Educar para transformar: o desafio nosso de cada dia.

Por: Manoel Messias Pereira

O serviço de educação, não resta dúvida, tem um dos objetivos mais nobres no seio da sociedade, se não o mais nobre, ou seja, o objetivo fim da educação é transformar cada pessoa numa pessoa melhor, num processo contínuo e progressivo, em que o ponto de chegada não é uma meta meramente abstrata, mais vai sendo construído por cada indivíduo, no caso concreto, no tempo, no espaço e na interação com os outros indivíduos, na sociedade em que vive.

O escritor norte americano Howard C. Culter, no livro “A arte da felicidade”, versando sobre uma personalidade referência mundial, Tenzim Gyatso, o Décimo Quarto Dalai Lama, líder espiritual tibetano, descreve que o mesmo quando interpelado sobre as estratégias para as transformações essenciais na vida pessoal, teria respondido, de forma simples, que “o primeiro passo é o aprendizado, a educação”.

A educação que transforma não deve ser pensada, portanto, como a educação processada na escola, tão somente, vez que o indivíduo passa a maior parte do seu tempo fora da escola, onde aprende, e apreende, com maior facilidade e propriedade, os ensinamentos da vida, do cotidiano, das relações interpessoais e, consequentemente, na medida em que absorve os conhecimentos que circulam no meio social, também exterioriza ideias, sentimentos, interpretações, enfim, ao tempo em que aprende também ensina. Nesse sentido os teóricos falam em educação formal e informal, poderíamos falar, ainda, de um modo mais simples, em educação da escola e educação do cotidiano, fora da escola.

Na Carta Magna brasileira de 1988, o tema da educação está posto como sendo um serviço de responsabilidade social, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, ficando, portanto, compreendida a prescrição do legislador constituinte no sentido de que o ato de educar transcende a esfera estatal, abrangendo a família e outros organismos da sociedade civil.

Vejamos o que diz o texto constitucional: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (C.F./88, art. 205, caput.).

Para que se possa fazer uma educação transformadora é necessário que a escola, sobretudo a escola pública, se proponha a dar um salto de qualidade, o que implicaria, necessariamente, compreender esse serviço como um elemento essencial para a estruturação de uma sociedade melhor. Nesse sentido, não há muito que inventar, a escola precisa basicamente vencer o histórico desafio de ‘educar para a vida’, manter uma integração permanente entre as suas atividades e o viver cotidiano da comunidade em que está localizada e associar os saberes trazidos pelos indivíduos (alunos) aos conhecimentos preconizado no meio científico, na perspectiva da criação de um currículo escolar plenamente contextualizado, que possa contribuir com a transformação da realidade social vivida pelos alunos e suas famílias.

A contextualização, nessa lógica, não se restringe meramente à elaboração teórica, à apologia conceitual, ao discurso, como estamos acostumados a ouvir e ler, constantemente, no meio acadêmico. O ensino contextualizado para a construção de uma sociedade melhor precisa trabalhar intensamente questões simples do dia-a-dia da sociedade, tais como, compromisso, ética, cidadania, direitos humanos, relações interpessoais, pluralidade, etnia, gênero, sustentabilidade sócio-ambiental, dentre outras. Para isso, primeiramente, os nossos educadores precisam encarar o desafio de ensinar pelo exemplo, ou seja, é preciso que o educador viva no seu cotidiano aquilo que ele ensina na escola, não se aplicando, portanto, a máxima popular do “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Para tanto, as atividades contextualizadas, no âmbito da educação, não devem ser trabalhadas apenas como projetos pontuais, com tem acontecido na sua grande maioria.

Devemos considerar, entretanto, que esses projetos não deixam de ser um elemento importante no contexto ensino-aprendizagem, mas essas atividades precisam, ou melhor dizendo, tem que ser trabalhadas a cada dia, como se cada educador fosse, no seu labor diário com os alunos, um transformador social, e na verdade todos são transformadores sociais, basta simplesmente empreender nessa direção, para isso a escola foi inventada.

Educar para transformar é criar no seio da escola ‘o compromisso nosso de cada dia’, com os grandes problemas sociais, e entender que a partir desse ambiente sócio transformador é possível criar as condições para a resolução sustentável desses problemas; é desenvolver um processo ensino-aprendizagem voltado para a formação de cidadãos cada vez mais éticos e sensíveis aos problemas do seu semelhante, afinal, o conceito de interdependência social, contido na Sociologia de Emile Durkheim, sugere um pouco disso; é pensar uma escola que trabalhe o resgate dos valores depreciados ao longo da nossa história, tais como, a família, a religião, a honestidade, o valor da palavra, o respeito à vida, a moral, dentre outros; é, talvez, em pleno século XXI, parar para pensar sobre o verdadeiro papel da escola, sobre o verdadeiro papel da educação, afinal de contas a escola foi inventada, de acordo com o pensamento iluminista do século XVIII, para formar pessoas cada vez mais livres, formar pessoas com condições de pensar e projetar uma sociedade melhor e, sobretudo, formar uma sociedade cada vez mais pensante.

O Psiquiatra e escritor Augusto Cury, em sua obra “A escola segundo Augusto Cury”, salienta que: “Desenvolver a emoção e a arte de gerir o pensamento! Não importa a quantidade das matérias dadas, mas a qualidade do que se ensina e como se ensina. A educação deve ser multifocal, não apenas acadêmica. É necessário que os professores desenvolvam essa arte”.

Afinal, é pensando que se projeta, é projetando que se realiza e é realizando que se transforma e se é transformado. É sempre bom lembrar que: “Mudar é difícil, mas não é impossível”, já dizia o grande educador Paulo Freire.

O teólogo Frei Beto, enfatizando sobre a importância da participação de cada indivíduo no processo de transformação da sociedade diz algo que bem poderia ser direcionado a cada educador, de forma específica: “Não te deixes desiludir pelo mundo que te cerca. Saiba que és chamado a transformá-lo”. Aqui, talvez pudéssemos pontuar o seguinte questionamento: alguém tem nota de algum exemplo, historicamente, desde a antiguidade à era contemporânea, de transformações sociais significativas efetivadas sem que se tenha empreendido eficazes processos de educação e reeducação das pessoas, pautados em objetivos, envolvimento e compromisso permanente com tais transformações?

Se nós estamos formando cidadãos pensantes, se nós estamos contribuindo para a projeção de uma sociedade melhor, se nós estamos fazendo educação, mormente a educação pública, numa perspectiva transformadora, cabe a cada um de nós, em cada estabelecimento de ensino, em cada comunidade, em cada município, fazer uma auto avaliação e ter coragem de perguntar a si mesmo, o que tem feito nesse sentido. Essa reflexão, uma vez processada por cada educador, já se constitui num desafio razoável e, certamente, a mudança da práxis pedagógica, na perspectiva de educar para transformar, esse sim, é o desafio nosso de cada dia.

Manoel Messias Pereira, professor, licenciado

em História e bacharelando em Direito.