LIBRAS - Conhecer para incluir

LIBRAS - CONHECER PARA INCLUIR

Nilvana Tereza da Silva Koppe

* Licenciada em Ciências Biológicas

* Bel. em Psicologia

RESUMO

A linguagem é o elemento facilitador da compreensão do mundo para a criança. Crianças ouvintes e crianças surdas possuem as mesmas características determinantes para seu desenvolvimento intelectual, afetivo e social. A comunicação entre pais surdos e filhos surdos tem a mesma espontaneidade e interesse da comunicação entre os pais ouvintes e filhos ouvintes. Somente o acesso a Língua de Sinais pode garantir práticas comunicativas apropriadas ao desenvolvimento pleno cognitivo e linguístico da criança surda.

Palavras-chave: Linguagem; Libras; Comunicação.

1 INTRODUÇÃO

Mesmo numa família de ouvintes (onde todos os membros ouvem e falam) a linguagem é aprendida e ensinada. Ao longo dos primeiros anos de desenvolvimento da criança a mãe, o pai, os irmãos, se houverem, se comunicam entre si e repassam para esse novo membro a forma de comunicação utilizada na família e na sociedade da qual faz parte. Hoje, é possível diagnosticar problemas de surdez logo que o bebê nasce através do teste da orelhinha que é uma triagem auditiva com emissões otoacústicas evocadas o que oportuniza a família preparar-se (o quanto antes) e buscar conhecimento sobre uma nova forma de comunicação.

Provavelmente a comunicação entre pais surdos e filhos surdos é semelhante à comunicação entre pais ouvintes e filhos ouvintes. A criança, independente de sua deficiência irá aprender os valores culturais da comunidade em que está inserida. Numa família cujos pais são ouvintes e o filho seja surdo é bem provável que aconteça interações comunicativas deficitárias. A fim de evitar isolamentos e maiores dificuldades os pais ouvintes precisam manter contato com serviços especiais e conhecer crianças e adultos surdos. Ferro (2009) propõe a necessidade de reconhecer a deficiência e buscar “o acesso à Língua de Sinais, por meio de interações sociais com as pessoas surdas, pode garantir práticas comunicativas apropriadas ao desenvolvimento pleno, cognitivo e lingüístico, das crianças surdas”.

Existe um período para a aquisição da linguagem o qual se situaria nos primeiros anos de vida. A exposição à Língua de Sinais possibilitaria a aquisição da linguagem pela criança surda nos estreitos limites desse período e ativaria a sua competência lingüística.

2 A IMPORTÂNCIA DA LINGUAGEM – CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO

Até os três anos de idade a criança vive o adualismo, ou seja, não há separação entre o Eu e o Mundo. Do ponto de vista intelectual o pensamento instala-se cada vez mais na língua falada, portanto a linguagem deveria servir como elemento facilitador da compreensão do mundo para a criança (MAZINI,1981, p. 48). Tanto a criança surda como a criança ouvinte, possui as mesmas caracterizações no aspecto social, afetivo e social. Não tendo a possibilidade de abstração e imaginação que permite uma concepção do mundo fica evidente a necessidade de utilizar recursos concretos, manipuláveis e atividades que partem de situações vivenciadas pela criança. Segundo Condemarin e Blomquist, 1989:

O desenvolvimento da linguagem tem etapas interdependentes e hierarquizadas, dentre das quais a leitura e a escrita marcariam os estágios superiores. A criança começa recebendo estímulos auditivos, visuais, táteis, olfativos e gustativos, os quais uma vez associados, chegam a ser significativos. Com eles a criança forma uma linguagem interna.

É na família que acontece o desenvolvimento inicial de uma criança. Por ser considerado o núcleo social básico, as relações que aí se estabelecem norteiam toda a atividade de contato e de relacionamentos futuros. Através da linguagem aprendida, a criança, seja ela surda ou ouvinte expressa seus desejos, medos e necessidades. Desde o nascimento e por toda a nossa vida recebemos estímulos táteis, visuais, auditivos, olfativos e gustativos o tempo todo. A comunicação visual utiliza-se de símbolos e cores, está presente em todos os lugares. A linguagem oral quase sempre vem acompanhada da linguagem gestual. As nossas mãos falam, nossas expressões falam e fomos aprendendo a realizar gestos que qualquer pessoa consegue entender. Estamos o tempo todo e em qualquer lugar nos comunicando seja através da fala ou de gestos. Entretanto, a maioria das pessoas desconhece ou sequer teve a oportunidade de ver a comunicação através de LIBRAS. Aliás, cabe aqui enfatizar de que não há mais barreiras que impeçam a comunicação pelo menos para quem ouve e para quem enxerga, salientando que visualmente não é possível reconhecer absolutamente nada que lembre o alfabeto manual utilizado na LIBRAS. Salvo vez por outra um cartãozinho, muito pequeno, simples e objetivo entregue mediante uma contribuição monetária nas ruas.

Ora, se a linguagem oportuniza a construção e a manifestação do pensamento, estaremos garantindo esse funcionamento simbólico-cognitivo à criança surda lhe oferecendo a Linguagem de Sinais como primeira língua. Expor uma criança surda a LIBRAS, desde a tenra idade, garantiria o direito a uma língua de fato, facilitaria o ensino do Português. Andrade enfatiza que “dentro da proposta bilíngüe, a Língua de Sinais é uma língua natural, adquirida de forma espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que a usam”. A abordagem é tão bem aceita que a educação para surdos ganha força na década de oitenta e tem claro o objetivo de implantar uma política educacional bilíngüe. Essa abordagem considera o desenvolvimento da Língua de Sinais como primeira língua (L1). Surdos adultos são participantes ativos no processo educacional de outras pessoas surdas (LODI e MOURA). Entretanto, ao defender a língua de sinais como primeira língua o autor não está afirmando que o desenvolvimento cognitivo depende exclusivamente do domínio de uma língua, mas crê que dominar uma língua garante melhor recurso para as cadeias neuronais envolvidas no desenvolvimento dos processos cognitivos (FERNANDEZ apud FERRO)

3 COMPREENSÃO DA SURDEZ A PARTIR DA HISTÓRIA

Tudo que não é aceitável como normal, é negativo. Quem nunca ouviu um sinistro, ou canhoto contar sua trajetória educativa que lhe impunha o uso da mão direita para escrever até mesmo usando de métodos violentos? A história registra que as pessoas surdas eram tidas como incapazes, enfeitiçadas e portanto a surdez era um castigo dos deuses. Segundo Poker (apud CUORE), “a crença de que a pessoa com surdez era uma pessoa primitiva fez com que persistisse até o século quinze a idéia de que ele não poderia ser educado. Vivendo à margem da sociedade, não tinham direitos assegurados”. Na Antiguidade e por toda a Idade Média a imbecilidade e a impossibilidade de receber educação foram rótulos impingidos aos surdos. Somente no século dezesseis surge a possibilidade de que as pessoas surdas podem aprender através de métodos pedagógicos. Conforme Cure: “O propósito da educação dos surdos, então, era que estes pudessem desenvolver seu pensamento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se ensiná-los a falar e a compreender a língua falada”. Evidencia-se que nem todos tinham o direito de aprender. Era freqüente a figura do preceptor para filhos surdos de famílias nobres. Havia na época provavelmente milhares que ficaram à margem de qualquer atenção especial e que por viverem em grupos desenvolveram algum tipo de sinais facilitando a comunicação e sua própria interação através da qual interagissem. Parece que ainda hoje no Brasil e em diversos outros países, a proposta bilíngüe ainda se limita a poucos centros. Talvez pela dificuldade de se organizar grupos de surdos e de ouvintes com domínio de LIBRAS, pela resistência em se aceitar a Língua de Sinais como a primeira língua dos surdos e por não se compreender a necessidade de seu uso no trabalho junto a pessoas surdas (Id).

O Brasil colônia vê pela primeira vez a possibilidade de uma comunicação através de sinais com a chegada do conde francês Ernest Huet ao Rio de Janeiro em 1856. A Língua Brasileira de Sinais–LIBRAS usada atualmente tem origem no alfabeto manual francês trazido pelo conde surdo. Segundo Cuore no artigo acessado (2009):

O primeiro órgão no Brasil a desenvolver trabalhos com surdos e mudos surgiu em 1857. Foi do então Instituto dos Surdos-Mudos do Rio de Janeiro, hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), que saíram os principais divulgadores da Libras. A iconografia dos sinais, ou seja, a criação dos símbolos,só foi apresentada em 1873, pelo aluno surdo Flausino José da Gama. Ela é o resultado da mistura da Língua de Sinais Francesa com a Língua de Sinais Brasileira antiga, já usada pelos surdos das várias regiões do Brasil.

3.1 ABORDAGEM ORALISTA

A abordagem oralista exigia que os surdos superassem sua surdez e que se comportassem como se não fossem surdos. Os proponentes menos tolerantes pretendiam reprimir tudo o que fizesse recordar que os surdos não poderiam falar como os ouvintes. A oralização foi imposta para que os surdos fossem aceitos socialmente e, nesse processo, deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora de toda a possibilidade educativa, de desenvolvimento pessoal e de integração na sociedade, obrigando-os a se organizar de forma quase clandestina. A linguagem falada nessa abordagem pedagógica é prioritária como forma de comunicação dos surdos e a aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável para o desenvolvimento integral das crianças. De forma geral, sinais e alfabeto digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos naturais, e recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva (devidamente treinada) e pela leitura orofacial

3.2 ABORDAGEM GESTUALISTA

Esta abordagem era mais tolerante diante das dificuldades do surdo com a língua falada e foram capazes de ver que os surdos desenvolviam uma linguagem que, ainda que diferente da oral, era eficaz para a comunicação e lhes abria as portas para o conhecimento da cultura, incluindo aquele dirigido para a língua oral.

3.3 ABORDAGEM DA COMUNICAÇÃO TOTAL

A Comunicação Total visa utilizar todas as formas possíveis a fim de privilegiar a comunicação. Faz-se uso de sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto manual, ou seja, usa simultaneamente vários recursos. Para os que defendem esse método não há prejuízo no desenvolvimento da comunicação, pois, a criança constrói seu mundo interno utilizando os elementos visuais e sinais retirados da língua de sinais utilizados pela comunidade surda da qual participa.

3.4 O BILINGUISMO

A abordagem bilíngüe propõe a aquisição de primeira língua. A língua de sinais mais natural ao surdo vem auxiliar a comunicação e a compreensão o que possibilita desenvolver-se na construção do conhecimento mais adequado e compatível com crianças ouvintes na mesma faixa etária, e como segunda língua a oficial do seu país. Sabe-se de trabalhos que comprovam que o indivíduo surdo desenvolvendo a Língua Brasileira de Sinais (Libras) consegue minimizar as dificuldades de comunicação entre ele e o indivíduo ouvinte, por ser mais natural ao surdo, aprendendo com mais facilidade e tendo a oportunidade de acesso a uma linguagem completa.

4 LIBRAS - CONHECER PARA INCLUIR

As pessoas surdas ainda sofrem com o preconceito o que impede a promoção do entendimento e reconhecimento do papel fundamental da língua de sinais na educação regular como fator relevante na vida social dos surdos. A LIBRAS (Lei nº 10.436) foi oficializada em abril de 2002 que diz no art. 1º (loc.cit):

É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais – Libras e outros recursos de expressão a ela associados”, e ainda como parágrafo único: Entende-se com Língua Brasileira de Sinais – Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visualmotora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Portanto, para incluir é necessário aprender. Libras é disciplina curricular obrigatória nos cursos de formação de professores sob o decreto nº 5.626 de 2005. Quem garante que futuros educadores deste século se considerem com habilidades adequadas para o uso dessa linguagem? São muitos anos de preconceito e discriminação e ainda as escolas particulares e públicas estão sob a grande influência da abordagem oralista. A bibliografia é clara no que diz respeito a língua de Sinais, é uma linguagem natural do surdo e não é natural do ouvinte, embora, este utilize gestos para expressar-se. Além do professor, mesmo que conheça Libras, aponta-se a presença do intérprete uma vez que os procedimentos técnicos são diferentes definindo a função comunicativa e a função pedagógica. A inclusão está sendo feita, e o professor diante de tantas outras dificuldades já existentes vê-se mais uma vez frente a um novo e enorme desafio. Cabe a ele estar disposto e conforme a Lei capacitar-se e ser hábil na formação do aluno ouvinte e do aluno surdo ou cabe ao estado comprometer-se numa parceria com profissionais intérpretes?

Pela história, pode-se observar que a história da surdez é de apropriação do ouvinte e, portanto, não caberia a ele dar solução adequada a inclusão do surdo no ensino regular? No Brasil, percebe-se que há questões pedagógicas para minimizar diferenças de gênero, raça e classes populares, por certo há a tendência de trazer a questão dos surdos para o mesmo parâmetro conceitual. Carlos Skliar (apud Limeira de Sá, 2009) adverte:

Não se trata, então, de dizer que os surdos padecem dos mesmos problemas que todos os demais grupos minoritários, obscuros, colonizados, subalternos e dominados. Mas, trata-se de produzir uma política de significações que gera um outro mecanismo de participação dos próprios surdos no processo de transformação pedagógica.

4. CONCLUSÃO

A linguagem facilita a compreensão do mundo e os estímulos que a criança recebe desde o nascimento auxiliam na criação de uma linguagem interna. É através dessa linguagem que foi aprendida que as necessidades, desejos e a cultura são manifestados. O domínio de uma linguagem seja ela falada ou de sinais garante ao indivíduo o desenvolvimento simbólico-cognitivo.

Historicamente o surdo foi percebido como um incapaz de aprender e viveu à margem da sociedade por muito tempo. No século dezesseis o propósito da educação era fazer com que o surdo se desenvolvesse e pudesse se comunicar com o mundo ouvinte. Através da abordagem oralista o surdo era obrigado a falar e agir como se não fosse surdo.

Surgiram outras abordagens utilizando os gestos para facilitar a comunicação até que a Língua de Sinais ocupou destaque embora a oralização, tenha influencia até hoje. O bilingüismo propõe a aquisição de uma primeira língua e a Língua Brasileira de Sinais minimiza as dificuldades de comunicação por ser considerado um método mais natural ao surdo.

No Brasil o primeiro órgão a trabalhar com surdos surgiu em 1857 e a Lei que reconhece Libras como forma de expressão e comunicação dos surdos é oficializada em 2002 e necessita de um decreto (2005) para incluir a disciplina de Libras no currículo de formação de professores.

Mesmo recebendo capacitação e formação na linguagem de sinais é necessário atentar para o fato de que o professor também tem dificuldades no aprendizado de uma linguagem que não é natural a ele. Para que possamos minimizar esses prejuízos na comunicação e inserção da pessoa surda no ensino regular faz-se necessário a participação dos próprios surdos no processo de transformação pedagógica. Dar ênfase a uma parceria entre o educador e o intérprete (professor surdo) traria certamente resultados positivos no atendimento educacional de surdos.

Considera-se de grande importância o conhecimento da língua de sinais pelo professor para que a inclusão da pessoa surda possa acontecer da melhor maneira. Para que isso aconteça é preciso valorizar a LIBRAS, oportunizar a interação dos pais com a comunidade surda a fim de quebrar preconceitos. A escola tem como papel analisar e compreender a inclusão do surdo como um processo de transformação social e pedagógica diante às especificidades do surdo e interações como o mundo ouvinte complementando a ação educacional.

5 REFERÊNCIAS

ANDRADE, Cyntia França Cavalcante. Diferenças e Subjetividades. Disponível em <http:// www.libras.org.br/leilibras.htm. Acesso em: 10 set.2009. OLHAR SOBRE A INCLUSÃO DO SURDO:

CONDEMARIN, Mabel; BLOMQUIST, Marlys. Dislexia manual de leitura corretiva. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986.

CUORE, Raul Enrique. LIBRAS Língua Brasileira de Sinais. Disponível em < http://www.libras.org.br/leilibras.htm. Acesso: 05 set. 2009.

FERRO, Renata Izabel. A construção d comunicação do surdo com a utilização da libras. Disponível em < http://www.libras.org.br/leilibras.htm. Acesso em: 08 set. 2009.

LODI, Ana Claudia; MOURA, Maria Cecília. Línguas de Sinais: Identidades e Processos Sociais Grupo de Estudos e Subjetividade. Disponível em < http://www.libras.org.br/leilibras.htm. Acesso em: 08 set. 2009.

MAZINI, Elcie Salzano. Ação da psicologia na escola. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1981.

SÁ, Nídia Regina Limeira de. A questão da educação de surdos. Disponível em < http://www.livrosbrasil.com.br/det_artigosoutros.asp?id_artigos=30> Acesso em: 10 set. 2009.

Vento de Outono
Enviado por Vento de Outono em 15/02/2011
Reeditado em 17/02/2011
Código do texto: T2793599
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