A GÍRIA COMO UM FENÔMENO SOCIAL, GEOGRÁFICO E HISTÓRICO.

A GÍRIA COMO UM FENÔMENO SOCIAL, GEOGRÁFICO E HISTÓRICO .

Ana Lúcia Paiva Ferreira de Mesquita

Heliomar de Oliveira Clarindo

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo fazer uma discussão sobre as práticas linguísticas conhecidas como gírias, bem como as suas variações nos ambientes sociais, geográficos e históricos. Trata-se de um fenômeno sociolingüístico empregado por jovens e adultos de diferentes classes sociais. Observa-se também que o uso deste fenômeno está cada vez mais crescente nos determinados ambientes. Neste artigo foram utilizados alguns autores como: CALVET, NARO, BAGNO, MONTEIRO para subsidiar teoricamente este trabalho. Procuraremos mostrar que essas práticas linguísticas não estão fora de nossa língua, pelo contrário, fazem parte de seu processo diacrônico. E é numa perspectiva diacrônica, diatópica e diastrática que abordaremos o conceito e o preconceito da gíria enquanto discurso do senso comum.

PALAVRAS – CHAVE: Gíria, Falante, Variação Linguística, Social, Geográfico, Histórico.

INTRODUÇÃO

Sabe-se que o componente que mais facilmente retrata a nossa língua é o léxico, isso porque tem a função de nomear e designar fatos, objetos, processos, pessoas, entre outros. O léxico reflete numa transformação social, portanto pode-se dizer que o mesmo pode ser considerado como uma classe de palavras aberta, onde está sempre incorporando novas formas, novos itens lexicais, novas formas de expressão. Com isto é justo afirmar que o léxico comporta unidades de todos os registros lingüísticos, ou seja, de todos os ambientes, inclusive a gíria, objeto de grande importância e de análise deste artigo.

Segundo o dicionário Houaiss (2004), gíria é uma expressão que significa linguagem informal caracterizada por um vocabulário rico, passageiro e temporário. É um dialeto usado por determinado grupo de pessoas que busca se destacar através de características particulares e marcas linguísticas, funcionando como um mecanismo de integração dos membros do grupo e como exclusão dos que não pertencem a esse grupo. A partir deste contexto pode-se perceber que as gírias não podem ser consideradas como um tipo de linguagem de malandros, de marginais ou de uma população mais simples, pelo contrário tornou-se um recurso disponível para que as pessoas pudessem se comunicar de uma maneira mais direta, mais simples, mais ousada e mais permissiva.

Segundo Calvet (2002), as práticas linguísticas enquanto variações linguísticas são diastráticas, diatópicas e diacrônicas, ou seja, a primeira diz respeito às variações lingüísticas distribuída numa escala social; a segunda está ligada as variações lingüísticas geográficas e a última, está envolvida na evolução histórica dos fatos de uma língua.

A partir desta idéia pode-se ver que esses três parâmetros, estão muito bem associados às gírias. Pois as mesmas são constantes nos mais diversos ambientes de uma sociedade, de uma região e de toda uma história. Talvez se pode até dizer que a gíria possa ser considerada uma língua de chefes, como bem afirma Calvet (2002), ou seja, pois seria como se os usuários de determinadas gírias fossem donos do meio social, pelo fato deles se sentirem íntimos dessas práticas linguísticas.

Segundo Naro (2003) o processo de aquisição da linguagem se completa aproximadamente no início da puberdade, época em que o uso das gírias é característico das turmas de jovens e, ao mesmo tempo, requisito para a aceitação de um adolescente nesse novo ambiente. A linguagem típica de uma geração estará presente em toda a vida do indivíduo, pois segundo Anthony Julius Naro (2003), após a puberdade "a gramática do indivíduo não pode sofrer mudanças significativas porque o acesso aos dispositivos cognitivos que possibilitam a sua manipulação (a chamada faculdade da linguagem) fica bloqueado".

Ainda de acordo com esse autor, as pessoas que assimilaram determinadas gírias na adolescência as utilizarão desde a juventude até a velhice, podendo adquirir algumas novas gírias. Porém, o uso destas novas seria casual, uma vez que predominarão as que são marcas de sua juventude.

Porém esta idéia de Naro (2003) pode até ser contestada, pois será que todos os jovens em sua adolescência ao adquirir suas gírias ao chegar à sua velhice continuarão a falar tais gírias? Muitas pessoas encaram esta época de uma linguagem completamente com gírias apenas como uma fase, e ao passar certo tempo estas formas de linguagem vão ficando de lado. Neste contexto cabe mais uma vez a questão do adequado e inadequado, pois muitos falantes de gírias possuem esta noção de ambiente, falar gíria em um determinado local com amigos pode ser considerado muito viável, porém em uma conversa com uma autoridade, terá que ter a noção que sua linguagem vai ser mudada e adequada a este ambiente.

Numa perspectiva diacrônica, ao comparar a juventude atual com a dos anos 70, percebe-se claramente uma grande diferença entre as gírias que caracterizam estas épocas, pois elas refletem verdadeiramente o comportamento e a ideologia das gerações, com seus ideais e preconceitos. Por falar em preconceito, Marcos Bagno em um artigo publicado na Revista Presença Pedagógica, (2006) discute duas ordens do discurso que se contrapõe, o discurso cientifico e o discurso do senso comum, em que o primeiro está carregado de teorias da lingüística moderna e considera as variações lingüísticas como um processo, enquanto que o segundo, está carregado de preconceitos sociais e operando com a noção de erro. Sendo assim, fica claro que o senso comum predomina sobre as práticas lingüísticas, uma vez que o falante pode inconscientemente indicar sua origem, bem como o grupo social ao qual pertence ou participa. Então pode-se dizer que os falantes de gírias através de suas formas de expressão, de seu estilo, refletem sua origem e seu grupo social.

Um dos exemplos que se torna importante apontar neste estudo, em relação à evolução das gírias, são as letras de algumas músicas do cantor e rei Roberto Carlos como: (Papo firme, Namoradinha de um amigo meu, O calhambeque e Parei na contra-mão). Nestas músicas são encontradas algumas gírias faladas pela geração que consagrou o sucesso do rei. Gírias como garota papo firme, lambreta, calhambeque, dentre outras, que se contrastam com as novas gírias faladas pelos jovens desta época atual. Exemplos comuns podem ser mostrados para fazer uma diferença em tais gírias de época para época, como aquelas comuns na juventude de todos os Estados brasileiros: tá ligado, fala sério, tipo assim, da hora, pode crer, mano, mina, filé, véio, é vero, brother, balada, rapá, irado, demoro, galera, animal. Portando pode-se dizer que as gírias mudam de tempos em tempos e que muitas delas deixam de ser um pouco freqüentes, isso acontece, porque a língua muda, se transforma, com isso surgem novas palavras e outras deixam de ser usadas. Algumas gírias vão sendo substituídas, outras assumem um novo significado. Estes exemplos de gírias antigas e de gírias novas ajudam numa melhor compreensão neste caráter de substituição e de novo significado das mesmas: pão, broto, chuchu já foram gírias utilizadas para designar elogio à beleza de um rapaz ou de uma moça. Hoje os jovens já usam gato, gata, gatinho, gatinha.

Vale ressaltar que de acordo com a história, as gerações passadas, principalmente a dos anos 70 viveu numa época de muita censura, vivendo em uma constante luta por liberdade de expressão, autonomia sobre suas vidas, liberação sexual, direito de votar, entre outros. A partir deste ponto de vista pode-se perceber a grande diferença existente entre as gerações atuais e as passadas, pois hoje em dia todas as pessoas usufruem destes direitos na maior naturalidade. Ao colocar o uso das gírias nestas perspectivas pode-se ver que é normal o uso desta linguagem, então se pode dizer que as ideologias das pessoas atualmente podem até ser consideradas fúteis, isso porque não necessitam lutar por tais direitos, pois estes já são aceitos por uma nova e atual sociedade. Essa diversidade de ideologias está implícita nas gírias, uma vez que estas representam à ideologia de seu falante e de sua época.

Colocando mais uma vez o caráter diacrônico das variações linguísticas que incluem as mudanças de geração para geração, pode-se fazer uma comparação entre as gírias que predominaram nas épocas passadas e com as gírias que se destacam hoje em dia.

Pesquisa Teórica:

Gíria dos anos 40 Gíria dos anos 50 Gíria dos anos 60

Balangandans = festas Bafafá = confusão Bacana = bonito

Brotinho = menina Babeiro = mau motorista Cafona = feio

Chanchada = filme nacional Fuzuê = confusão Carango = carro

Coqueluche = assunto do momento Paquera = namoro Gamar = apaixonar

Fuzarca = confusão Uva = mulher bonita Paca = muito

Gíria dos anos 70 Gíria dos anos 80 Gíria dos anos 90

Bicho = amigo Bode = mau humor Antenado = atento

Careta = pessoa conservadora Brega = feio Azaração = namoro

Jóia = tudo bem Deprê = deprimido Boiola = homossexual

Transar = amar Fio dental = biquíni Mala = chato

Tutu = dinheiro Mina = garota Mauricinho = rapaz bem vestido

Um exemplo de gíria muito importante a ser colocado é a expressão: “transa” que predominou no ano de 1978, esta gíria foi criada talvez pelo fato de nesta época os jovens poderem usufruir naturalmente da liberdade sexual. Outro exemplo é a gíria “marajá”, que predominou no ano de 1990, uma época em que os jovens lutavam contra a corrupção do governo de Collor. Já em 2004, a gíria mais expressada por jovens de classes altas, foi “fashion”. Na juventude atual a gíria mais usada é “fala sério”.

A partir destes exemplos, pode-se perceber o quanto a língua varia, e as gírias, por fazerem parte desta língua, expressam muito um caráter de transformação e inovação, cabe então compará-las com a moda, pois elas surgem, cumprem o seu papel num contexto social, histórico e geográfico e depois desaparecem.

Então como mostra a citação a baixo pode-se perceber a importância que as formas de linguagem têm. Por isso é que se torna válido ressaltar que as gírias têm um papel fundamental para a comunicação, principalmente para a dos jovens, que usam na maioria das vezes as mesmas como produto de expressão da cultura de cada um. Então a gíria não pode ser uma forma estigmatizada, pois como afirma LEMOS (2000), a finalidade básica de uma língua é a de servir como meio de comunicação.

Na realidade, não constitui nada de novo dizer que a língua e a sociedade são duas realidades que se inter-relacionam de tal modo, que é impossível conceber-se a existência de uma sem a outra. Com efeito, a finalidade básica de uma língua é a de servir como meio de comunicação, e por isso mesmo, ela costuma ser interpretada como produto e expressão da cultura de que faz parte. (LEMOS, 2000, P. 13).

Os exemplos de gírias aqui citados de alguns anos e das músicas do cantor Roberto Carlos mostram o quanto as gírias fazem parte de uma perspectiva diacrônica e diastrática, isto é o contexto sociocultural de cada época. Mas ainda se pode colocar estas variações linguísticas como caráter diatópico, ou seja, uma variação de lugar para lugar. Coloca-se como exemplo de uma gíria de caráter diatópico o homossexual masculino, que é tratado como “baitola” na região Nordeste e por “bicha” no Sudeste, já na Bahia, há uma expressão própria que é chamado de “xibongo”, nome de uma flor típica desse estado. Outras variações de gírias também são usadas para designar o homossexual masculino como: “biba”, “bambi”, “frutinha”. Tem-se também para designar o valor semântico de menino/menina feios a expressão “cafuçu”, no Ceará, “bacurau”, no Espírito Santo, e “chupona” no Maranhão. A partir destes exemplos pode-se constatar que estas gírias marcam a origem geográfica de seus falantes.

"A gíria dos adolescentes responde parcialmente a uma vontade de convivência no seio da faixa etária". (Calvet 2002, p. 114)

A partir desta idéia, pode-se perceber que as gírias levam os adolescentes a pensarem em uma forma, de se tornarem integrantes de grupos formados por jovens dentro de uma sociedade. Essa interação mostra que além do modo de falar, a maneira de se vestir, pelas músicas e pelos símbolos registrados em paredes e muros, leva os jovens a se tornarem cada vez mais adeptos a esta forma de expressão, que é a gíria. Torna-se comum observar na sociedade atual estes grupos, como: roqueiros, góticos, emos, enfim, tais grupos são exemplos de como os jovens fazem cada vez mais o uso das gírias.

CONCLUSÃO

Conclui-se então que as gírias não existem à toa, pois elas representam mudanças diatópicas, diastráticas e diacrônicas, que são refletidas na língua e são responsáveis pela interação social. Por isso não existe razão linguística para considerá-las como uma forma separada da língua, muito menos como uma forma errada. Pode-se afirmar também que estas práticas linguísticas funcionam como mecanismo de interação entre seus usuários, e que por estarem ocupando cada vez mais espaço no meio social, refletem numa forma de comunicação simples e de melhor compreensão, principalmente para os jovens.

Portanto, as gírias representam o modo de expressão vivida pelos jovens em cada época, mostrando assim seu contexto sociocultural. Não podendo mais ser considerada como uma linguagem de “malandros ou de ““ marginais, pois as gírias romperam este conceito, mostrando-se como um recurso para a comunicação, isto é, uma linguagem generalizada utilizada por todas as classes sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

• CALVET, Louis-Jean. Variações diastráticas, diatópicas e diacrônicas: o exemplo da gíria. In: Sociolingüística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 4ª ed., 2002;

• NARO, A. J. O dinamismo das línguas. In: MOLLICA, M. C. & BRAGA, M. L. (Orgs.) Introdução à Sociolingüística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003;

• BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso:

ciência e senso comum na educação em língua materna. Artigo publicado na revista Presença Pedagógica em setembro de 2006. Disponível em <http://www.marcosbagno.com.br/conteudo/textos.htm/>. Acesso em 17 de Maio de 2010.

• MONTEIRO, Lemos. Para compreender Labov. Rio de Janeiro,Vozes 2000.

Heliomar Clarindo e Ana Lúcia Paiva Ferreira de Mesquita.
Enviado por Heliomar Clarindo em 21/07/2012
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