QUE INCLUSÃO É ESTA?

QUE INCLUSÃO É ESTA?

Por: Maria Dolores Fortes Alves

São muitos os fatos de exclusão que pessoas com algum tipo de diferença enfrentam em uma sociedade patriarcal, autoritária e hierárquica (e por que não dizer capitalista, pois estas pessoas são vistas como uma mercadoria de menos valia).

Nestes meus 39 anos de vida tenho enfrentado situações aberrantes e dignas de pena do outro, dos governantes deste país... Às vezes de mim mesma também... Dói-me a alma tanta hipocrisia...

Gostaria que os poderes públicos, cidadãos e governantes refletissem sobre o que aqui escreverei.

Desde mais tenra infância, como pessoa com deficiência física, enfrento o preconceito e o descaso das políticas públicas. Além de atraso para o ingresso no ensino regular, ao final da década de 70, as escolas que além de não possuírem acessibilidade, ainda recusavam-se a aceitar matrículas de pessoas com deficiência. Com muita luta e persistência fui matriculada em uma escola distante 1km de minha residência e com 30 degraus.

Durante toda minha vida enfrentei - creio a maioria das pessoas com alguma deficiência tenha enfrentado e enfrentem.- esta questão de falta de acessibilidade e preconceito “velado”.

Desde o transporte público aos estabelecimentos comerciais ou mesmo públicos, é bastante precária a questão de acessibilidade. Digamos de passagem, não somente a acessibilidade física, arquitetônica, como também a abertura de alma, a aceitação do outro como legitimo outro, com seus direitos de cidadania, são sofríveis. Digo isto porque, quando se restringe o acesso de qualquer sujeito a qualquer local, nega-se o direito deste ser um cidadão. Nega-se assim o direito de sua participação integral na sociedade. Consideremos isto um crime. Afinal, nossa carta magna, a Constituição, outorga este direito ao todo e qualquer cidadão independente de sua cor, origem étnica, condição física, de gênero ou religião. Negar a cidadania é não legitimar a existência do outro como sujeito portador de uma cultura e com seus direitos e deveres, coparticipantes sociais e ecossistêmicos.

Mas, pensemos aqui, quem não é diferente ou deficiente?? Rótulos servem para controlar, hierarquizar, submeter...

Muitas em muitas vezes, meus direitos de exercer a cidadania foram negados. Desde meu ingresso como aluna na rede pública, como relatei acima, ao meu ingresso como docente na mesma rede.

Ao ingressar por concurso público, como professora titular, tive meu acesso negado. Não pelos avaliadores e médicos, mas, sobretudo, por imporem a mim uma sala de aula sem acessibilidade. Além disso, seguiam-se outras formas veladas de exclusão por me impediam o auxílio de outras pessoas. Fato que me levou a entrar com ação na promotoria pública para resguardar meus direitos de exercer a profissão com segurança e qualidade. Mesmo após um ano de intervenções a acessibilidade não existia.

Estes são detalhes quase insignificantes comparando com outros problemas que as pessoas com “deficiência” enfrentam.

Pergunto-lhes, como muitos médicos e outros profissionais da área jurídica perguntam a mim: “como que o governo abre vagas e obriga as empresas a terem cotas para pessoas com deficiência se, este mesmo governo não oferece condições para que estas pessoas exerçam sua profissão ou mesmo chegue ao trabalho, pois não há devida acessibilidade em vias, calçamentos, transporte publico, vias de circulação e abertura de pensamento das pessoas para conviver com as diferenças?”

A isto também chamamos de exclusão velada. De modo não claro ou explicito, nega-se o direito, obstrui-se o acesso, dificulta-se o conviver.

Se pasma também quando, uma pessoa com uma limitação “aparentemente” maior, como tetraplegia ou deficiência intelectual (digo aparentemente entre aspas porque sabemos que as maiores limitações são de outra ordem que não física ou intelectual...) candidata-se a uma vaga de emprego que se exige uma qualificação maior. Diversas vezes, vê-se empresas admitindo pessoas com limitações quase mínimas como falta de um dedo, um olho, ou uma mão...Talvez, não por culpa da empresa, mas porque os sujeitos com deficiências maiores não têm sequer possibilidades de chegar até o posto de trabalho, ou mesmo, profissionalizarem-se devido ao acesso difícil as instituições de ensino...

Eu mesma há alguns anos, ao fazer minha primeira entrevista de emprego, ouvi da avaliadora, “tenho-lhe duas noticias: uma é que seu currículo é excelente (na época já estava concluindo meu primeiro mestrado). A outra noticia é que há muitas vagas de emprego para pessoas com deficiência. Contudo, para profissões que exigem poucas qualificações como: telefonista, recepcionista, etc. Isto porque as empresas nem sempre se dispõem ao gasto de treinamento e adaptações necessárias para acolher uma pessoa com deficiência como um cadeirante ou alguém com limitações nos membros superiores e inferiores, como é o meu caso e de muitos outros...

Bem, ainda, em meu dia-a-dia encontro discussões absurdas e ouço de motoristas de ônibus coisas como: “não vou parar para lhe ajudar a subir porque estou atrasado.” Ou, “vá lá atrás, se você conseguir subir bem, se não conseguir fique aí e espere outro ônibus.”

Lembremos que, na periferia de São Paulo bem como em cidades do interior, a quantidade de ônibus adaptados é limitada. Ainda, quando os raros não estão quebrados ou não oferecem sequer os acessórios de segurança como cintos e espaço reservado e adequado para a pessoa com deficiência.

Mais uma vez lembro que a Carta Magma traz “o direito e liberdade de ir e vir...” e este não nos é garantido... Muitas e muitas vezes temos este direito cerceado ou pela falta de acessibilidade ou pela arrogância de pessoas que se acham prepotentes ao limite de nos oferecer respostas como estas...

Esta semana (e em muitas outras...), deparo-me a exclusão velada ocorrendo por muitas outras formas. Imagine eu, cadeirante, ou mesmo outra pessoa com dificuldade de locomoção tentando pegar um ônibus em plena Avenida 23 de Maio - Centro de São Paulo. Para começar a via sacra- o acesso ao ponto de ônibus desta região, para nós pessoas com dificuldade de locomoção, dá-se apenas pela rua, pois há degraus na praça que dá acesso a ele. Depois, precisamos ficar esperando o ônibus na rua porque não há guia rebaixada para acessarmos a calçada.

Outro dia, (como em muitas outras vezes...) precisei usar ônibus para ir ao Centro de Pericia do INSS. (vejam o detalhe- Pericia do INSS, já se subentende que a pessoa esteja com alguma causa física). Bem, o ponto para diversas linhas de ônibus era em uma praça em frente ao posto do INSS e não havia, novamente, guia rebaixada. Fico na rua esperando que alguém me auxilie subir a calçada para não ser atropelada...

Pergunto-lhes: que miserável inclusão é esta? Exclusão velada, sem dúvida. Mantém-se a miséria para oferecer-se esmola e dizer-se bondoso. Mas, não se educa e se favorece a liberdade verdadeira e autêntica em que cada sujeito tenha voz e vez. Em que TODOS convivamos em espaços de liberdade, de direito a cidadania, de dignidade. Que país em este em que se gasta milhões para luxuria e ostentação dos políticos, dá-se esmolas para educação e políticas públicas que deveriam garantir a integridade, qualidade de educação e cidadania da população menos favorecida?

Que país é este? Quem educa quem e para que? Educa-se com migalhas para se oferecer migalhas, para que se desejem apenas migalhas. Subjuga-se o povo. Mantêm-se pela miséria da educação e saúde, o controle da vida e a escravidão da população.

Oferecer educação de qualidade e vida digna TODOS não é ser bonzinho. É ter caráter, respeito e responsabilidade para com os cidadãos ao qual se propõe governar. É ter ETICA, bioética, ética da vida. Saibamos que, nenhum ser deve ter direito de controlar a vida do outro, a subjugá-la. Mas infelizmente é isto que vemos os governantes deste país fazer.

Também, lembremos que oferecer tratamento igual para quem é diferente é mostrar quem realmente é deficiente! Quem sequer olha além de seu umbigo. Parafraseando Boaventura Souza Santos “temos o direito a igualdade, sempre que a diferença nos inferioriza. Temos o direito de termos nossas diferenças, sempre, que a igualdade nos descaracteriza.”

Segamos em reflexão com desejo de mudança no corpo em movimento e na compaixão...

MARIA DOLORES FORTES ALVES-Doutoranda (CNPq) e Mestre em Educação pela PUC/SP; Mestre em Psicopedagogia-UNISA; Pós-Graduada em Distúrbios da Aprendizagem - UBA (Universidade de Buenos Aires); Especialista em Educação em Valores Humanos; Pedagoga-UNISA; Pesquisadora do GEPI (Grupo de Estudos Pesquisas Interdisciplinares) RIES (Rede Internacional Ecologia dos Saberes) e, ECOTRANSD (Ecologia dos Saberes e Transdisciplinaridade); Professora da rede pública, Docente de Pós-Graduação. Assessora Educacional; Palestrante, Conferencista. Autora de diversos artigos e livros, entre eles: “DE PROFESSOR A EDUCADOR: Contribuições da Psicopedagogia: ressignificar valores e despertar autoria.” e “O VÔO DA ÁGUIA: uma autobiografia”, “FAVORECENDO A INCLUSÃO PELOS CAMINHOS DO CORAÇÃO: Complexidade, Pensamento eco-sistêmico e Transdisciplinaridade” pela WAK. Homepage: http://www.edupsicotrans.net; e-mail: mdfortes@gmail.com