Disciplinas Básicas nos Cursos Técnicos: Perfumaria ou Necessidade?

Disciplinas Básicas nos Cursos Técnicos: Perfumaria ou Necessidade?

Luiz Eduardo Corrêa Lima

INTRODUÇÃO

Disciplinas como Biologia, História, Geografia, Português e quaisquer outras que não se enquadrem na situação ou no momento de interesse de qualquer curso técnico, são consideradas pelos alunos e, lamentavelmente, até mesmo por alguns professores como sendo “perfumaria”. Ou seja, apenas um cheirinho gostoso, sem importância e que passa em pouco tempo. Nada que possa justificar qualquer preocupação, pois não são coisas que tenham nenhuma relevância.

Entretanto, saber escrever e falar a língua em que se comunicam as pessoas do local onde se vive é uma necessidade quase que vital, então a disciplina Língua Portuguesa é fundamental para qualquer indivíduo nascido ou vivente nesse país. Aliás, já dizia Caetano Veloso: “minha língua é minha pátria”.

Por outro lado, saber que cada um de nós é um organismo vivo e procurar conhecer esse organismo para tentar mantê-lo vivo e em boas condições também é vital, então a disciplina Biologia também é fundamental. Da mesma maneira, saber os fatos históricos para tentar entender as questões políticas atuais e projetar as futuras é tão importante quanto interferir diretamente nas questões político-administrativas do país, então a disciplina História também é fundamental. Para completar, devo dizer ainda que conhecer a divisão política do mundo, do país, do estado e principalmente da região em que se vive, procurando entender as formas de ocupação do espaço é um mecanismo fundamental para a sobrevivência do indivíduo e então Geografia também é fundamental.

A BIOLOGIA COMO EXEMPLO

Em suma, disciplinas de “perfumaria” não existem, o que existem são disciplinas que visam formar o cidadão por inteiro e inseri-lo na sociedade em condições básicas que o permita participar de qualquer intervenção como ser pensante que ele é. Além de, obviamente, disciplinas que visam colocá-lo no mercado de trabalho, através do treinamento (ensinamento) técnico que teve numa área específica do conhecimento. Mas todas as disciplinas que compõem esse quadro geral são importantíssimas, não há gradiente de importância entre elas. A Biologia é uma dessas disciplinas, que embora não sendo necessária à formação específica na maioria dos cursos técnicos na área industrial, é fundamental e preponderante para a formação do indivíduo.

A função da escola é, em primeiro lugar, formar o homem e depois, se for possível, formar o profissional, mesmo numa escola técnica. Se não for assim, não se trata de uma escola, pois embora até possa parecer uma escola, será apenas e tão somente um centro de adestramento de cobaias ou um criadouro de idiotas. Num curso técnico é claro que a informação profissional é muito importante, porém o indivíduo precisa estar inserido na sociedade antes de inserir-se no mercado de trabalho. Isto é, mesmo num curso técnico não se deve e nem se pode fazer apenas um adestramento do indivíduo para ocupar uma determinada função. Há necessidade de formar o indivíduo, a pessoa humana, que conviverá sobre vários aspectos, a maioria deles não profissionais, com outras pessoas. A condição de pessoa tem que estar sempre acima da condição profissional, pois não se pode ser profissional sem ser pessoa. O exercício profissional é conseqüência da condição biológica e social e não o contrário.

No que tange a Biologia, a questão é muito mais séria, porque esta é uma Ciência que está sobremaneira no cotidiano das pessoas. Não só pela condição biológica óbvia das próprias pessoas (seres humanos), mas por tudo que ocorre com essas pessoas. Senão vejamos; família, saúde, lazer, meio ambiente, saneamento, segurança, trânsito, enfim todas essa questões, embora não pareça, são de base biológica e tem tudo a ver com a Biologia. Não há como evitar: “a Biologia está na vida das pessoas”. Então, como não saber, ou melhor, como não ensinar e não querer saber sobre Biologia?

Isso é impossível, pois a Biologia está encravada na existência humana e planetária, porque tudo gira em torno das formas vivas que existem no planeta. Talvez, o que não se queira estudar (talvez, até não se deva) são algumas áreas e setores enfadonhos, aspectos conceituais ou detalhes teóricos e extremamente técnicos das Ciências Biológicas, que muitas vezes não interessam a quem não é da área, porém conhecer a “Biologia Social” é fundamental para qualquer indivíduo.

Hoje em dia, como é possível fazer para evitar certas doenças? Como programar a família? Como evitar doenças? Como se relacionar com a natureza e os outros organismos vivos do planeta? Como não produzir ou minimizar resíduos? Como não desperdiçar recursos naturais? Como evitar o aumento da poluição? Como contribuir para que as cidades sejam mais saudáveis? Como viver melhor? Enfim, todas essas perguntas relacionam-se diretamente à Biologia e não há como viver atualmente sem pensar nessas questões. Há uma “Biologia Social” que interessa a qualquer indivíduo humano, independente da profissão que esse humano tenha escolhido para atuar.

Portanto, na hora de compor qualquer grade curricular de qualquer curso técnico, há que se pensar sobre que conteúdos de Biologia deverão ser ministrados, entretanto não se pode simplesmente excluir a Biologia ou qualquer outra disciplina tida como “perfumaria” da formação daquele indivíduo. O simples ato de apertar um parafuso envolve alguns conhecimentos biológicos fundamentais, que vão desde a estrutura anatômica da própria mão humana e sua importância para a nossa espécie, como “macacos diferentes dos demais”, por conta do polegar oponível; da ação nervosa que dirige esse ato de apertar o parafuso em si e que segue, passando pela musculatura e pelos ossos acionados, pela energia gasta na força exercida, pela causas genéticas que definem o uso da mão direita ou esquerda e etc... Parece incrível para alguns, mas a Biologia está em tudo que diz respeito às ações humanas.

O QUE DIZ A LEI SOBRE O ENSINO DE BIOLOGIA?

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Lei Nº 9394/1996), sabiamente separou o Ensino Médio do Ensino Técnico, entretanto fez com que o Ensino Técnico seja sempre, ainda que indiretamente, parte do Ensino Médio, quando condicionou que para a realização de um curso técnico, o aluno deverá ser possuidor do Ensino Médio ou estar na fase conclusiva deste. Desta forma, a formação profissional dá-se obrigatoriamente de maneira concomitante ou posteriormente ao Ensino Médio. Por outro lado, a LDB também exige que o Ensino Médio seja de maior abrangência possível, isto é, que seja eclético e diversificado para poder dar uma visão ampla ao aluno em formação.

Isso implica em que a LDB observou atentamente a necessidade da formação primária do indivíduo como cidadão, para depois pensá-lo como profissional. O “espírito da Lei” é claro e sua preocupação referencia a importância maior do Ensino Médio sobre o Ensino Técnico, muito embora haja setores e pessoas tentando inverter esse ideário legal, não sei se por falta de entendimento ou por outros interesses que não cabem serem discutidos aqui.

Junta-se a isso a Resolução da Câmara de Educação Básica n˚ 3, de 26 de junho de 1998, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Esta Resolução indica os procedimentos a serem observados na organização pedagógica e curricular de cada unidade escolar integrante dos diversos sistemas de ensino, tendo em vista vincular a educação com o mundo do trabalho e a prática social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propiciando preparação básica para o trabalho.

Além disso, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, no que diz respeito aos conhecimentos de Biologia orienta para que a Biologia e as demais ciências sejam ensinadas de acordo com seus códigos, seus conceitos e métodos, a fim de que seja possível ao aluno compreender a relação entre Ciência, Tecnologia e Sociedade. Desta maneira, não é a Biologia que tem que mudar para atender o interesse do aluno e sim o aluno que deve estar preparado pela Biologia para poder fazer o julgamento de questões polêmicas. Em particular, aquelas que dizem respeito ao desenvolvimento, ao aproveitamento de recursos naturais e à utilização de tecnologias que implicam em intervenções humanas no meio ambiente. Por exemplo, está na moda falar de Células Tronco, de DNA Recombinante e Plantas Transgênicas, consequências do Aquecimento Global e várias outras questões estritamente biológicas. Os profissionais de qualquer área de formação devem ter alguma noção sobre esses assuntos.

Por outro lado, normalmente os cursos técnicos são dirigidos (administrados) por profissionais técnicos e não por Pedagogos ou por Licenciados nas disciplinas não profissionalizantes e isso acaba sendo um entrave aos preceitos legais e ao “espírito da Lei”, pois as disciplinas ligadas à formação sócio-cultural do indivíduo acabam sendo prejudicadas, algumas vezes até com a anuência particular da direção, em prol da formação profissional específica.

Esse fato traz outras complicações e novos problemas, porque o indivíduo profissional acaba se transformando num autômato que age única e exclusivamente em prol da sua profissão, não avaliando as conseqüências de suas ações na sociedade como um todo. A coisa fica mais ou menos da seguinte maneira: “não importa se eu posso ou devo fazer tal coisa, pois eu estou apto a fazer e vou fazê-la de qualquer modo, independente de estar certo ou errado”. A ética não é se quer discutida, quanto mais projetada.

Essa visão deturpada da realidade e dos interesses primários da sociedade, lamentavelmente, é muito comum nos técnicos que são formados sem a preocupação com os valores sociais e naturais. Entretanto, não é isso que a Lei diz e nem é isso que ela quer que aconteça. Assim, o que deve ser feito é a priorização do Ensino Médio na formação do indivíduo, visando classificá-lo primeiramente como cidadão.

A NECESSIDADE DA FORMAÇÃO ECLÉTICA DO INDIVÍDUO

Como já foi citado, a LDB propõe que a ecleticidade do indivíduo e, além disso, a contextualização dos assuntos ensinados sejam elementos fundamentais na sua formação. Desta maneira, todas as disciplinas são essenciais e ampliam sua preponderância quanto mais possam ser contextualizadas.

No que diz respeito à Biologia, talvez não exista disciplina mais fácil de ser contextualizada, porque ela está intimamente ligada as mais diferentes atividades que o indivíduo exerce no seu cotidiano. Dormir, tomar banho, comer, eliminar resíduos, reproduzir, andar, enfim viver é um conjunto de atividades biológicas e fica muito fácil contextualizar essas atividades, pois o indivíduo certamente as exerce.

Hoje, além das questões estritamente fisiológicas, ligadas ao próprio corpo humano, os indivíduos têm ainda uma série de outras preocupações de cunho biológico que, de uma forma ou de outra, interessa a todos os indivíduos da sociedade em que eles se inserem, independente da formação profissional que possuam. Algumas expressões modernas, como: “ecologicamente correto” e “politicamente correto”, criaram uma nova responsabilidade do humano sobre a coletividade que antes não fazia sentido. A ética atual passa por estes novos conceitos e cobra da sociedade uma postura favorável em relação aos mesmos.

A visão eclética do indivíduo e a contextualização somam-se nessa preocupação, criando um “novo modelo de humano” que precisa em acordo com a nova ordem social para poder viver na sociedade. Esse aspecto passa a ser uma agravante significativa na necessidade de formação do cidadão, antes do profissional. Aliás, o próprio mercado de trabalho está, ainda que indiretamente, também sujeito a isso e assim também tem procurado o profissional que melhor se enquadra na visão geral e eclética que se quer obter. O especialista está perdendo espaço no mercado de trabalho para o generalista. O mercado não quer mais alguém que faça apenas uma coisa muito bem, o mercado quer alguém que faça várias coisas razoavelmente bem e que possa ser aproveitado em diferentes setores e momentos.

OUTRAS EVIDÊNCIAS DE QUE A BIOLOGIA É NECESSÁRIA

O Concurso Vestibular

O ingresso no Ensino Superior depende, obviamente, da passagem pelo Ensino Médio, este ingresso é possível em função do Concurso Vestibular, o qual não avalia a formação técnica do indivíduo. Quer dizer, para o ingresso no Ensino Superior o indivíduo interessado deve prestar um Concurso Vestibular, onde são avaliados os seus conhecimentos genéricos, sua ecleticidade, sua formação sócio-cultural e não suas habilidades profissionais específicas. Em outras palavras, não é a sua profissão que lhe dá acesso ao terceiro grau, mas sim a sua formação eclética que foi obtida a partir das disciplinas que cursou no Ensino Médio. A Biologia; assim como, a História, a Geografia, o Português; é uma das disciplinas de formação genérica do Ensino Médio e, por isso mesmo, é cobrada nos diferentes Vestibulares em todas as áreas do conhecimento.

A formação técnica, embora fundamental ao indivíduo como fonte de trabalho (atividade profissional) não o habilita, nem permite que ele seja avaliado como ser cognitivo dentro da sociedade. Saber fazer não tem o mesmo mérito eclético do conhecer e do pensar. A sociedade quer indivíduos que saibam (conheçam) e que a partir dos conhecimentos façam e se possível criem novas condições e não apenas indivíduos que simplesmente façam o que vem sendo feito. A prática é boa, mas nem sempre exige conhecimento, muitas vezes é mera repetição e não é isso que faz crescer e diversificar a sociedade e muito menos o trabalho.

Sendo assim, é fundamental que haja conhecimento eclético pelo candidato ao terceiro grau (Ensino Superior), pois ele terá, principalmente, que pensar e saber, além de simplesmente fazer alguma atividade. Alguns dirão que há certo grau de elitismo nesta forma de pensar e certamente há mesmo, até porque nem todos os indivíduos têm competência para atingir o terceiro grau. Entretanto, é claro que a disponibilidade de acesso deve ser permitida a quem quiser e desde que o indivíduo comprove sua capacidade para conseguir concluir o seu intento, ninguém pode lhe tirar esse direito.

Não é preconceito assumir que algumas pessoas são mais capazes do que outras porque isso é uma realidade biológica, embora possa parecer uma “desigualdade social”. O que não se pode é querer intervir nessa limitação natural e biológica do humano como espécie, criando condições absurdas para “corrigir a natureza” ou para justificar interesses políticos outros, os quais não cabem ser discutidos no momento.

Os humanos, assim como outros organismos vivos, são diferentes entre si e conseqüentemente guardam habilidades funcionais e intelectuais diferentes, não há como questionar esse fato por mais desagradável e preconceituoso que isso possa parecer. Criar arbitrariedades que visem “corrigir” ou “minimizar” esse fato é antinatural e, ao menos para mim, é uma atitude muito mais preconceituosa, pois contraria os padrões naturais da espécie. Então, o Vestibular deve ser feito por quem quiser, mas deve ser aprovado nele, apenas quem for capaz.

O Indivíduo Humano e a Sua Vida

Como já foi dito, o indivíduo humano é um organismo vivo e, como qualquer outro, depende de exercer uma série de funções biológicas para continuar a sua existência. A Biologia como Ciência e como disciplina didático-pedagógica é a única que pode fornecer as informações devidas as quais podem esclarecer a esse indivíduo sobre cada um dos processos que se desenvolvem para que ele continue vivo.

A chance que qualquer humano possui de se conhecer um pouco melhor e de melhorar a sua qualidade de vida, depende diretamente do seu grau de conhecimento biológico e das práticas biológicas que ele possa empreender no sentido de melhorar sua existência. Viver pode tornar-se numa tarefa prazerosa ou não, em função do conhecimento que se tem acerca de seu organismo e de suas vicissitudes e também em função das práticas, rotineiras ou não, que são utilizadas por esse mesmo organismo. Embora sempre haja o livre arbítrio e, além disso, também devam ser considerados e incluídos aqui os fatores econômicos e sociais, o conhecimento de si mesmo é um fator preponderante na vida que se quer, que se deve e que se pode ter.

O indivíduo humano precisa, pelo menos, saber se referir às partes orgânicas de seu corpo, quando se relaciona com outros humanos sobre questões de saúde, de reprodução, de genética e várias outras questões. Ora essas coisas estão relacionadas ao conhecimento biológico, sem o qual esse indivíduo estará fadado a não se comunicar com o resto do mundo. A sociedade não quer esses indivíduos assim. Ao contrário, a sociedade tem necessidade que os homens se comuniquem sobre essas e outras questões de uma maneira inteligível e eficiente.

Qualquer ser humano que não se conhece, obviamente, não se respeita e sendo assim, também não é capaz de respeitar outros seres humanos. Desta forma, este ser humano não deve interessar a sociedade e assim não é fundamental a ela. Mais uma vez, está parecendo preconceituosa a minha afirmativa. Entretanto, lamentavelmente, esta é a realidade social, que algumas vezes queremos esconder, mas que não pode ser mascarada no dia a dia das pessoas e da sociedade como um todo. Certos ou errados, os preconceitos existem, porque a sociedade “naturalmente” prioriza uns e pretere outros indivíduos. Talvez, esse comportamento da nossa espécie é que esteja errado, mas isso não nos cabe discutir agora, pois transcende os interesses desse ensaio.

A Sociedade e o Envolvimento Social dos Indivíduos

Enquanto indivíduo, cada humano é uma célula da sociedade, mas os indivíduos geralmente se organizam em grupos (comunidades) e essas têm funções sociais mais abrangentes e mais ativas que os indivíduos isoladamente. Nos tempos atuais, cada vez mais tem aumentado a participação dos indivíduos nos destinos da sociedade, através desses grupos comunitários. Mas os grupos comunitários não são e nem podem ser massas de manobra no interesse de quem quer que seja, eles devem ser compostos por pessoas capazes de discernir, participar e se envolver porque têm posições políticas, ideológicas e até mesmo pessoais, mas que saibam e possam esclarecer e justificar o seu envolvimento.

O chamado “exercício de cidadania” tão em moda ultimamente é exatamente isso. Entretanto, como é possível a participação cidadã efetiva, sem o conhecimento da causa porque se está lutando. Os Movimentos Sociais têm crescido muito nos últimos anos no Brasil e no Mundo, porém eu tenho minhas dúvidas quanto à sua coerência e eficiência, mormente aqui no Brasil, onde qualquer um se junta a qualquer coisa, muitas vezes apenas por curiosidade ou por indicação de qualquer outro “mais esperto”. O conhecimento é fundamental para justificar a existência do movimento e para propor as exigências que justificam esse movimento. Sem formação genérica não há como se envolver nesses movimentos, porque na maior parte das vezes não se tem conhecimento de causa.

O melhor exemplo que posso dar sobre o que estou tentando dizer é o que tem acontecido com o Movimento Ambientalista, no qual particularmente milito faz mais 30 anos. Tem muita gente no movimento ambientalista que não tem nada a ver com ele, o que é bom do ponto de vista político, mas é terrível do ponto de vista funcional. Será que precisamos fazer cursinhos e cobrar carteirinhas ou diplomas de ambientalistas? É claro que não.

Porém, é fundamental que quem está no movimento, além do “felling” tenha também um mínimo de conhecimento sobre a questão. E mais, esse conhecimento tinha que ter sido adquirido e embasado, ao menos em parte, na escola, no Ensino Médio, na formação eclética do cidadão. Se assim não ocorreu é porque há uma falha no sistema e na formação do indivíduo cidadão, que preferiu investir no seu lado profissional e preteriu o seu lado sócio-cultural. Mas, de quem é a culpa? Do próprio indivíduo? Da sociedade? Do Estado? De todo mundo?

A culpa é de todo mundo e não é de ninguém. É do indivíduo que não investiu na sua formação, é do Estado que não cumpriu a própria Lei que estabeleceu e também é da sociedade que permite que os erros aconteçam. Mas, por outro lado, ninguém tem culpa, isso é apenas mais um “mal sociológico” que acontece porque acontece, haja vista que a sociedade não se policia individualmente e não está, de fato, muito (nada) preocupada com o que ocorre consigo mesma, pois ela sobrevive apesar de tudo. A sociedade é como a maré, que vai e vem e que algumas vezes sofre mudanças violentas por conta das mais diversas intempéries, mas ela, embora se abale, não se altera e continua indo e vindo todos os dias como se nada tivesse acontecido.

Algumas vezes o Estado intervem para tentar orientar novos caminhos à sociedade, mas isso costuma ser entendido como “antidemocrático” ou “ditatorial” e não condiz com o estado de direito do cidadão e assim cria-se mais um problema e não se resolve nenhum dos dois. A vida, certa ou errada, é do cidadão e o Estado não interfere na maioria das vezes, a não ser quando há risco social significativo eminente. Junte-se a isso os interesses político-partidários e aí vocês terão um prato cheio dessas incongruências sócio-biológicas que ocorrem na sociedade.

Talvez, apenas talvez, se a escola proporcionasse ao cidadão o mínimo de informação que ele precisa ter para viver melhor, antes de tentar lhe ensinar a fazer algo, talvez, o Homo sapiens sapiens não tivesse chegado onde chegou na sua capacidade de produzir coisas e de operacionalizar obras, mas poderia estar vivendo uma vida mais feliz e menos perigosa. Nesse mundo, enquanto alguns pensam por todos, muitos fazem por poucos. Penso que deveria ser ao contrário, ou seja, enquanto muitos pensam por todos, poucos fazem por muitos.

Estamos colocando o carro na frente dos bois, quando priorizamos o trabalho (fazer) antes do conhecimento (saber), pois estamos colocando o agir, antes do pensar. Fundamental é pensar. O trabalho é mera consequência da capacidade cognitiva do homem. O homem só trabalha porque pensa e quanto mais ele pensar, maior será a sua capacidade de trabalho, para ele, para a sociedade e para o planeta.

É preciso investir em curso técnicos sim, porém é preciso também que esses cursos se preocupem em investir em seus alunos como cidadãos, dando condições de terem uma formação eclética e diversificada, independentemente da atividade profissional escolhida. Por outro lado, um pouco de “pefumaria”, pelo menos afugenta o cheiro da coisa ruim que acontece em determinados cursos técnicos, onde os alunos entram mal e saem pior.

REFRÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei Nº 9394/1996 (Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional), Ministério da Educação, Brasília, 1996.

BRASIL. Resolução da Câmara de Educação Básica n˚ 3, de 26 de junho de 1998, Ministério da Educação, Brasília, 1998.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio, Ministério da Educação Média e Tecnologia, Brasília, 364p., Il., 1999.