EDUCAÇÃO POPULAR

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BEZERRA, Francisco de Assis Pinto - Economista e Educador

SAFIRA, Bruna – Aluna do Curso de Licenciatura Pleno em Pedagogia pela Universidade do Estado do Pará – UEPA

De maneira grosseira, a educação popular, basicamente, está ligada a um conjunto de movimentos sociais, cuja bandeira de luta é o acesso à educação (AZEVEDO, 1976). Por este prisma, a educação popular significa um processo de busca de aquisição de conhecimento, ou seja, a educação popular representa um movimento que aspira inclusão escolar.

Outra concepção para se compreender a educação popular é que qualquer educação voltada para o povo era considerada educação popular. Azevedo (1976) diz que esta linha de pensamento teve marco no Brasil colônia, quando a Companhia de Jesus passou a educar índios, negros e mestiços. Com a educação era voltada para estas classes excluídas da educação formal, então este tipo de educação era concebido como popular.

A educação popular, entendida como a busca pelo acesso ao ensino ou, então, uma educação voltada para as classes menos favorecidas se intensificou a partir do século XX, quando as escolas formais passaram a difundir os princípios liberais de igualdade e de justiça. O empresariado brasileiro também apoiou esta reivindicação de “educação para todos”, possibilitando maior acesso a educação básica, pois exigiam maior qualificação da mão de obra nacional, em vista do alto índice de analfabetismo.

Gadotti (1991) desenvolve o conceito de educação popular a relacionando com a busca de melhores condições materiais de vida, visando o bem estar social do povo. Por este aspecto, a educação popular tem conotação de conscientização dos grupos sociais ou comunidades excluídas, o que mostra o aspecto político deste tipo de educação. Esta definição não apenas expõe a divisão, como também indica conflito de duas classes antagônicas: ricos e pobres, inerentes ao sistema capitalista vigente.

Neste último contexto, a educação popular sofre retaliações do sistema. Paulo Ruglus Freire foi um dos primeiros intelectuais a perceber esta tensão de modo tal que, em sua obra “Prática cultural para a liberdade”, este educador apresenta nova responsabilidade para a educação:

A educação deveria, primeiro, transformar o sistema tradicional de ensino e, depois, construir uma proposta para reescrever a prática pedagógica, repensando o sentido político da educação. Contudo, esse processo de transformação deve se dar no contexto coletivo, pois apenas uma pessoa não transforma a sociedade (FREIRE, 1995, p. 39).

Trata-se da educação libertadora da submissão da própria educação formal, elitizada e excludente. Para este pensador, a educação popular libertadora, se bem trabalhada, tem a capacidade para transformar a partir da base, ou seja, na medida em que os excluídos passam a conhecer a reais causas de suas condições de vida, o saber popular se fortalece, podendo resultar na tentativa de transformação da ordem social e política dominante.

Brandão (1984, p. 103) corrobora com o mesmo pensamento de educação popular de Paulo Freire, através da seguinte assertiva: “A educação através da qual ele, o sujeito, não se vê apenas como um anônimo sujeito da cultura brasileira, mas é uma educação que coloca o ‘sujeito coletivo’ como agente de transformação da história e da cultura do país”.

Momento oportuno de se buscar uma definição para o termo popular. Na literatura dominante esta palavra diz respeito ao povo e suas necessidades. Freire (1987) ratifica este conceito, ao trabalhar o popular como ‘alguém que é oprimido’, isto é, aquele que vive sem as condições elementares para o exercício de sua cidadania e que está fora da posse e uso dos bens materiais produzidos pelo sistema econômico capitalista. Por este ângulo, popular ou povo significa parcela da sociedade excluída dos bens e serviços produzidos pelo sistema vigente e dominante.

Diante desta definição, a educação popular assume papel fundamental para estimular a participação coletiva nas decisões da vida política, em prol das suas demandas sociais, com vista a reduzir as disparidades sociais.

Gadotti (1991, p. 44) é catedrático, quando diz que: “a educação popular ganha maior espaço nos governos democráticos, sendo fator de importantes conquistas sociais”. Por conta disso, a educação popular ultrapassa as fronteiras das comunidades, bairros, periferia ou algo do gênero, pois tem representatividade no sistema de educação formal, em vista de alguns saberes populares estarem inclusos nas diretrizes curriculares de alguns Estados brasileiros.

De fato, muitos conhecimentos que são adquiridos com a experiência profissional e/ou de vida podem ser sistematizados nas grandes universidades, cuja práxis pode contribuir para fundamentar determinados conhecimentos ou assuntos.

Brandão (1986) argumenta que afirmação da educação popular passa pela redefinição da educação formal/tradicional, recriando a cultura dominante, colocando no centro das discussões a relação de saber entre as pessoas e as classes. Afinal de contas, para este pensador, a aquisição de saber e do conhecimento passa pela aprendizagem de diferentes culturas.

Para este sociólogo, culturas significam:

Saber popular no sentido de conhecimentos difusos, ou seja, é um saber da comunidade, entendida como parte da sociedade subalterna e, portanto, desigual. [...] Algumas práticas sociais acorrem através das classes populares ou das comunidades sem classes, cujos conhecimentos são transferidos entre grupos ou pessoas, implicando assim na educação popular. (BRANDÃO, 1986, p. 26).

Esta descrição sugere que a educação popular nasce no seio da baixa classe social, a classe subalterna e marginalizada, a qual detém conhecimentos prévios, fruto da sua vivencia e podem ser transmitidas as outras classes. Neste sentido, a educação popular significa aprender a partir do conhecimento do sujeito, como também representa ensinar a partir de palavras e temas geradores do cotidiano dele.

Coloca ainda este autor que a educação popular é distinta da educação tradicional por duas circunstâncias: a) não é uma educação imposta, já que se baseia no saber da comunidade e incentiva o diálogo; e b) possui uma relação horizontal entre educador e educando. Este contexto de ensino aprendizagem possibilita a formação de sujeitos com conhecimento e consciência cidadã e a organização do trabalho político para afirmação do sujeito e da sua classe social.

A educação popular não configura apenas contextos, mas marcam os contextos onde é trabalhada a sua aplicação em diversos espaços, como assentamentos rurais, instituições socioeducativas, aldeias indígenas, ensino de jovens e adultos, etc. Nos níveis de ensino formal (infantil, fundamental e médio) são espaços que há necessidade da inclusão da abordagem da educação popular, porém desde seja uma discussão crítica.

A educação popular também pode ser considerada como um método de educação, desde que sejam valorizados os saberes prévios do povo e suas realidades culturais na construção de novos saberes (BRANDÃO, 1984). Por este viés, a educação popular estimula o sujeito a ter um pensamento e um olhar crítico da realidade a qual está inserido, como efeito do efetivo diálogo entre os membros da comunitária, cuja discussão gira em torno das demandas comuns a todos os envolvidos. Destarte, os sujeitos adquirem consciência cidadã, fator fundamental para a organização do trabalho político e para a construção da participação popular, em prol das suas causas sociais.

Muito embora tenha como fonte os conhecimentos de cada sujeito, Brandão (1984) sintetiza alguns fatores básicos que compõem a educação popular:

- Construção de uma cultura nata popular, em detrimento das ideologias capitalistas;

- Possibilidade da transformação do sujeito em agente político, sob a influência de um educador;

- Construção do conceito de saber popular; e

- Construção de práticas que prime pela efetiva participação do sujeito nos movimentos coletivos.

Quanto à questão do educador popular, Ribeiro (2004) apresenta duas características deste agente:

a) Educador como ponte, que auxilia a passagem entre conhecimento popular e conhecimento acadêmico, fundamentando a ação dos sujeitos e a reflexão. Neste caso, o educador atua como facilitador de aprendizagem, onde o sujeito é o centro das atenções, estimulando suas motivações e autonomia.

b) Educador como mediador, que dar ênfase em mediar o processo dialógico entre os membros da comunidade, cujo resultado seja a produção de novos conhecimentos.

O autor em tela chama atenção de que o educador popular não precisa necessariamente ter atributo de um militante de movimento social ou político, mas, sobremodo, deve: conhecer a realidade em vive o educando; conhecer e distinguir os jovens e os adultos no seu contexto cultural, social e ambiental; e conhecer os elementos específicos e os símbolos que fazem parte do universo dos educandos, visando não apenas uma boa aprendizagem, como também uma relação estável com os sujeitos, ou seja, o educador tem que falar a mesma língua que circunda no ambiente dos alunos.

COMENTÁRIOS FINAIS

Este pequeno ensaio discutiu a educação popular, cujo enfoque foi a construção e o resgate da cidadania, como mecanismo de inclusão em todos os sentidos, como efeito da consciência e mobilização dos sujeitos, em detrimento da atividade pedagógica formal, dominante e imposta.

A leitura e análise dos autores permitiram a seguinte lição e aprendizagem: o aspecto fundamental da educação popular é que ela representa um trabalho coletivo em si mesmo, onde a vivência do saber compartilhado resulta em experiências, cuja âncora é as causas comuns a todos da comunidade. É justamente neste contexto que a educação popular se manifesta, valorizando e problematizando os saberes prévios dos sujeitos das classes populares, porém sem subjugá-los aos saberes elitizados ou científicos.

A educação popular, como ferramenta de participação e de inclusão na vida sociopolítico e econômico, tem grande validade no atual momento contemporâneo, permeado pela globalização, que impõe e acentua um contexto de dualidades: riqueza e pobreza; tradicionalismo e modernidade; autoritarismo e democracia; individualismo e coletivo; exclusão e inclusão; etc. É no bojo destas polaridades que a educação popular encontra o desafio em formar sujeitos conscientes com uma cultura político-democrática e cidadã, garantindo não apenas o espaço no seio da sociedade capitalista, mas condições de vida digna, com acesso aos bens e serviços às classes populares.

“já não se pode afirmar que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1987).

FONTES CONSULTADAS

AZEVEDO, N. E. Uma aposta na desconstrução da subalternidade. São Paulo: Contexto, 1976.

BRANDÃO, C. R. Educação Popular. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.

FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

_______. Medo e Ousadia. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

RIBEIRO, K. Q. S. As Redes de Apoio Social e a Educação Popular: Apertando os Nós das Redes. Anais da 27ª Reunião Anual da ANPED, 2004.

GADOTTI, M. Educação popular comunitária: Notas para um debate. São Paulo: Vozes, 1991.