Sexualidade na escola: interdição ou expressão cultural?

Pode-se dizer que no último século o conceito de sexo ampliou-se para “sexualidade” considerado como um elemento presente em todas as etapas do desenvolvimento do ser humano. O estudo da Sexologia como campo teórico especifico tomou corpo a partir de 1950, quando Alfred Kinsev redigiu seus relatórios pioneiros e Master e Johson publicaram seus estudos científicos. (PCN Temas Transversais 1998). Como ciência humana e social a sexualidade e alvo de estudo de biólogos, antropólogos, médicos, psicólogos, sociólogos, juristas, religiosos e educadores.

O significado primitivo da palavra sexo vem do latim “secare”, com as derivações “sectus”, “sexus”. Sexo significa aquilo que corta, que separa, conformação particular que distingue o macho da fêmea. Este é o primeiro critério da diferença, no bojo do conceito de sexo O segundo critério é a idéia da formação de um casal que se une no intercurso sexual. O terceiro critério diz respeito aos dois primeiros, é a dimensão que em decorrência dos dois primeiros , re-une o homem e a mulher da função da reprodução. Ou seja, em sentido amplo sexualidade separa, une e re-une o ser humano (idem).

Em outras palavras a abordagem da sexualidade envolve a diferença anatômica, o papel social de gênero, a afetividade, emoções e sentimentos que criam laços entre as pessoas. Surge dentro de todo organismo normal, desenvolve-se do nascimento a morte e manifesta-se de várias formas nas diferentes faixas etárias.

Ora sabendo o que é sexualidade cabe perguntar: Como ensinar educação sexual de forma que esse ensino contribua para o cuidado e a liberdade do indivíduo?

Um exame aproximado de como a sexualidade tem sido ensinada nas escolas nos leva a concluir que esse ambiente ainda serve para sustentar desigualdades racionais de gênero e de hierarquias sociais. Muitos silenciamentos, tabus e interdições acabam por ignorar que, se aproveitando do silencio de escola e família, a mídia explora o tema, tornando o sensacionalista, físico e superficial.

Essa posição no entanto não surgiu nos dias de hoje. Se sustenta por que a sociedade nunca tratou a sexualidade como algo natural. Em 1905 Freud já observava que o que caracterizava a literatura do desenvolvimento psicológico da criança era, por um lado a escassez de materiais sobre sexualidade e por outro a proliferação de textos acerca de como instaurar a interdição dos corpos infantis.

No entanto a interdição não joga para debaixo do tapete a curiosidade de crianças e adolescentes. As paredes de banheiro,o livros de piada, os ditos populares e a literatura marginal cuidam de manter o assunto em pauta. O silencio e a omissão sobre o tema revela para as crianças e adolescentes uma visão dissimulada com a qual lidamos com a sexualidade. Além de reforçar a aprendizagem às escondidas. Passa a existir então duas versões de sexualidade: a cientifica e a vulgar.

Ancorado no silencio da escola está a suposição de que o corpo normal personifica um significado estável de sexualidade, mas isso não se verifica na prática porque sexualidade é o oposto de fronteiras. A sexualidade não segue regras de cultura mesmo quando esta tenta domesticá-la.

Outra suposição errônea da escola é a idéia de instaurar uma pedagogia do sexo seguro como tópicos especiais, em momentos especiais, vinculados a natureza apenas biológica do corpo, corpo este pleno de perigo e carente de prazer. Essa pedagogia deve se tornar algo do cotidiano, que trate do corpo como campo de relacionamento, vinculo, afeto e prazer.

Ensinar acerca de sexualidade requer também que o educador estabeleça uma relação no mínimo organizada com a própria sexualidade, com o próprio corpo, com o próprio prazer, se não corre-se o risco de esbarrar em castrações pessoais tão violentas que impedirão o trabalho de fluir.

É necessário compreender e aceitar também que a todo tempo há o risco de se esbarrar ou ultrapassar os limites determinados pelos pais ou pela religião desses, no que diz respeito a ao que se deve e ao que não se deve ser ensinado aos seus filhos. Valores relacionados a masturbação, uso de preservativos e contraceptivos costumam ser inegociáveis para algumas famílias. Neste caso a transparência é fundamental. Os valores, atitudes, procedimentos e critérios do educador e da escola como um todo devem ser claros para os pais dos alunos, evitando acusações posteriores de má fé ou imoralidade.

À escola cabe não estabelecer em torno da sexualidade uma zona de interdição, mas uma zona de discussão. A sexualidade deve ser compreendida como uma expressão cultural que deve ser trabalhada de forma complementar pela família e pela escola de forma coerente e transparente.

Coerente porque deve ter sempre como base os mesmos critérios e valores que levem os alunos a perceber formas adequadas de encarar a própria sexualidade, dando-lhes segurança nesse aspecto. Transparente no que diz respeito a atitudes, procedimentos e critérios com relação ao tratamento da sexualidade dos alunos, coordenação e direção da escola. Não confundir no entanto transparência com falta de privacidade dos assuntos íntimos de cada um.

Nessa medida o modelo de ensino acerca de sexualidade ideal para o ambiente escolar deve se pautar pelo estímulo à curiosidade. Uma didática de conhecer, discutir e questionar as várias formas de cuidar do próprio corpo e do corpo do outro, de produzir prazer a partir do próprio corpo ou no corpo do outro. Os educadores e a escola devem ajudar o individuo a chegar as respostas adequadas sobre sexualidade, não adequadas apenas aos valores morais da sociedade, mas adequadas também ao seu próprio conhecimento e desejo.

Bibliografia

Brasil MEC -Parâmetros Curriculares Nacionais Temas Transversais – Sexualidade 1998

Artigo de Norma de Souza Lopes

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