Cultura e Educação no Processo Didático-Pedagógico do Ensino Superior

Cultura e Educação no Processo Didático-Pedagógico do Ensino Superior

Luiz Eduardo Corrêa Lima

Em certo sentido o Ensino Superior carece de uma visão mais generalizada do processo Didático-pedagógico, haja vista que o Ensino Superior leva sempre a uma habilitação profissional e isso faz transparecer que os profissionais de ensino nesse nível deveriam ser mais adestradores (treinadores) do que professores na expressão literal da palavra. Isto é, no ensino superior a educação, mesmo não querendo, é uma educação profissional. Bem isso é uma verdade incontestável, porém não deve haver nenhuma conotação absolutista nessa colocação, porque o adestramento nem sempre subentende que não haja compreensão e os professores têm que procurar transmitir mecanismos de aprendizagem e não apenas a aprendizagem que se quer produzir em si mesma. No Ensino Superior, além de saber fazer, é preciso saber por que e como se sabe e se aprende a fazer, porque só assim será possível, num segundo momento, continuar aprendendo e também ensinar.

A Didática do Ensino Superior é transcendente e tem que ter o objetivo formador do profissional, como um futuro mestre naquilo que faz e assim, é fundamental conhecer o quê e o como se faz. Não é apenas uma transmissão de conhecimento, mas, é principalmente um investimento na geração de novas possibilidades de conhecimentos, a partir daquilo que se aprende de fato. A velha expressão socrática: “só sei que nada sei”, cabe aqui com perfeição. O profissional oriundo da escola de terceiro grau deve estar ciente que seu conhecimento, por mais abrangente que seja, é limitado e tem que estar ávido a conhecer mais e a querer criar cada vez mais a partir do acúmulo dos novos conhecimentos que adquire.

Quando se pensa em cursos de formação de professores, pensadores e pesquisadores, essa questão é ainda muito mais complicada, porque o pensamento socrático citado, precisa estar muito claro na mente do futuro profissional e este tem que estar aberto às novas possibilidades de conhecimento. Até porque ele será um profissional que certa e necessariamente se dedicará, ao longo de sua carreira, a formar e orientar outros profissionais, muitas vezes em outras áreas, das quais ele não possui nenhum conhecimento específico. Mas, e aí, como vencer essa barreira e superar esse hiato?

Só existe um mecanismo capaz de permitir alcançar esse intento: o professor, além de educador no sentido literal da palavra, também tem que necessariamente ser portador de cultura geral ampla, criatividade e capacidade argumentativa. Esses três requisitos são preponderantes para o Magistério Superior.

No início da década de 1990 passei por uma experiência interessante que reflete bem esse tipo de situação. Eu ministrava aulas sobre Meio Ambiente para alunos do Terceiro Ano do Curso Técnico de Mecânica. A grande maioria dos alunos era composta de homens adultos e já bastante experimentados, vários casados e com filhos. Existiam alguns que até eram mais velhos do que eu. Esses alunos tinham uma rotina diária definida: ir para a escola e ir para o trabalho ou vice-versa. Assim, não estavam muito (talvez, nada) preocupados com a questão ambiental, mormente naquela época, onde os problemas ambientais ainda eram meras especulações para a maioria das pessoas. Entretanto, eu conseguia ter sala lotada, mesmo ministrando as duas últimas aulas de sexta-feira, pela manhã terminava às 12:45 horas e pela noite terminava às 22:45 horas.

Tenho certeza que o que mantinha os alunos na escola não era o interesse pela minha pessoa e muito menos pela minha matéria, que a princípio pouco tinha a ver com a Mecânica que lhes interessava. Porém valia a pena ficar ali e assistir a aula, que, modestamente, era muito boa e que trazia outros enfoques sobre a vida, a família e à formação dos alunos como pessoas. Não fosse a minha cultura geral, minha criatividade e minha capacidade argumentativa, essas aulas, que eram fantásticas, teriam sido meras formalidades curriculares e regimentais.

Também tenho certeza que nunca ensinei nada de Mecânica, até porque não entendo absolutamente nada de Mecânica e qualquer um daqueles meus alunos conheceria muito mais que eu sobre esse assunto, no entanto, procurei fazer com que eles percebessem que a Mecânica faz parte de um todo maior. Tentei demonstrar a importância de ampliar os seus conhecimentos para outras áreas e ainda procurei fazê-los entender que os problemas ambientais interagem em quase todas as ações da humanidade, inclusive com a Mecânica.

Além disso, chamei a atenção para o fato de que as questões ambientais têm base na própria história da humanidade e no desenvolvimento da tecnologia e da Industrialização. Assim, a Mecânica, como qualquer outra atividade antrópica certamente interfere nas questões ambientais, tanto positiva, quanto negativamente. Eu comentava e discutia com eles sobre alguns aspectos que pudessem comprovar essa premissa. E por aí a gente viajava e os meus alunos me acompanhavam e discutíamos as mais diversas coisas, porque sempre alguém tinha um exemplo, um problema, uma opinião e adoravam aquelas aulas que, a princípio não tinham nada a ver com o interesse deles.

Obviamente isso seria impossível se eu não tivesse uma boa cultura geral e não estivesse predisposto a aprender um pouco mais com meus alunos sobre os problemas que interessavam a eles. Essa talvez seja a grande dificuldade que se enfrenta hoje nas escolas, em particular no ensino profissionalizante e no ensino superior, isto é, a falta de cultura dos professores, cada vez mais mal formados e menos interessados em ensinar e muito menos em aprender aquilo que não diz respeito às suas respectivas disciplinas. É claro que esta condição do professorado não é uma regra absoluta e obviamente existem inúmeras e honrosas exceções. Aliás, há professores que são efetivamente brilhantes, mas estes lamentavelmente são uma minoria.

Infelizmente, a maioria dos professores mal sabe sobre o conteúdo programático de suas disciplinas, isso quando sabem alguma coisa, porque drasticamente, existem muitos que não sabem de absolutamente nada e estão por aí ministrando aulas, não sei como. A pobreza intelectual de nossa classe profissional está cada vez maior e precisamos rever isso rapidamente, pois já estamos correndo o risco de inviabilizar toda a educação por falta generalizada de cultura dos professores.

Não sou o dono da verdade e nem critico meus colegas por prazer, ao contrário, lamento muito que a realidade da educação brasileira seja assim. Entretanto, penso que quem está envolvido nas questões educacionais precisa estar disposto a vislumbrar um mundo melhor e esse mundo melhor passa pela melhoria de nossa capacidade intelectual. Com certeza não é impossível e, como disse Guimarães Rosa: “o professor não é aquele que ensina, mas aquele que de repente aprende” e, principalmente, considerando que todos nós buscamos a felicidade, o que disse Cora Coralina: “feliz é aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina". Pois é, meus amigos, o saber é cultural e a cultura se aprende. Precisamos estar preparados para aprender sempre, pois só assim teremos condições de ensinar de vez em quando.

No Ensino Superior, assim como no Ensino Técnico e no Ensino de Adultos em geral, temos que entender que muitos dos alunos são pessoas experimentadas que já possuem algum conhecimento em várias áreas do saber. Esse conhecimento prévio que eles trazem, deve ser respeitado e aproveitado por nós professores nas nossas aulas e não descartados pela nossa incompetência e nossa falta de cultura. Temos muito que aprender com nossos alunos, mas precisamos estar dispostos a isso. Numa boa aula, nem sempre é o professor quem deve falar mais, muitas vezes é necessário ouvir mais e falar menos. Ser educado e estar aberto a ouvir são fatores importantes na aquisição de cultura, tanto por parte dos professores quanto dos alunos.

É bom lembrar que o tempo e a responsabilidade da aula são atributos do professor, porém tudo que se passa durante esse tempo é também, em certo sentido, atividade pedagógica. Desta maneira, todos na sala de aula ensinam e aprendem, pois todos têm algo a dizer e algo a ouvir. Nós humanos, sociologicamente criamos hierarquias e barreiras que nos impedem de identificar verdades simples como essas. Entretanto, o professor; aquele sujeito educado, culto e ávido por saber mais, que ministra aulas; tem que estar atento a essa particularidade do ser humano e entender que nem sempre, aquilo que ele pensa é o melhor para o grupo como um todo.

Algumas vezes é melhor e até muito mais interessante deixar o outro lado se manifestar e aprender a partir dessa manifestação, mormente quando estamos nos relacionando com pessoas adultas, que já possuem alguns conhecimentos prévios e valores estabelecidos. Cultura e Educação são fundamentais no processo didático-pedagógico do Ensino Superior para ambos os lados, ou seja, tanto o lado discente quanto o lado docente.

Luiz Eduardo Corrêa Lima (55) é Biólogo, Professor, Pesquisador, Ambientalista e Escritor;

é Membro do Comitê das Bacias Hidrográficas do Paraíba do Sul (CBH-PS);

Sócio Fundador da Academia Caçapavense de Letras (ACL), ocupando a Cadeira 25;

Membro Associado de várias ONGs Ambientalistas, Educacionais e Culturais;

foi Membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA) de São Paulo;

foi Vereador e Presidente da Câmara Municipal de Caçapava.