O Significado da Retomada do Feio na Arte, Segundo Theodor Adorno

Sebastiana Inácio Lima

Introduziremos esse texto falando acerca da história do feio, a partir de Remo Bodei. Segundo Bodei, para falar do Belo é necessário conhecer o feio, o feio pré-existe e toda a definição do belo pressupõe a definição do feio. Todo o esforço da estética (da metafísica do belo) pode ser compreendido, como uma das variações das relações e distâncias recíprocas entre o belo e o seu oposto que é o feio. Primeiramente há uma separação máxima entre o belo e o feio e, seguindo por uma fase de ausência de qualquer discriminação entre os dois, chega-se a última instância considerável que é o feio até como superior ao belo oficial.

Bodei divide a problemática do feio em sete épocas. Na 1ª, o feio é identificado como desordem, assumindo as conotações do erro e do mal, representando a negação de todos os valores contidos na tríade do verdadeiro, do belo e do bom; na 2ª, o feio começa a ser aceito, na teoria e nas práticas artísticas, a partir do Cristianismo que transmite a sua herança ao mundo moderno. A religião cristã adorando um Deus sofredor que padece cruéis tormentos e que fica totalmente fora dos padrões de beleza defendidos pela cultura grega do período clássico; na 3ª, o feio aparece como um ingrediente do belo, uma espécie de sal, que visa a tirar uma insipidez e aumentar a sua intensidade expressiva; na 4ª, o feio não se distingue do belo totalmente. Ambos acabam por se fundirem de modo a dificultar uma distinção entre ambos; a 5ª é representada pelo ensaio Estética do feio, de Karl Rosekranz baseado na filosofia de Hegel. Na filosofia de Hegel, o feio se relaciona com uma nova maneira de encarar a dor, que o Cristianismo introduz na civilização do Ocidente. Na 6ª, o feio já aparece como superior ao belo e já é aceito oficialmente; na sétima época Bodei começa indagando se, “com a etapa atual é possível considerar mais ou menos concluída a trajetória do feio nas suas expressões mais difusas e salientes”1.

Além das considerações sobre Bodei, Adorno também trata acerca da problemática do protesto do feio. Para Adorno2, “é um lugar comum afirmar que a arte não se deixa absorver no conceito de belo, mas que para realizar, precisa do feio como sua negação”. Ou seja, o feio não foi totalmente suprimido, a dissonância, termo técnico que a estética usa para chamar o feio por ingenuidade. Seja como for o feio deve fazer parte da arte ou pelo menos um momento da arte. A harmonia que nega a tensão que a garante, é transformada em um elemento perturbador, falso e dissonante e o seu aspecto de harmonia é levantado na arte moderna como forma de protesto e a partir daí surge algo novo.

Segundo Adorno, tanto a categoria do belo quanto a categoria do feio são igualmente necessárias. A impressão da fealdade da técnica e da paisagem industrial não estão formalmente provadas. Esta impressão remete ao princípio da violência e da destruição, os fins planejados não estão reconciliados com o que a natureza quer dizer de si mesma. Na técnica, essa violência é refletida imediatamente ao olhar para a paisagem e esse cenário só seria reorganizado se houvesse uma reorientação das forças técnicas de produção.

Para Adorno o que aparece como feio é o que está historicamente envelhecido, o que a arte rejeita no caminho da sua autonomia e que é mediatizado em si mesmo.

De acordo com Adorno, a dialética do feio absorve a categoria do belo em si. Para o belo existir ele precisa ocultar o feio, porém o feio ainda está ali nas profundezas e sendo suprimido pelo belo. Essa supressão é um ato de violência. Para haver uma conceituação do belo e do feio a arte precisa arcar com as consequências do formalismo, assim com reza a estética kantiana contra esse formalismo não há a forma artística não está protegida, visto que, “ela se levanta contra a dominação das forças naturais unicamente para a continuar como domínio sobre a natureza e os homens”3. Para Adorno o que é imposto ou acrescentado contradiz secretamente a harmonia.

Adorno agora fala acerca da tríade formada pela: reconciliação como ato de violência, o formalismo estético e a vida irreconciliada. Para ele toda reconciliação é uma violência, há um estranhamento entre o homem e a natureza e para que haja uma tentativa de reconciliação só se for através da arte ou do trabalho. A função da arte é a reconciliação, não somente a arte, mais a ciência, a religião, o direito, são meios de buscar essa reconciliação que é impossível segundo ele.

A arte segundo Adorno deve se ocupar do feio, do que está no subterrâneo da sociedade, do ostracizado, não como forma de transformá-lo atenuando seus defeitos, mas como forma de denúncia do mundo que o cria. Tudo o que o homem foi deixando para trás no caminho do seu esclarecimento é considerado o feio. A arte tem o poder de ocultar o que é contrário a ela sem perder nada do seu desejo e transforma o seu desejo em força. Na essência da arte estão presentes a violência e a morte e na passagem do feio para o belo há violência e morte, para que o belo se institua é necessário que ele oculte o feio. O belo se institui na forma da arte, mas a sua origem é o feio, o disforme, o dissonante, a dessemelhante e o privado de forma. Para ilustrar esse comentário vejamos o que diz Adorno4 sobre a retomada do feio e o surgimento do belo:

[..] Quanto mais pura a forma, maior a autonomia das obras, portanto mais cruéis elas são.[...] A arte oprime o que, no sentido mais lato, elabora, rito da dominação da natureza que sobrevive no jogo[...] o pecado original da arte; é também o seu permanente protesto contra a moral, que pune cruelmente a crueldade. Se, nas novas obras de arte, a crueldade levanta sem fingimento a sua cabeça, ela reconhece assim a verdade segundo a qual, perante a superioridade da realidade, a arte não mais pode a priori sentir-se capaz da transformação do terrível na forma[...] De certo modo, o belo surgiu do feio mais do que ao contrário. Mas, se o seu index, como muitas correntes psicológicas procedem com a alma e numerosos sociólogos com a sociedade, a estética tinha de se resignar[...]

O belo segundo Adorno, intervém na natureza que ameaça o indivíduo através do animismo e da magia, ele afirma que as obras tornam-se belas por força da sua oposição à simples existência. Em seguida ele vai dizer a redução que o belo faz sofrer ao horrível, que é o que o originou e sobre o que ele se eleva, tem algo que impõe diante do horrível. Essa redução, não suprime totalmente o horrível, ele reluta e cerca o belo de forma a matá-lo de inanição. Para a beleza sobreviver ela precisa insistir na luta contra o horrível para poder sobreviver.

Podemos concluir dizendo que, para Adorno, a relação entre o belo e o feio se subordina a relação mais geral ao caminho que vai do mito à ciência ou mundo administrado que é o esclarecimento. O feio, o desordenado, o desprovido de forma recordam a fragilidade da identidade humana e por isso precisa ser ocultado pela forma da beleza. Todos os monstros, centauros e imagens temíveis arcaicas sempre imitam aspectos humanos, já na natureza propriamente dita não há ordem nem desordem, nós é que às vezes olhamos e julgamos encontrar certa ordem ou desordem.

No texto de Adorno encontramos o significado da retomada do feio na arte, de forma que complementa o que estudamos no texto de Bodei acerca do feio em suas sete épocas. Bodei explica que, para conhecer o belo é preciso conhecer o feio e mostra passo a passo como o feio foi se estabelecendo ao longo da história. Duas vertentes que ajudam na compreensão do feio e do belo na arte.

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. Teoria Estética. Tradução de Artur Lisboa Morão. Lisboa: 70. 2006, p. 60-68.

BODEI, Remo. A Sombra do Belo. In: As formas da beleza. Tradução de Antônio Angonese. Bauru, SP. Edusc. 2005. p. 125-169.

Diana Inácio
Enviado por Diana Inácio em 10/02/2017
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