Quem deve proteger a infância de nossas crianças?



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     Há situações que vivo em meu ofício de educadora que foge completamente do meu entendimento, da minha compreensão como mãe e cidadã que assumiu e assume uma postura de luta pela garantia e conquista de direitos, com a responsabilidade de quem cumpre o seu dever e nele se pauta para afirmar minhas obrigações como profissional.
     Como presidenta de um Conselho de Direitos que é o Conselho de Educação de Maceió, faz parte das minhas responsabilidades responder a consultas sobre os assuntos da educação do município no que concerne as questões que envolvem a legislação e a regulamentação da vida escolar dos estudantes e das escolas.
     É comum o conselho ser procurado para orientar procedimentos e encaminhá-los caso seja assunto da nossa jurisdição e competência legal. Pais e mães, diretores de escolas, conselheiros tutelares, professores, jornalistas e quem mais precisar nos consultar são e serão sempre bem vindos no espaço dos conselhos.
     Dias atrás recebi uma visita que provocou minha perplexidade. Nada demais, a princípio, apenas mais um pai querendo tirar umas dúvidas e se certificar da legislação sobre a data de corte de acesso ao ensino fundamental (seis anos completados até 31 de Março), pois procurava uma escola para sua filha para o ano de 2012. Acessei uma pasta sobre o assunto e apontei o parecer do Conselho Nacional de Educação, mostrei pareceres anteriores e a farta argumentação pedagógica sobre a decisão do CNE. Afirmei a ele que resoluções e decisões do CNE não têm força de lei, mas são base para as orientações que os sistemas de ensino encaminham às suas escolas.
     O pai relatou que já havia ido a várias escolas (todas da rede privada) e não concordava como posicionamento do CNE e menos ainda com o agrupamento que elas adotavam, pois isso atrasaria sua criança e isso ele não iria permitir; que ia entrar na justiça questionando a orientação do CNE e o modo com que as escolas agrupavam as crianças. Perguntei a idade de sua filha e não consegui esconder minha surpresa: a criança faria (fará) DOIS ANOS em abril de 2012!
     Argumentei que a criança ainda era um bebê e que não entendia qual era de fato a sua preocupação e ele me respondeu que sua criança era muito inteligente e evoluída e não aceitava que ela ficasse no grupo de 02 anos, mas queria que já fosse incluída no grupo de 03 anos.
     E não adiantou nenhum dos meus argumentos, todos eles fundamentados nos estudos dos mais sérios pesquisadores e na resolução e parecer sobre a questão. O pai se mostrou irredutível! Alegava que se sua filha se “atrasasse” na entrada do fundamental, se atrasaria (pasmem!) para fazer o ENEM daqui a quinze anos!
     E mesmo que chamasse sua atenção ao exagero da preocupação (quem pode afirmar qual será a forma de acesso à universidade daqui a quinze anos?), que alertasse para o perigo da escolarização tão cedo, percebi que já havia definido uma posição e que não abriria mão dela.
     “O mundo é dos que chegam primeiro. Dos que têm condições de competir”, afirmava. Por várias vezes deixei bem claro que, ainda bem, essa visão de mundo fundamentada no deus mercado,  na competição desenfreada por postos de trabalho não era a visão defendida por mim e por muitos (as) educadores (as) que defendiam o direito de infância das crianças.
Fico perplexa também quando procuradores fazem proposições para derrubar o parecer do CNE e quando um juiz, sob força de liminar, defende que crianças assumam responsabilidades sem a maturidade que a etapa exige, pois é isso que vai acontecer por aí.
     A lógica do mercado têm prevalecido nas decisões judiciais, mas a pressa por ler, escrever e contar não pode ser o critério determinante para negar o direito da criança de ter infância, de viver cada etapa da vida sem a pressão da competição de ir buscar “um lugar ao sol”.
     Para além das polêmicas jurídicas, pedagogicamente, a defesa do direito das crianças a uma infância saudável se confronta com o exagero da escolarização precoce. Infelizmente paira entre nós uma mentalidade estreita e mal informada que acha que a criança só está aprendendo quando está em contato com letras e números e esquece que é através do brincar que a criança atribui sentido e significado a tudo que a rodeia.
     Pais e mães mais do que ninguém deveriam e devem querer que a infância dos seus filhos e filhas seja vivida plenamente. Que prevaleça o bom senso!A idade mínima, a data de corte, são critérios talvez mais palpáveis para que não matemos o pouco que ainda resta de infância das nossas crianças, infância essa já tão violentada pela falta de valores éticos, pela falta de limites e pela falta de referência que muitos pais e mães tiveram em suas infâncias.
     Depois que o pai foi embora com cara de poucos amigos, mas garantindo que ia ler tudo que lhe indiquei, fiz um pensamento positivo por essa criança, tão bebê, mas já com o peso da responsabilidade de ser mais um rosto nos outdoors das instituições que fazem disso chamariz para novos “clientes”.