Botsuana! Para que serve ... – para fazer a guerra ou para nada? Em defesa da decoreba na educação escolar básica.

Botsuana!

Para que serve ... – para fazer a guerra ou para nada? Em defesa da decoreba na educação escolar básica.

Lembro que quando tinha por volta dos 13 anos adorava ficar olhando os mapas, localizar os países nos respectivos continentes, as suas capitais e as cidades mais importantes e comentadas daquela época. Me divertia e ficava horas olhando para os mapas. Poxa! A Itália parece uma bota! A capital do Suriname é Paramaribo. A capital da Austrália é Camberra e não Sidney (Sidney foi a cidade escolhida para sediar os Jogos Olímpicos de 2000 e muitas achavam que essa cidade era a capital da Austrália e não Camberra). É na África que fica o maior deserto do mundo. Que o Vaticano era o menor pais do mundo. Olhava as bandeiras e descobri que alguns países do oceano do Pacífico possuíam suas bandeiras com muitos traços semelhantes com o da bandeira do Reino Unido, não era por menos, havia uma explicação, vários daqueles territórios foram colonizados pelos ingleses. Me enchia de orgulho de saber onde se localizava o mar Báltico, o mar Adriático, mar amarelo, o mar Vermelho, o rio Nilo, o rio Tejo. Os afluentes do rio amazonas e tantas outras “decorebas geográficas”.

Depois comecei a comparar os atlas modernos com outros atlas que mostravam a extensão territorial de grandes Impérios. Procurava localizar quais países atuais pertenceriam ao Império Romano naquela época, por exemplo. Com as comparações descobrir que a distância que os cruzados percorreram para libertar a Terra Santa não era tão grande assim, isso para concepção espacial moderna. Era interessante ver como a anexação de um país por outros país ou a dissolução de um país em vários outros modificava o desenho territorial, como ocorreu com a antiga Tchecoslováquia que se dividiu em República Tcheca e Eslováquia em 1993. Continuei a me maravilhar com os mapas até o fim do antigo segundo grau.

Terminei o segundo grau e depois de alguns anos resolvi me matricular no curso de licenciatura em História fornecido pela UVA. Foi quando a FERLAGOS anunciou que abriria a primeira turma de licenciatura em Geografia a notícia me fez pensar se me matricularia em História ou em Geografia, decidi pela Geografia.

Ansioso para a primeira aula, eu estava. Porque no alto da minha soberba juvenil, pensava: “Sei tudo de mapas!” Será muito fácil esse curso!” Queria demostrar a minha decoreba! Doido para que o professor me perguntasse a capital de alguns países ou pedisse para eu localizar no mapa algum deserto no mundo.

Não foi como eu imaginava. As primeiras aulas foram um banho de água fria em minha soberba. O Primeiro livro que o professor Guilherme Ribeiro separou para o estudo da sua disciplina foi “A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra” de Yves Lacoste. Logo nos primeiros capítulos o autor denunciava que a Geografia escolar, aquela que eu gostava, era de decoreba e enfadonha. Não servia para nada. Era um conhecimento simplista e nada crítico. Raso e superficial. Só era útil para forjar a um conjunto de pessoas um sentido de pertencimento ao território que habitavam e assim obedeceriam às regras dos governantes território. Como aconteceu com a França nos séculos XIX e XX. O governo francês produziu e distribuiu livros escolares que exaltava a diversidade francesa para forjar uma coesão social. Com a coesão, ficaria mais difícil outra revolta ou mesmo a perda de território ou movimentos separatistas. Para que decorei todas aquelas informações dos mapas? Não tem valor! Não servem para desvendar nada! Que decepção comigo mesmo!

Passado aquele primeiro suspiro, igual quando se toma banho em um dia frio com o chuveiro no modo natural. Ao entrar naquela água, insanamente se perde o folego, mas logo depois dos primeiros suspiros de frio o corpo vai se acostumando. Pensei, realmente a decoreba de nada serve, infelizmente perdi tempo e me atrapalhou a enxergar além das aparências. Com o passar das aulas comecei a ficar entusiasmado com “a verdadeira” Geografia, começava a acostumar com a agua fria do chuveiro.

A Geografia possuía um saber estratégico, servia realmente para fazer a guerra e mostrava as tramas espaciais para além das aparências. Como Lacoste expôs em seu livro “A Geografia serve ...” os EUA bombardeavam os diques de irrigação no Vietnã para dificultar o deslocamento das tropas vietcongues e destruir plantações, por exemplo. O importante não era saber o nome do rio, mas onde estava localizado e como ele poderia ser usado na guerra. Portanto a pura decoreba do nome do rio não serviria de nada na prática. A partir desse momento, comecei a olhar tudo com desconfia. Queria descobrir o que estava escondido.

E assim progredir. Decorar de cor e salteado nem pensar! Jamais! É a crítica que move o conhecimento. Tenho que ser crítico. Quem crítica, descobre o que está escondido. Criticando, torna-se um intelectual! Com a decoreba, torna-se um ser acéfalo.

Um parêntese, tive bons professores, mesmo que hoje em dia não concorde com o que eles defendem. Destaco um professor que tenho como referência na Geografia e em seu modo de ensinar e tratar os alunos, Guilherme Ribeiro.

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Hoje ao entrar em várias salas de aula vejo a dificuldade de vários alunos em localizar mentalmente ou nos atlas, os continentes, os países mais famosos, as capitais brasileiras e até a configuração territorial do Brasil. Isso porque não estou falando de países pouco conhecidos, como Botsuana! Concluir que algo está errado no processo de aprendizagem dos alunos que tive contato até hoje. Vamos lá!

Ao se tornar os alunos altamente críticos, estamos deixando de construir uma base sólida para que ele possa realmente ser crítico. A criticidade está tão incorporada que esquecesse de outros mecanismos para alcançar o conhecimento, como por exemplo a decoreba e a contemplação. A crítica pura e maliciosa torna o estudante uma pessoa sem essência e altamente relativista, fazendo com que ele próprio não se conheça, desconfiando de si mesmo. É aquela eterna história da tese-antítese-síntese. O educando para não falar aluno, nunca saberá quem ele é e se descobrir, logo desconfiará da descoberta e novamente irá criticar para descobrir o que está oculto na nova descoberta que fez. Com a decoreba não acontece a crise da existência e muito menos precisa saber o que está oculto, até porque não tem nada oculto, ou teria alguma coisa oculta na soma de 2 + 2 = 4? Talvez a astrologia pense diferente. Vejam, o aluno não amará a descoberta, ao contrário, olhará a descoberta com desconfiança. O que existe por de trás da nova descoberta, perguntará o aluno puramente crítico. O ódio e a desconfiança o guiarão na busca pelo conhecimento e não o amor. No crítico, a vontade de destruir é maior que a de construir ou de aceitar algo.

Pergunto: Quem hoje em dia decora um número de WhatsApp? Talvez, muitos decore um ou outro número. Usa-se da facilidade das agendas eletrônica para substitui o pensar, a mente, com isso, atrofia. Quem nunca viu pessoas como certo grau de instrução, certificado por um diploma, não conseguir fazer uma soma simples, como por exemplo, uma menina que conheço que estava trabalhando em caixa de supermercado precisou usar a calculadora para somar dois produtos, um de r$ 25 e outro produto de r$ 6, para me dizer o valor que eu deveria pagar. Dei r$50 reais para pagar os dois produtos, outra vez recorreu à calculadora. Naquele momento, a cidade estava sem energia, ela não podia contar com a máquina registradora que faria o trabalho da soma e da subtração. Pode-se questionar, seria desumano para o caixa ter que somar todos os produtos de todas as pessoas que passam pelo caixa de um supermercado, com a máquina tem mais praticidade e economiza o tempo. Concordo, o dono do mercado não que ensinar ninguém, quer vender suas mercadorias e seus clientes não querem ficar em filas demoradas.

A decoreba saiu de moda e faz falta. Para adquirir conhecimento e ativar a memória também é necessário decorar entre outras habilidades. Não defendo que todos tenham que decorar todos os números de WhatsApp de seus contatos, fazer soma de todos os produtos comprados pelos clientes do supermercado, apenas pretendo mostrar que a decoreba faz parte do aprendizado e possui valor. A crítica também deve ser incentivada, contudo, não somente ela. Por acaso, não estou escrevendo uma crítica?!

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O que me confortou, me aliviou e iluminou meu modo de pensar, depois de anos de angústia e de me sentir culpado por ter decorados todas aquelas capitais, países, continentes, ... foi ler o texto do professor Ricardo da Costa “Para que serve a História, para nada ...” Lá descobrir que nenhum conhecimento é enfadonho quando você quer conhecer aquele objeto de estudo porque você gosta, o conhecimento é prazeroso e movido pelo amor que possuímos por determinada “coisa”. Algumas informações são necessárias adquirir, algumas delas acontece através de decorebas. Quem dera voltasse os ditados e as tabuadas nas salas de aulas. Na Idade Média exigia-se dos alunos a decoreba de livros e textos em latim e em sua língua materna (o livro A inveja dos Anjos de C. Stephen Jaeger é uma referência para o que acabei de afirmar). O texto do professor Ricardo da Costa me mostrou que a crítica por si só, move a mente para um conhecimento receado pelo ódio afastando a mente do verdadeiro conhecimento que se produz através do amor. Leiam o texto do professor Ricardo e busquem o conhecimento através do amor e não através ódio e da malícia.

A decoreba é importantíssima no processo de aprendizagem! Que ela ressurja e seja exigida nos bancos escolares! Viva a decoreba e o saber enfadonho

Hoje sinto a falta que me faz não ter decorado as regrinhas básicas de português. Se as tivesse decorado, não cometeria tantos erros de português e escreveria melhor!

Link do Texto do professor Ricardo da Costa.

Para que serve a História? Para nada... | Idade Média - Prof. Dr. Ricardo da Costa (ricardocosta.com)

Gastão Ramalho
Enviado por Gastão Ramalho em 11/03/2022
Código do texto: T7469941
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