PILANTROPIA OU FILANTROPIA: os "amigos da Escola", inimigos dos professores

EDUCAÇÃO NOS LARES E O AGUÇAMENTO DO INDIVIDUALISMO

Nos Estados Unidos a Lei permite que em alguns estados uma família contrate um professor particular para ir até o lar ensinar os seus filhos. Mas como será isso? Que tipo de pessoa será esse futuro cidadão? Como lidará com os outros? Como fica a questão da socialização nesse tipo de ensino?

Temos que nos preocupar com essas coisas. Algumas famílias estadunidenses preferem pagar o valor de uma faculdade a um professor para que ensine seus filhos em casa. É o fim da instituição-escola?

Bom, particularmente no Brasil, um país pobre e subdesenvolvido e aprisionado pelos tentáculos do imperialismo e que jamais fez uma Revolução com erre maiúsculo esse tipo de ensino nos lares seria restrito as famílias de uma renda mais alta, o que não acontece por aqui com a maioria da população. No México, Canadá e nos Estados Unidos a educação domiciliar em alguns estados já atinge cerca de 2 milhões de crianças (dados da ultima pesquisa da Unesco).

O jornal da manhã da Record abordou hoje, terça-feira, 1º de fevereiro esse assunto. A realidade brasileira é muito diversa, a nossa democracia recente, a distribuição de renda, terra e moradia é horrivelmente mal feita e a concentração de riquezas está nas mãos de uma minoria privilegiada. Nos Estados Unidos, líder capitalista mundial apesar da crise, o cara que vende salgadinhos na esquina possui seu veículo próprio, enquanto lá um risco numa geladeira leva à compra de uma nova, aqui o trabalhador tem que usar o mesmo eletrodoméstico até cair os pedaços porque, se trocar como fazem as famílias estadunidenses o pobre vai à falência. Lá, se um carro congela o motor e fica inutilizável, eles não mandam consertar, simplesmente troca por outro carro novo. Meu cunhado deixou um Mustangue para o ferro velho simplesmente porque apresentou um problema mecânico. Lá eles desperdiçam, aqui tem gente no lixão buscando o que comer. É justamente por conta dessa miséria que historicamente carregamos nas costas e da péssima distribuição de bens e riquezas que a Constituição brasileira não permite a educação nos lares. Se isso acontecesse, quem poderia contratar um professor? Isso, porque o salário do professor é baixo.

Trabalhando e se matando por 40 horas por mês um professor com formação superior, depois de passar anos numa faculdade tem que se contentar com menos de míseros 1500 reais, ewm alguns estados menos de 900 reais. Como um país pode evoluir com tamanho descaso? Mesmo assim, com esse salário não seria possível à maioria das famílias contratar um professor particular em São Paulo por 20 horas mensais. Não é que o professor está ganhando bem, é porque a distribuição de renda aqui é péssima e o salário da maioria da população é ruim mesmo. O salário do professor é reflexo dessa distribuição de renda do país!

- São Paulo*** – R$ 1.368,75 – 40 horas.

- Rio de Janeiro**** – R$ 1,168.20 – 40 horas.

- Piauí – R$ 930,00 – 40 horas.

- Ceará – R$ 816,92 – 40 horas.

- Rio Grande do Sul – R$ 336,19 – 20 horas.

- Minas Gerais – R$ 369,26 – 24 horas.

- Pernambuco – R$ 593,76 – 40 horas.

- Santa Catarina – R$ 584,46 – 40 horas.

Os dados acima foram apresentados pela SINTEGO!

EDUCAÇÃO: Dever do Estado ou da família?

Já pensou se a Constituição tirasse do Estado o “Dever” de cuidar da educação básica no Brasil?

Entenda bem a sutileza darcyniana. Quando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi promulgada por Fernando Henrique Cardoso (LDB 9394/96), a proposta oriunda de um pensamento neoliberal, tinha uma intenção: jogar o ensino público para as mãos da família, da sociedade e outras instituições, inclusive filantrópicas, terceirizadas e particulares. Propositalmente vemos uma leve dissonância entre o que diz a LDB e o que diz a Constituição Federal no artigo 205.

A LDB diz no Art. 2º: “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

O que diz a Constituição?

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Por que no artigo 205, no seu caput diz “dever do Estado” e no artigo 208 da LDB 9394/96 diz em primeiro lugar “dever da família”? Não darei a resposta agora, mas sugiro que pense...

IGUALDADE DE CONDIÇÕES

O Art. 3º diz: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: No inciso

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola...”, e o que se entende por “igualdade de condições” no Brasil?

O termo “igualdade de condições” nunca existiu no Brasil, aqui uns são mais iguais que outros, basta ter um pouquinho a mais, e nem precisa ser muita coisa, para que possamos perceber isso. Há uma mudança na atitude das pessoas, parece que um fenômeno incrível de repente muda as pessoas que parecem ser acometidas por uma síndrome, uma doença chamada “Síndrome do pequeno poder” que faz a pessoa ter a falsa ilusão de que se tornou melhor que a outra, mais merecedora e inclusive mas abençoada num rol de pessoas tão desiguais. Acredita que no Brasil pegou até um tipo de teologia chamada “Teologia da Prosperidade” que induz os fiéis de certas igrejas a pensarem mesmo que foi mais abençoada por Deus, simplesmente porque conseguiu trocar de carro, morar num condomínio de luxo etc.? Um Deus assim seria mais injusto que o próprio sistema capitalista, pois como poderia abençoar mais uns que outros permitindo o direito de TER enquanto uma minoria não tem o que comer. A teologia da prosperidade é uma doutrina descartada e refutada, uma heresia! Não podemos usar a fé das pessoas para justificar a doença de se sentir mais ou menos importante, a “Síndrome do Pequeno Poder” não se aplica à fé, e é uma doença, precisa ser curada, e o antídoto para isso se chama humildade, solidariedade, empatia, simpatia e amor ao próximo e compaixão. Não interprete compaixão como dó, não, compaixão é um sentimento semelhante à empatia, é sentir o que o outro sente.

COMPAIXÃO

“Está aqui um rapaz que tem cinco pães de cevada e dois peixinhos” João 6.9

É a compaixão que levou Jesus a realizar grandes milagres, foi a compaixão que multiplicou os pães. Aliada à solidariedade de um jovem entre uma multidão de 5 mil pessoas e a sensibilidade divina de Jesus uma multidão inteira foi alimentada. Se aquele jovem não tivesse se apresentado e escondido os seus cinco pães e seus dois peixes o milagre não teria se realizado, era seu único lanche, mas ele não hesitou em apresentar ao Mestre da Compaixão. A narrativa que se encontra segundo o Evangelho de João capitulo 6, versos de 1 a 15 é simplesmente maravilhoso e dá à dimensão do pode ser um milagre.

Pois é, aqui o milagre da multiplicação não acontece porque falta compaixão e solidariedade, não instituições filantrópicas, ONGs e religiosidade, isso temos de montão, e, diga-se de passagem, é um ótimo meio de ganhar dinheiro.

Vivemos num país de renda mal distribuída, uma terra onde o termo “igualdade” só se encontra no papel e ainda é encarada como uma ideia perigosa e socialista, por isso, ela só existe em tese e não se concretiza na prática, exceto daqueles que têm dinheiro.

Retomando ao “caput do artigo 2º da LDB, a educação é “dever da família e do Estado”, note que aqui o termo “família” vem primeiro que o Estado. Por quê? Claro, já existe aqui uma intenção em descaracterizar o papel do Estado como o maior responsável pela educação pública e gratuita, coisa que é típica do Estado neoliberal. É por isso que no governo de FHC tratou-se logo de substituir o projeto da Câmara pela proposta do senador Darcy Ribeiro, pois esta atendia mais os interesses particulares tirando da tutela do Estado a responsabilidade do ensino colocando essa responsabilidade na família, na sociedade e instituições particulares ou organizações sociais sem fins lucrativos como ONGs e escolas oriundas de igrejas ou religiões com fins supostamente filantrópicos, porém, as mensalidades cobradas por escolas Adventistas, por exemplo, são as mais caras do país, e estudar num Mackense em São Paulo, por exemplo, não é coisa para pobre, um curso de arquitetura é privilégio de poucos R$ 1.250,0 nessa instituição que diz: “Educar o ser humano, criado à imagem de Deus, para o exercício pleno da cidadania, contribuindo para o desenvolvimento do ser e da sociedade, por meio de ensino, pesquisa e extensão, e de atividades culturais, esportivas, sociais e espirituais, em ambiente de fé cristã reformada.” Como contribui para o desenvolvimento da sociedade com mensalidades nada acessível ao pobre? Que pessoa “imagem e semelhança de Deus” pode pagar o que cobram?

PILANTROPIA OI FILANTROPIA

Se a própria LDB coloca o ensino como responsabilidade primária da “família”, de que ideal de família se está partindo para se dizer isso? Claro que não são famílias de baixa renda, aliás, com a estrutura econômica aviltante das periferias não existe “Família” com efe maúsculo, não existe, lido com crianças que não têm lar, elas têm casa, espaço físico apenas ou um barraco de madeira sem condições mínimas de higiene na encosta de um morro, além disso, quando os seus pais estão presos ou trabalhando, alguns dos meus alunos simplesmente são órfãos, outras maltratadas por padrastos, durante as aulas posso perceber a carência afetiva de alguns. As vezes um conteúdo não quer dizer nada, absolutamente nada para eles, então é preciso mudar as estratégias de ensino até mesmo na hora em sala de aula, as vezes tem que abandonar o plano e simplesmente improvisar com algo que lhes chamem a atenção, pior que isso as vezes acontece e é a única chance que o professor tem para conseguir dar sua aula naquele determinado dia, ele vem preparado, mas a espontaneidade do momento, a reação dos alunos especificamente naquele dia ou momento o surpreende e coloca em cheque o que está no currículo. Se não mudar pode até ser vítima de algum tipo de agressão coletiva. Dessa forma continua a minha indagação: De que tipo de “família” a LDB está falando, quando coloca o dever do Estado em segundo plano?

Na Constituição Federal percebe-se um disparate, uma contradição entre a LDB 9394, artigo 208 e o artigo 205 da Constituição Federal, e isso foi proposital e faz parte de um interesse maior. A intenção é incutir na mente das pessoas idéias como “voluntariado”, “filantropia”, para mim, tudo não passa de PILANTROPIA, já que o “eu voluntário” é um “eu resignado”, ou seja, dá a impressão que quem está ali, está mesmo por amor, ou seja, a pessoa não come, não bebe, então deve ter feito um pacto de São Francisco de Assis, voto de pobreza ou então são pessoas que sofre de uma doença chamada anorexia. Voluntário não ganha, trabalha por amor!

Estamos diante de uma filosofia, uma proposta política que incentiva a pilantropia, ou seja, permite-se que se desviem verbas do governo para outros setores cuidarem da educação, assim, muitos pilantras tem se levantado e com um espírito de falso patriotismo têm desviado o foco da educação e subtraído das escolas o sagrado papel de ensinar tomando para si a responsabilidade, colocando-a nas costas da família dilacerada e desestruturada, privilegiando uma minoria. Não é por obra do acaso que existe a Fundação Roberto Marinho podre de rica à custa da educação, a Rede Globo incentiva o voluntariado através do programa “Amigos da Escola”. Amigos? Onde? Como? Que amigo?

É bom você lembrar que quando essa emissora coloca um ator como Tone Ramos para falar em nome da educação trata-se de uma pessoa que desconhece totalmente o funcionamento de uma escola por dentro e o dia dia dos alunos dessas escolas, são pessoas inaptas para a função pedagógica e que ganham fortunas para fazer parte desses programas, não trabalham de graça, já são funcionários da Globo, portanto, estão ganhando. Já reparou que a maioria dos atores da Globo são exclusivos dessa emissora e são proibidos até de dar entrevistas a outras emissoras, tendo que pedir licença para isso, caso contrario, são despedidos se descumprirem o contrato? Isso que são funcionários e estão a serviço da Globo, por isso, alguns trabalhos isolados que a Globo mostra, com crianças nas escolas, não é a realidade da maioria que se abandonada nas periferias, e os artistas que apresentados como voluntários ou “amiguinhos da escola” não passa de uma lavagem cerebral na população que é induzida a acreditar nessa babaquice de “Educação, responsabilidade de todos”. Educação é dever do Estado, à família cabe a educação do lar, aquela que vem do berço, rudimentar e não intelectual. Já a sociedade não educa ninguém, ainda mais o modelo de sociedade capitalista onde toda a programação midiática só visa lucro e tem a intenção de vender. A escola sim, essa tem uma função social e o dever de educar, e o professor é um agente portador da função de preparar o indivíduo intelectualmente para enfrentar os desafios que essa sociedade lhe impõe, por isso, professor não pode ser substituído por voluntários que nem sabe o que significa SER professor. Ninguém pode aceitar a condição de ESTAR professor, mas sim, SER de fato professor. Esses voluntários não têm DIDÁTICA, não foram preparados para a dura tarefa de ensinar, portanto, são uma forma de denegrir, desqualificar o profissional-propfessor e desviar o foco da educação. Se essa era a intenção de Darcy Ribeiro, autor da LDB e de Fernando Henrique Cardoso e dos governistas aliados, então, a Globo está certa, as entidades filantrópicas e religiosas, as instituições particulares. Todos estão certos ao desviar o foco do ensino para “dever da família” e da “sociedade” e por último, do Estado. De que estado se está falando também? É preciso pensar nisso: fala-se do “Estado Mínimo”, um Estado com responsabilidades reduzidas e que entrega serviços sociais indispensáveis e essenciais e que atende a maioria da população de baixa renda nas mãos dos setores privados. Trata-se de um Estado cujos governantes são privatistas e não estadistas!

Quem sabe essa ideia de educação domiciliar não seja uma boa ideia para descaracterizar ainda mais o papel do Estado, da escola e dos professores? O professor irá deixar de ser empregado do Estado para ser um “empregado doméstico” como o antigo pedagogo grego, o escravo doméstico com encargo de ensinar, de onde vem a palavra pedagogia que é de origem grega e deriva da palavra paidagogos, nome dado aos escravos que conduziam as crianças à escola. Paidós significa criança e Agogus, ação de conduzir, guia. Então pedagogia pode ser traduzida, como a ciência de educar as crianças. Na escola o professor já faz o papel de guiar ao conhecimento, é articulador das palavras, psicólogo, conselheiro, mediador, babá... O que mais querem do professor? Já sei, querem acabar com ele, pois este é o único responsável pela verdadeira transformação. Por natureza todo professor pode tornar-se um revolucionário, e ao invés de trabalhar para o “statos quo”, pode trabalhar a ideia de que o aluno bem instruído pode revolucionar e transformar o seu meio. Isso é perigoso na concepção de muitos conservadores!

A escola nos lares não combina para nós, é uma perversão da instituição escolar e atende alguns interesses particulares. Esse modelo é típico de um país como Estados Unidos, líder capitalista mundial que não está preocupado com valores humanos nem sociais, é o aguçamento do individualismo. Basta olhar o que acontece lá: crianças aparecem armadas com rifles e atiram em outras crianças em sala de aula, matam os próprios coleguinahas e o professor. Sabe por que isso acontece? Porque já perderam sua identidade. Sem se identificar um com o outro, o que nos resta? Apenas voltamos ao estágio de barbárie descrito por Hobbes e o capitalismo com toda a sua proposta de vida bem-sucedida não passa de homens devorando homens. A velha frase de Thomas Hobbes está em alta nesse tipo de sociedade...

“Homem, lobo do homem”!