Biologia – FATEA – Lorena/SP)

A expressão Unidade de Conservação é relativamente antiga, surgiu por volta de 1950, quando se intensificaram a criação de áreas de proteção à natureza pelo mundo afora. Aqui no Brasil, a idéia atual sobre essas Unidades de Conservação foi estabelecida pela Lei 9985 de 18 de julho de 2000, que criou e definiu Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC. Pelo texto da citada Lei uma Unidade de Conservação consiste num “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

Ainda pelo texto do SNUC, as Unidades de Conservação são criadas com os seguintes objetivos: I - contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais; II - proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional; III - contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais; IV - promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais; V - promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento; VI - proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica; VII - proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural; VIII - proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos; IX - recuperar ou restaurar ecossistemas degradados; X - proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental; XI - valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica; XII - favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico; XIII - proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.

A Lei do SNUC define ainda dois tipos fundamentais de Unidades de Conservação: as Unidades de Proteção Integral, que são: I - Estação Ecológica; II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV - Monumento Natural; V - Refúgio de Vida Silvestre, cujo objetivo básico é preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos na própria Lei e as Unidades de Uso Sustentável, que são I - Área de Proteção Ambiental; II - Área de Relevante Interesse Ecológico; III - Floresta Nacional; IV - Reserva Extrativista; V - Reserva de Fauna; VI – Reserva de Desenvolvimento Sustentável; VII - Reserva Particular do Patrimônio Natural, cujo objetivo básico é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais.

É exatamente nesse ponto, na distinção entre os dois tipos fundamentais de Unidades de Conservação, que muitas pessoas confundem o que está estabelecido pelo SNUC e por isso mesmo, tentarei traçar alguns comentários sobre essas duas formas de Unidades de Conservação e seus respectivos conceitos, na tentativa de esclarecer um pouco melhor as diferenças entre elas.

Inicialmente preciso reafirmar que uma Unidade de Conservação é qualquer área preservada por força de Lei e frisar que toda Unidade de Conservação tem que ter um Plano de Manejo definido e aprovado por um Conselho Consultivo que determina suas prioridades e atividades. No máximo 5 anos após a criação determinação legal da área como Unidade de Conservação, deve ser estabelecido o seu Plano de Manejo. Esse plano é um documento que pode ser comparado com uma espécie de Plano Diretor da Unidade, pois nele devem estar contidas todas as ações e toda estrutura gestora das ações a serem desenvolvidas na Unidade.

Diferentemente do que muita gente pensa e do que lamentavelmente certos setores da imprensa, por desconhecimento ou por má intenção, insistem em reforçar, nem sempre uma área protegida pelo SNUC é uma área impedida de ser utilizada antropicamente. As Unidades de Proteção Integral são sim áreas de proteção exclusivas e que não podem ter seus recursos naturais utilizados diretamente pelo homem. Entretanto, as Unidades de Uso Sustentável, ao contrário, podem ter os mais diversos usos para os seus recursos, desde que tal exploração seja feita de forma sustentável e que esteja prevista no Plano de Manejo da referida Unidade.

Vejam bem as Unidades de Conservação de Uso Sustentável são áreas que devem compatibilizar a Preservação com os diferentes usos possíveis no local. Sendo assim, embora a prioridade seja a proteção ambiental, não existe nenhuma exclusividade nessa proteção, porque o uso sustentável é permitido, desde que previsto no Plano de Manejo. Essa é a questão que não fica clara para muitas pessoas e muitos setores da imprensa que parecem confundir as Unidades de Conservação com as áreas exclusivas de Proteção à natureza ou como áreas de preservação permanente. Ou melhor, na verdade, confundem Unidades de Conservação Integral com Unidades de Conservação de Uso Sustentável, porque parecem não conhecer a Lei e não entender que essas são duas coisas distintas e que estão sujeitas a normas diferentes.

Na verdade, para esclarecer melhor a questão é necessário que se estabeleça uma distinção entre duas palavras que envolvem dois conceitos protecionistas muito próximos, porém diferentes e que precisam estar bem evidentes para as pessoas, pois normalmente essas palavras acabam sendo empregadas como sinônimos, embora não seja bem assim. As palavras em questão são, respectivamente, Conservação e Preservação.

Conservação e Preservação genericamente têm a mesma noção básica de manutenção e continuidade, porém conservação é manutenção com uso e preservação é manutenção sem uso. Isto é, no que diz respeito às Unidades de Conservação, algumas podem ser usadas para fins diferentes da proteção e outras não. Aquelas que não podem ser utilizadas, pois têm todo seu território como áreas de preservação permanente são as Unidades de Conservação Integral, enquanto as que podem ser utilizadas têm seu território com áreas de preservação permanente e áreas de possíveis usos antrópicos são as Unidades de Uso Sustentável. Obviamente, no segundo caso, os usos em questão têm que ser sustentáveis para garantir efetivamente a proteção ambiental da Unidade e além disso, esses usos têm que estar previstos e definidos no Plano de Manejo da mesma.

Assim, uma Unidade de Conservação Integral é para ser preservada integralmente, enquanto que uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável é para ser preservada no que não for de interesse utilizar sustentavelmente, mas também pode ser utilizada naquilo que for de interesse, desde que o uso não impeça a sua condição de Unidade de Conservação e ainda que possa garantir o uso contínuo, sem prejudicar todo o território como Unidade de Conservação. Além disso, o Plano de Manejo deve prever aquilo que vai ser utilizado e compatibilizar esse uso com a proteção do território.

Outro aspecto importante é que o uso em questão precisa ser aprovado por um Conselho Consultivo, o qual é composto por representantes dos diversos segmentos sociais do entorno da Unidade. O dirigente maior da Unidade de Conservação, embora seja o Presidente do Conselho, não detém, por si só, o poder de definir que usos sustentáveis poderão ser atribuídos para a Unidade. O Conselho Consultivo, representado pelos diversos setores interessados da comunidade do entorno da Unidade de Conservação é quem vai determinar e permitir (ou não) os seus respectivos e possíveis usos.

Vou dar um exemplo hipotético para tentar ser mais claro. Imaginem uma Unidade de Conservação do tipo APA (Área de Proteção Ambiental), que abrange uma porção territorial significativa de um determinado município. Nessa APA existem bairros com residências e comércio local, um Viveiro Florestal e um significativo capão de mata natural e ainda existem pequenas indústrias como uma padaria e mesmo uma olaria. Além disso, dentro da APA ainda é encontrada uma pequena madeireira, que explora madeira de reflorestamento numa determinada parte do seu território. Essa Unidade de Conservação, embora teórica, pode efetivamente existir, desde que seus diferentes usos sejam compatíveis com a sustentabilidade da área e que mantenha as condições de proteção e continuidade da mesma para as gerações futuras. Todos os segmentos envolvidos têm entidades representantes no Conselho Consultivo e cada entidade participante tem direito a um voto no Conselho.

Democraticamente é perfeito, pois não há, a priori, nenhum segmento com vantagem sobre o outro e o interesse primário de todos os envolvidos é manter a área, suas casas e seus negócios. Qualquer alteração significativa da estrutura pode complicar para todos os segmentos envolvidos. Desta forma fica garantido que todos tendem a trabalhar no interesse da manutenção da APA, pois isso é benéfico para todos os envolvidos. Então, uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável pode ter qualquer coisa no seu território, mas isso tem que estar previsto no Plano de Manejo, pois tem que ter a anuência do Conselho Consultivo da própria Unidade.

O SNUC é um sistema integrado e democrático que visa garantir a manutenção das Unidades de Conservação, independente do tipo de Unidade, e a conservação da natureza de maneira clara e precisa, sem prejudicar os interesses antrópicos em áreas de interesses econômicos ou sociais, já estabelecidos ou possíveis de serem estabelecidos nos territórios das respectivas Unidades.

O Brasil e particularmente o Estado de São Paulo, possuem várias Unidades de Conservação estabelecidas e precisamos estar cientes dos diferentes tipos dessas Unidades e do conceito específico que cada uma delas traz em seu bojo, para podermos questionar se suas verdadeiras finalidades estão sendo cumpridas. O SNUC define conceitualmente cada tipo e atribui cada função específica que eles possuem no processo de Proteção dos Recursos Naturais. Seria bom que todas as pessoas pudessem ter acesso ao texto da Lei 9985/2000, para entender claramente cada significado, cada possibilidade das Unidades de Conservação e que pudessem fiscalizar o seu cumprimento.

No final dos anos 1980, publiquei um livro (LIMA,1989), no qual eu já fazia referência as Unidades de Conservação existentes no Vale do Paraíba àquela época. Aliás, cabe lembrar que fui o primeiro a publicar algo sobre esse assunto aqui no Vale do Paraíba. Com certeza hoje aquelas Unidades de Conservação devem estar bem estabelecidas, totalmente regulamentadas, de acordo com o SNUC, que naquela época ainda não existia, e obviamente devem ter sido criadas muitas outras.

Caro leitor, procure se informar melhor sobre essa questão, até porque saímos do Ano Internacional da Biodiversidade (2010) e entramos no Ano Internacional das Florestas (2011). A ONU continua ativa nas questões relacionadas ao Meio Ambiente e nós precisamos fazer a nossa parte e saber em que situações se encontram as nossas Unidades de Conservação, mormente aquelas que estão na região em que vivemos.

Não devemos nos esquecer que segundo o Capítulo do Meio Ambiente, artigo 225 da Constituição República Federativa do Brasil (1988), “a proteção e a manutenção do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações futuras é um dever do Poder Público e de toda coletividade”. No exercício pleno da cidadania, temos que estar atentos a esse dever constitucional e fazer a nossa parte como indivíduos inseridos na sociedade brasileira.

Certamente existe uma Unidade de Conservação perto de você, procure saber por que e para que ela foi criada, qual a sua área total, como ela se enquadra dentro do SNUC e principalmente, o que diz o seu Plano de Manejo. Além disso, procure saber se alguma das instituições (Empresas, Organizações Não Governamentais-ONGs, Órgãos Públicos), as quais você possa estar vinculado, faz parte do Conselho Consultivo dessa Unidade de Conservação. Se não fizer parte, procure saber o porquê e tente criar um mecanismo que possa levar a participação, pois quanto mais entidades estiverem envolvidas, mais democrático será o processo de gestão da Unidade. Quanto mais interesses coletivos existirem numa área qualquer, menor será chance de prevalecerem os interesses individuais e maior será o ganho ambiental, social e mesmo econômico de toda comunidade existente nas proximidades da área considerada.

Referências Bibliográficas

BRASIL, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, Senado Federal, Centro Gráfico, Brasília, 292 p.

BRASIL, 2000. Lei Federal Número 9985, de 18 de julho de 2000, Regulamenta o art. 225, § 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências, D.O.U., Brasília, 19/07/2000.

LIMA, L.E.C., 1989. Considerações Ecológicas sobre O Vale do Paraíba do Sul, Centro Educacional Objetivo, São Paulo e Fundação Nacional do Tropeirismo, Caçapava, 46 p.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo, Professor, Escritor e Ambientalista;

Membro da Academia Caçapavense de Letras (Cadeira 25);

Foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.