Os PCN

Uma das discussões mais freqüentes atualmente na área de educação engloba os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e seu reflexo no ensino. No que se refere à língua portuguesa, os PCN vêm apresentar propostas de trabalho que valorizam a participação crítica do aluno diante da sua língua e que mostram as variedades e pluralidade de uso inerentes a qualquer idioma.

Entretanto, apesar de algumas idéias que aparecem nos PCN não serem novas – pelo contrário, são objetos de debate há décadas, como é o caso, por exemplo, dos pressupostos da Lingüística Textual – a reação dos profissionais de educação diante desse material não tem sido das melhores. As críticas, por vezes fundamentadas, abarcam desde o caráter dos parâmetros, considerados por alguns como impositivo e fora da realidade brasileira, até as teorias lingüísticas e pedagógicas que norteiam o texto. Nem sempre, porém, os críticos se voltam para o texto dos PCN com o olhar de quem conhece a realidade da sala de aula e as necessidades dos alunos. É nesse aspecto que os PCN mais podem colaborar na formação de cidadãos críticos e conscientes.

Neste artigo, serão analisadas algumas propostas dos PCN de ensino fundamental para terceiro e quarto ciclos. Discussões político-pedagógicas à parte, não se pode negar que os Parâmetros têm seu valor e vêm servindo, ao menos, para levantar o debate a respeito do ensino de língua portuguesa.

Se começarmos a analisar os PCN de língua portuguesa para o ensino fundamental, veremos que eles se dividem em duas partes: apresentação da área de língua portuguesa, em que se discutem questões sobre a natureza da linguagem, o ensino dessa disciplina (objetivos e conteúdo) e a relação texto oral-escrito / gramática; e Língua portuguesa no terceiro e no quarto ciclos, em que aparecem os objetivos e conteúdos específicos dessa fase, divididos em prática de escuta de textos orais / leitura de textos escritos, prática de produção de textos orais e escritos e prática de análise lingüística.

Também nesses PCN, na primeira parte, propõe-se a interdisciplinaridade, para que o aluno considere a língua em uma perspectiva mais ampla, e a relação da disciplina aos temas transversais que norteiam os PCN (ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo); e, na segunda parte, constam informações sobre projetos, uso de tecnologia em sala de aula e critérios de avaliação. Esses aspectos, entretanto, não comentaremos neste artigo, por considerarmos que eles se referem mais a questões gerais dos PCN que à área específica de língua portuguesa.

Na primeira parte, a língua portuguesa é apresentada como uma área em mudança, no que se refere ao ensino, pois tem se passado do excesso de regras e tradicionalismo típicos das escolas para um questionamento de regras e comportamentos lingüísticos. No que se costuma chamar de “ensino descontextualizado de metalinguagem” (p. 18), o texto é usado (quando o é) como pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua, descontextualizados e fora da realidade do aluno, mostrando uma “teoria gramatical inconsistente” (id.). Já a perspectiva mais crítica de ensino de língua apresenta a leitura e a produção de textos como a base para a formação do aluno, mostrando que a língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Assim, o texto é visto como unidade de ensino e a diversidade de gêneros deve ser privilegiada na escola.

O mote dessa perspectiva de ensino de língua mais produtivo aparece no próprio texto dos PCN: “Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva” (p. 23). É, portanto, na percepção das situações discursivas que o aluno poderá se constituir como cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua.

Para que a idéia defendida nos PCN possa ser aplicada, é necessário que o foco do ensino saia das regras pré-estabelecidas para se basear na análise de textos, visando à compreensão e produção. A novidade dos PCN é a inclusão de textos orais no ensino de língua. Dizemos novidade, porque não é comum os livros didáticos e os professores enfatizarem a oralidade na sala de aula. Marcuschi (1997) já alertava para isso, ao analisar diversos manuais didáticos e não encontrar em nenhum qualquer referência a textos orais. Segundo os PCN, é a pluralidade de textos, orais ou escritos, literários ou não, que fará o aluno perceber como se estrutura sua língua.

Outro aspecto importante nos PCN é a importância do trabalho com textos produzidos pelos próprios alunos. As chamadas “redações”, geralmente textos sem objetivos e produzidos meramente como avaliação, passariam a ser material de apoio para os professores, uma vez que poderiam ser analisadas e usadas em sala para mostrar aos alunos que eles são produtores de textos e que a gramática não é algo tão abstrato. Sugere-se, então, a refacção dos textos dos alunos como exercício de análise lingüística e prática textual. Assim, pode-se fazer uma reflexão sobre língua e linguagem e, comparando textos orais e escritos, dos mais diversos gêneros, o aluno vai percebendo as variações lingüísticas.

Com relação à segunda parte, dos PCN de ensino fundamental para terceiro e quarto ciclos, o que mais chama a atenção é a maneira como são apresentadas as diferentes práticas de trabalho com a linguagem, cujo objetivo é desenvolver no aluno

o domínio da expressão oral e escritas em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação aos destinatários; destinatários e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical (p. 49).

Dessa forma, a prática de escuta de textos orais e leitura de textos escritos, a prática de produção de textos orais e escritos e a prática de análise lingüística formariam um tripé em cima do qual sustenta-se o ensino de língua portuguesa, funcionando como um bloco na formação dos alunos. Os conteúdos partem, portanto, de textos, sempre, conforme já foi dito, valorizando e destacando diferenças e semelhanças, fazendo com o aluno discuta o que vê lê para conseguir se sentir usuário da língua e participante do processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o princípio uso-reflexão-uso(p. 65).

Quanto à prática de análise lingüística, ressalta-se, no texto dos PCN, que ela não é um novo nome para o ensino de gramática, mas uma maneira de perceber fenômenos lingüísticos e relacioná-los aos textos:Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma caracterização preestabelecida.Os textos submetem-se às regularidades lingüísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isso aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros (p. 78-79).

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Outra crítica muito comum aos PCN apóia-se em justificativas sempre presentes para a falta de mudanças no ensino: excesso de trabalho do professor, turmas cheias, alunos desinteressados, salários baixos. Esses motivos, segundo alguns, seriam responsáveis pela não aplicação das idéias dos PCN, que estariam “fora da realidade brasileira”. Entretanto, mesmo em algumas escolas nas quais as turmas são menores, a clientela tem condições financeiras e o salário é compatível, o ensino é tradicional. O problema parece, portanto, não estar apenas nas condições de trabalho.

Problemas à parte, é possível imaginar um ensino de língua portuguesa diferente do tradicional e que aplique as idéias propostas nos PCN. Em Travaglia (1996, 2003), discute-se o ensino de língua e apresenta-se a importância de o professor desenvolver a competência comunicativa dos alunos, em vez de meramente mostrar-lhes regras gramaticais. Para Travaglia, a língua, mais que teoria, é um “conjunto de conhecimentos lingüísticos que o usuário tem internalizados para uso efetivo em situações concretas de interação comunicativa” (2003:17) e só assim se pode conceber o ensino dessa disciplina.

É necessário ainda, entretanto, discutir os PCN e divulgar seu conteúdo, motivando os professores a debater as propostas e a sugerir atividades. Afinal, por mais que se questione sua origem e utilidade, os PCN têm como principal objetivo fazer com que o ensino fundamental forme cidadãos, e essa é a finalidade primeira de todo processo educativo.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996.

Mariluce Marinho
Enviado por Mariluce Marinho em 09/04/2012
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