O Tratamento dado ao Texto Literário no Campo Educacional: o que mudou?

Artigo publicado na Revista Educação Pública (Rio de Janeiro - RJ). Disponível em: http://educacaopublica.cederj.edu.br/revista/artigos/o-tratamento-dado-ao-texto-literario-no-campo-educacional-o-que-mudou

O Tratamento dado ao Texto Literário no Campo Educacional: o que mudou?

Silvio Profirio da Silva

No dizer de Cosson (2009), o texto literário vem, ao longo dos anos, tendo uma abordagem inadequada nas unidades de ensino. Ora, servindo para subsidiar práticas normativas [leia-se análise e classificação gramatical] (ALBUQUERQUE, 2002; ALBUQUERQUE, 2006; BARBOSA & SOUZA, 2006), ora tendo sua abordagem erradicada em prol de outros registros textuais. O fato é que tais posicionamentos didáticos erradicam um trabalho pedagógico que envolva a abordagem dos efeitos de sentidos carreados pela linguagem literária, bem como a formação de leitores literários. O presente trabalho tem por objetivo colocar em discussão as modificações paradigmáticas construídas em prol da Didática do Ensino da Literatura. O que tem ensejando modificações no espaço e/ ou tratamento dado ao texto literário no campo educacional.

Consoante Aguiar e Suassuna (2013), a partir dos anos 60, uma gama de teóricos – como é o caso de: Hélder Pinheiro, Lígia Chiappini de Moraes Leite, Maria da Glória Bordini Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Rildo Cosson, Vera Teixeira de Aguiar etc. – passam a colocar em pauta a Didática do Ensino de Literatura, dando destaque a diversas temáticas correlatas à prática pedagógica do ensino desse componente curricular.

Suassuna e Pereira (2013), em seus pressupostos teóricos, colocam em debate os Postulados da Linguística da Enunciação, os Postulados do Socionteracionismo de Vigotsky, os Postulados das Teorias da Crítica Literária e os Postulados das Teorias do Discurso, com fins a dar destaque às colaborações teóricas desses campos do saber frente ao ensino desse componente curricular.

Segundo Aguiar e Suassuna (2013), a Didática do Ensino da Literatura passa, agora, a conceder primazia a formar leitores literários. Em outras palavras, formar leitores que consigam construir e produzir sentido frente ao texto literário. A escola, agora, passa a trabalhar a linguagem literária colocando em destaque os múltiplos e diversificados sentidos carreados por essa linguagem. A perspectiva polissêmica e plurissignificativa da linguagem literária, agora, é colocada como objeto de debate nas unidades escolares brasileiras.

Aguiar e Suassuna (2013) efetuam uma bem sucedida retomada histórica acerca da Didática do Ensino da Literatura. As autoras citam os postulados de Zilberman (2008), a fim de demonstrar que bem antes do despontar dessa nomenclatura – Literatura – o ensino desse componente curricular já se fazia presente na sociedade grega. Recebia, entretanto, a nomenclatura de Arte Poética, concedendo primazia ao ato de ditar modelos comportamentais que abarcavam as instancias pessoal, social e política das pessoas da época. As autoras supracitadas evidenciam que, no período medieval, a Literatura emerge de forma articulada com outros componentes curriculares - Gramática, Lógica e Retórica - e, mais especificamente, no período do Renascimento, a linguagem literária assume o posto de padrão no que concerne à didática do ensino da língua grega e latina.

De acordo com Aguiar e Suassuna (2013), com o passar dos movimentos revolucionários de caráter burguês, as literaturas nacionais serão inclusas nas propostas curriculares da época. É nessa época que a linguagem literária passará a ser trabalhada nas escolas, com fins a proliferar a língua vernácula. Na fala das autoras, “a língua vernácula presente nas obras literárias passou a ser tomada como modelo de língua homogênea e nacional a ser difundido pela escola” (Idem, p. 8). Dizendo de outra forma, não havia o objetivo de abordar os efeitos de sentidos acarretados pela linguagem literária, mas sim de trabalhar as normas linguísticas [regras da gramática]. Tal postura é corroborada por Silva et al. (2012a) e (2012b), Silva (2013), Silva e Luna (2013a) e (2013b), Suassuna e Pereira (2013).

No entanto, essa não vai ser a única maneira como a Literatura será abordada nas escolas da época. É nesse contexto também que a Didática do Ensino da Literatura vai assumir o posto, ou melhor, uma perspectiva historicista. Em outras palavras, esse componente curricular passará a ser abordado de forma conjunta/ articulada com história cronológica dos fatos. Isto é, não se estudava a linguagem literária, mas sim os acontecimentos ocorridos nas sociedades da época (AGUIAR e SUASSUNA, 2013).

Nas escolas brasileiras, esse posicionamento foi, por muito tempo, utilizado. Ou seja, a Literatura era abordada no campo educacional concedendo primazia a objetivos que deixavam de lado sentidos ensejados pela linguagem literária, dando destaque a outros fatores. No dizer de Aguiar e Suassuna (2013), no Ensino Fundamental, a linguagem literária, ou melhor, o texto literário tinha o propósito de simplesmente retratar, ou melhor, disseminar normas gramaticais, assim como propagar princípios de natureza moral e cívica. E, no Ensino Médio, essa linguagem também tinha o objetivo de proliferar as regras da Gramática Normativa, bem como propagar a cronologia dos acontecimentos/ fatos advindos do campo social brasileiro.

Sobre isso, Albuquerque (2002), Albuquerque (2006) e Barbosa e Souza (2006) tecem argumentos opinativos contrários à maneira como a linguagem literária era abordada nas escolas brasileiras. Dito de outro modo, o texto literário era colocado em pauta, com fins a abordar regras de cunho gramatical. Desses textos, eram retiradas frases e palavras, que, posteriormente, seriam analisadas e classificadas gramaticalmente. Isso está em consonância com Silva et al. (2012a) e (2012b), Silva (2013), Silva e Luna (2013a) e (2013b). Sobre isso, Aguiar e Suassuna (2013) registram em seus postulados o fato de “o que faz o texto literário ser alvo de exercícios mecânicos de fixação da norma culta e ampliação do vocabulário, e ponto de partida para a produção de redações escolares” (Idem, p. 9). Essa posição também é ratificada por Suassuna e Pereira (2013).

Havia, ainda, outra posição didática no que se refere à Literatura. A Didática do Ensino da Literatura dava primazia à abordagem de autores canônicos e suas respectivas escolas literárias, proliferando, em especial, suas respectivas características. Dizendo de outra forma, as escolas literárias, as características de tal escola e os seus autores eram colocadas como objeto de debate nas aulas desse componente curricular. Todas essas duas posturas são denominadas por uma gama de autores da Linguística Aplicada e da Teoria da Literatura enquanto “Ensino Tradicional de Literatura”, como salientam Aguiar e Suassuna (2013).

Suassuna e Pereira (2013) tecem argumento acerca do papel dado à Literatura nas propostas curriculares brasileiras. Na visão das autoras, a esse componente curricular, foi concedida uma perspectiva secundária, a qual se efetivava mediante o pouco contingente de aulas durante o decorrer semanal e, em especial, pelo ato de fazer uso do texto literário enquanto adereço para a realização de análises e classificações linguageiras/ normativas de fragmentos e trechos frasais provenientes de tal texto.

Aguiar e Suassuna (2013) mencionam os postulados da Linguística, da Teoria da Literatura e da Psicologia da Aprendizagem e o seu papel no ato de ensejar modificações na Didática do Ensino da Literatura. No dizer das autoras, a partir dos postulados desses campos do saber, a didática do ensino desse componente curricular passa a primar pela formação de leitores literários, erradicando, desse modo, a postura anterior que tinha como propósito formar “alunos” que simplesmente recebessem e reproduzissem informações relativas a autores e a características provenientes de escolas literárias. Suassuna e Pereira (2013) aderem a esse posicionamento teórico, mencionando os postulados da Enunciação, os postulados Sociointeracionistas, os postulados da Crítica Literária e os postulados do Discurso com fins a trazer à tona seus contributos teóricos desses campos de investigação perante a Didática do Ensino da Literatura.

Aguiar e Suassuna (2013) evidenciam, que, hoje, a Didática do Ensino da Literatura prima pelo ato de formar leitores literários. Para realizar essa faceta, o texto literário e os distintos/ diversificados efeitos de sentido carreados pela linguagem literária são colocados como objeto de debate nas unidades escolares, a fim de levar os alunos a dar sentido a esse tipo de texto. Na ótica das autoras, a linguagem polissêmica e plurissignificativa, ou melhor, as particularidades e especificidades do texto literário passam a ser trabalhadas no campo educacional, com o propósito de formar leitores literários.

REFERÊNCIAS

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SILVIO PROFIRIO
Enviado por SILVIO PROFIRIO em 03/01/2015
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