No Ensino de Ciências vale tudo, principalmente “desensinar” Ciências

No Ensino de Ciências vale tudo, principalmente “desensinar” Ciências

Luiz Eduardo Corrêa Lima

(Professor Titular de Biologia – FATEA – Lorena/SP)

Infelizmente temos visto de tudo nas aulas de ciências: desde professores totalmente desqualificados e alunos extremamente criativos, até professores competentíssimos a alunos totalmente desinteressados, passando por todas as interfaces possíveis desses dois extremos, inclusive, obviamente, com uma pequena quantidade, porém significativa, de presença de professores efetivamente capazes de ensinar Ciências e alunos realmente comprometidos e interessados no desenvolvimento do conhecimento científico.

Há um velho ditado que diz: “se você não vai ajudar, pelo menos não atrapalhe”. Mas, a maioria dos professores de Ciências tem feito exatamente o contrário e assim, cada vez complicam mais o que deveria ser simples, afastando os possíveis gênios criativos dos jovens estudantes das promissoras carreiras científicas e colocando o país mais para trás nas fileiras do desenvolvimento científico e tecnológico. Salvo raras e insignes exceções o ensino de Ciências no país, tem andado, na maioria das escolas, muito mais retrógrado do que o restante das disciplinas escolares. Ou seja, se o ensino no país é ruim, o ensino de Ciências é muito pior, pois geralmente não temos professores preparados para essa tarefa e quando temos, falta infra-estrutura e as condições básicas nas escolas.

Quando se fala em aula de Ciências logo se pensa em naves espaciais que viajam acima da velocidade da luz e que nos permitam sair de nosso Sistema Solar, em teletransportação e transmutação da matéria, em reverter grandes processos naturais. Na verdade se confunde muito Ciência com ficção científica e literalmente se viaja mentalmente no tempo imaginando aquilo que não existe, pelo menos no tempo presente. Enfim, só se pensa em coisas ainda muito pouco prováveis e se esquece o dia a dia, as coisas bem possíveis que já poderiam estar acontecendo se houvesse um pouco mais de interesse, ou se, pelo menos, houvesse um pouco mais de ação no que tange a cada uma dessas coisas.

Além disso, imagina-se a Ciência como sendo um negócio longínquo, uma coisa estranha e fora da realidade. Deixa-se de usar exemplos comuns e facilmente entendíveis e se investe o tempo na procura de pelo em ovo, ampliando assim as dificuldades e viajando muito além da realidade. Em suma, as matérias ensinadas em Ciências tornam-se matérias complicadas e de difícil acesso ao estudante e principalmente à vivência do cidadão comum, quando não deveria ser essa maneira. As Ciências, mais que quaisquer outras disciplinas escolares, têm que ser contextualizadas para serem efetivamente entendidas e para que se possa pensar em continuar crescendo a partir da condição real preexistente.

Vou tentar dar alguns exemplos simples de situações que são criadas para ensinar grandes e importantíssimos conceitos científicos, mas que não são aproveitadas. Por exemplo, uma boa aula para provar a presença e a necessidade do oxigênio pode ser obtida a partir da uma simples experiência com uma vela e um copo. Entretanto, é preciso destacar que sem o Oxigênio não existe Respiração Aeróbica e que assim não há possibilidade de vida para a maioria dos organismos vivos, por que não há como oxidar os alimentos e retirar a energia contida neles. Por outro lado, nesse momento, também é fundamental informar, discutir e tentar esclarecer que, apesar da importância atual do oxigênio para a maioria dos organismos vivos, a vida provavelmente surgiu a partir de Organismos Anaeróbicos.

Muitos professores, aliás, quase todos, demonstram essa experiência para provar a “existência do ar” aos seus alunos, mas não vão nada além desse aspecto, por desinteresse ou, o que é mais provável, por falta de conhecimento. O pior é que não fazem, nem mesmo, as devidas correlações que o fato tem com a manutenção e o desenvolvimento da vida no planeta. A experiência é apresentada como um “pequeno espetáculo de mágica”, porém sem nenhuma conotação com os conceitos científicos que traduz. Quer dizer a demonstração é inócua e totalmente ineficaz. Puro diletantismo que não leva ao entendimento dos fenômenos envolvidos.

Outra experiência comum nas escolas é a mistura de água com açúcar, ou água com sal e logo depois de água com óleo ou de água com farinha, para demonstrar a diferença entre misturas homogêneas e heterogêneas e suspensão. Entretanto, não se aproveita o momento para discutir a aplicabilidade desses conceitos nos organismos vivos e muito menos as correlações sobre várias misturas importantes, o ar, a água, o leite, o sangue, o petróleo e outras.

Não se discute, por exemplo, que água pura não existe na natureza, porque toda água é naturalmente uma mistura, e infelizmente a criança cresce acreditando que a água da fonte da fazenda de seu avô é “pura”, porque pode ser bebida. Na verdade, a criança confunde para o resto da sua vida, o conceito de água pura com o conceito de água potável. Também não se discute que água doce também não existe na natureza, o que existem são águas mais ou menos salgadas, em função dos sais dissolvidos na água em questão. Além disso, ainda são criadas, repetidas e reforçadas algumas crendices absurdas sobre a quantidade e a qualidade da água no planeta. Coisas do tipo: “a água do planeta está acabando”.

Em suma, grandes oportunidades de informar e discutir sobre determinadas questões simples são perdidas e os jovens vêm coisas mais não entendem e muito menos passam a ser capazes de explicar e de exemplificar fenômenos naturais associados aquilo que observam, porque ficam apenas na simples observação. Falta discussão sobre o fenômeno observado e sua aplicabilidade. As aulas de Ciências são divertidas, interessantes, mas não são científicas e não ensinam ciência, porque nelas efetivamente não são discutidos os assuntos científicos, não são evidenciadas as aplicabilidades científicas cotidianas e para complicar ainda mais, essas aulas têm servido para multiplicar mitos absurdos e crendices infundadas sobre determinados assuntos científicos.

Obviamente há de se considerar a baixa faixa etária dos jovens quando começam a ter acesso aos conhecimentos científicos e consequentemente as suas respectivas capacidades individuais de naturalmente não serem capazes de absorver e entender todas as informações que podem ser adquiridas a partir das experiências demonstradas. Entretanto, não é admissível que se deixe de aproveitar o momento para traçar alguns comentários chamativos sobre possíveis situações cotidianas que podem e devem ser esclarecidas. Aguçar o pensamento científico dos jovens também é um atributo fundamental aos professores de Ciências, mas para que isso ocorra é necessário que os professores estejam bem preparados para cumprir a tarefa.

Assim, conforme já foi comentado em artigo anterior (LIMA, 2008), é preciso que sejam formados professores específicos para ministrar aulas de ciências. Esses professores têm que estar prontos para aproveitar o tempo e as oportunidades surgidas em suas aulas, no sentido de realmente informar e contextualizar muitas das questões científicas possíveis aos seus alunos. Hoje vivemos num mundo onde Ciência e a Tecnologia estão na ponta de todas as questões, porém nas escolas brasileiras, principalmente nas escolas de ensino fundamental, temos andado na contramão do desenvolvimento científico.

Nossos alunos ainda vêm o estudo das ciências como algo muito distante da realidade que eles vivem e penso que o país perde muito com isso. Está na hora de mudar o quadro para que o Brasil possa se apresentar um pouco melhor no mundo científico. O desenvolvimento de um país certamente também é medido pelo grau de conhecimento científico de seu povo e nesse campo, lamentavelmente ainda temos um imenso atraso.

Referência

LIMA, L. E. C., 2008. Particularidades do Ensino de Ciências, http://recantodasletras. uol.com.br/autores/profluizeduardo.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (54) é Biólogo, Professor, Escritor e Ambientalista;

Membro da Academia Caçapavense de Letras (Cadeira 25);

Foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.