O cérebro dislexo - breve discussão sobre o fracasso escolar
1 INTRODUÇÃO
Quando se trata de ler, para a criança torna-se uma grande dificuldade, ela
tropeça em cada sílaba, mistura os sons, faz adivinhações e, por conseguinte,
frustra-se. A dislexia trata da dificuldade de aprendizagem da leitura e não de um
retardo mental, ambiente social ou familiar desfavorecidos. O que pode explicar o
porquê muitas crianças apresentam dificuldade em aprender a ler relaaciona-se a
uma surdez mal notada, condições de educação precária ou complexidade nas
regras ortográficas.
O objetivo deste artigo é informar e apresentar conhecimentos científicos na
área da ciência cognitiva sobre a anomalia cerebral entendida como a dificuldade da
criança em aprender a ler – a dislexia, e sua implicação no percurso escolar sem o
acompanhamento adequado.
Para apresentar completa definição dessa anomalia cerebral, a dislexia, suas
implicações e possíveis soluções, seguiu-se de perto o trabalho de Stanislas
Dehaene, neurocientista francês, especialmente o capítulo “O cérebro disléxico”, da
obra intitulada Os neurônios da leitura – como a ciência explica a nossa capacidade
de ler (2012), que expõe todas as perturbações, sua origem e superação da
anomalia. O autor, que é Diretor da Unidade de Neuroimagem Cognitiva, Professor
no Collège de France e Membro da French Academy of Science, serve-se das
pesquisas mais fidedignas da neurociência e de seus colaboradores com imagens
precisas e detectáveis da dislexia dos estudos nos últimos trinta anos.
Este trabalho também tem como referência a entrevista de Fernando
Capovilla sobre a Educação Brasileira à Univesp TV e do estudo de Eliza Helena
Ercolin cujo artigo intitula-se Dislexia: mais um diagnóstico para justificar o fracasso
da escola (2008), em que a autora expõe questionamentos sobre a utilidade de se
procurar nos alunos que apresentam dificuldades na leitura e escrita um diagnóstico
de dislexia e, mesmo que eles apresentassem tal anomalia, a escola não estaria
inteiramente preparada para acompanhá-los neste processo, sobretudo, em aulas
de leitura efetiva.
2 DISLEXIA, PERTURBAÇÕES, ORIGEM E SUPERAÇÃO - DADOS
PRELIMINARES
Segundo Dehaene (2012), vários estudos dos autores de genética
comportamental concordam que a dislexia seja hereditária em 50% dos seus
parentes diretos e que a anomalia não é atingida por apenas um gene que conspira
para perturbar a aprendizagem da leitura, mas vários genes que interferem nesta
competência cultural.Pós - Graduação
Dehaene (2012) reforça que o nível mais fundamental dos problemas da
maioria dos disléxicos é o da palavra, pois, quando é solicitado que os pacientes
disléxicos leiam palavras, os erros e a lentidão são aparentes e, consequentemente,
a compreensão de frases e textos fica comprometida. Assim, se o problema
fundamental da criança disléxica é a palavra, a atenção dos estudos direciona-se ao
papel da decodificação fonológica. Para tanto, nota-se a importância do
conhecimento da consciência fonêmica, já que a dificuldade do disléxico reside na
conversão do grafema para o fonema:
A dislexia seria, pois, um distúrbio da leitura de textos, causada por um
problema ao nível das palavras, ele próprio causado por dificuldades na
conversão dos grafemas aos fonemas. Podemos levar a análise um pouco
mais longe? A comunidade científica concorda hoje em pensar que os
problemas de conversão dos próprios grafemas-fonemas provêm de uma
fonte fundamental. A maioria das crianças disléxicas sofre de distúrbios no
tratamento dos fonemas e da consciência fonêmica. É, nesta medida, uma
revolução intelectual: um déficit que parece restrito à leitura seria, em
realidade, engendrado por déficits sutis na análise das classes de sons da
fala (DEHAENE, 2012, p. 257).
O autor menciona Heiki Lyytinen, que juntamente com outros neurocientistas
seguiram crianças disléxicas desde o nascimento cujos pais apresentavam o
distúrbio da leitura, essas crianças, por sua vez, foram classificadas em duas
categorias: grupo de risco e grupo controle. Na idade de sete anos, época de
aprendizagem da leitura na Finlândia, constatou-se que algumas crianças do grupo
de risco apresentavam dificuldades da leitura, sobretudo, dificuldade fonológica da
sua língua. Com efeito, a dislexia é um déficit de percepção dos sons da fala, de
distúrbios da percepção auditiva e, portanto, elas têm dificuldades de detectar a
minúscula diferença temporal de BA e PA.
Franck Ramus, outro pesquisador mencionado por Dehaene (2012),
juntamente com seus colaboradores afirmaram que, seja qual for a razão da dislexia,
o núcleo fonológico é a origem da maioria dos casos que, concomitantemente,
apresentam déficits nas funções visuais ou auditivas, porém, não procede para
todas as crianças. Uma vez confirmada a importância da consciência fonológica é
necessário, contudo, situar o nó do problema na região cerebral, sendo assim,
muitos concordaram de uma importante herança genética da dislexia. Houve,Pós - Graduação
portanto, motivação em uma pesquisa mais aprofundada dos mecanismos
neuronais, pesquisa esta coordenada por Eraldo Paulesu, da Universidade de Milão,
responsável, juntamente com outros colegas, pelas imagens mais conclusivas da
dislexia.
Deheane (2012) descreve o estudo do seu amigo Paulesu que acompanhou
adultos italianos que, em algum momento, apresentaram dificuldades em leitura na
vida escolar. Dos 1.200 estudantes, o neurocientista reteve 18 com nível abaixo da
média que poderiam ser considerados disléxicos, assim, a observação de Paulesu
evidenciou a anomalia muito clara, pois toda a parte do lobo temporal esquerdo do
cérebro foi subativada, com exceção da criança chinesa cuja parte cerebral ativada
é a região frontal média esquerda, próximo da “área de Exner” uma lesão que
conduz a uma agrafia. Portanto, a dificuldade de ler em chinês não reside no nível
fonológico (problema das escritas alfabéticas), mas na memorização de pelo menos
três mil caracteres distintos conduzindo à dislexia “grafomotriz”, das escritas
asiáticas.
Dehaene (2012) retoma o assunto de a dislexia ter fortes bases genéticas,
dados criados na Finlândia, no Colorado (EUA) e na Grã-Bretanha e, como
sabemos, não é apenas um gene, mas, vários que atuam para a implicação das
perturbações disléxicas. Estes genes contribuem para o posicionamento dos
neurônios nas regiões relacionadas à leitura, assim, basta que um neurônio cometa
“um erro” para, então, acarretar em um problema no processo da aprendizagem da
leitura. Dessa forma - se há harmoniosa migração neuronal em direção à região
temporal esquerda e seu devido posicionamento nas regiões visuais e linguísticas –
a aprendizagem da leitura será satisfatória. Essa migração dá-se na gestação sendo
duvidosa a tentativa de uma investigação e sua medicalização.
Como superar, portanto, a dislexia? O autor conclui o capítulo com atividades
extraordinárias cujos resultados são positivos, porém, anteriormente, ele menciona
em suas palestras que há reação por parte dos professores pelo fato da dislexia
estar associada a anomalias do cérebro e que, com desânimo, este assunto
ultrapassa sua competência, a competência dos profissionais da educação na sala
de aula.Pós - Graduação
Já os pais, por sua vez, acreditam que a genética da dislexia está condenada
à perpetuidade, mas é uma inverdade, porque a capacidade de intervenção da
ciência é positiva por meio da psicologia da leitura com reeducação da leitura e os
benefícios da tecnologia com a neuroimagem podendo-se verificar os avanços que
restauram efetivamente as conexões neuronais.
A ação mais importante da superação da anomalia é o aumento da
consciência fonêmica por meio da manipulação das letras e dos sons, dramatizando
os sons das letras.
Um dos exercícios apresentados às crianças, por exemplo, são palavras
próximas (“mala”, “bala”) para que elas percebam os diferentes significados pela
simples substituição de uma letra por outra. Em seguida, mostram-lhes que a
mesma letra m serve para escrever outras palavras, como: “mesa”, “muro”, “mato”,
“medo”, ou “mover”, de sorte que a criança adquira consciência do fonema /m/
correspondendo com o grafema “m”.
Dehaene (2012) explica que o treinamento deve ser pela repetição intensiva
de uma mesma tarefa com descanso e recompensa e, igualmente, a atenção e as
emoções positivas aumentam a aprendizagem.
Vários ingredientes essenciais contribuem para o sucesso desses
treinamentos. Existem, para começar, a duração do esforço e sua
distribuição em sessões cotidianas intensivas e renovadas ao longo de
várias semanas. Com efeito, numerosos estudos demonstraram que a
plasticidade cerebral no homem como no animal é maximizada pela
repetição intensa de uma mesma tarefa, intercalada por períodos de
descanso. Contudo, é também não menos importante que a reeducação
suscite na criança atenção e prazer. A vigilância e a recompensa modulam,
com efeito, a aprendizagem (DEHAENE, 2012, p. 274).
Portanto, a reeducação da leitura é comprovadamente eficaz e a criança
aprende a ler, porém, lentamente, mas se há continuidade na leitura seu vocabulário
enriquecerá, bem como, o conhecimento visual dos grafemas, dos morfemas e das
palavras; porque, como sabemos, o cérebro disléxico tem diminuição das atividades
na região temporal esquerda que, após o treinamento apresenta considerável
melhora no desempenho fonológico.Pós - Graduação
3 UMA CRÍTICA SOBRE O FRACASSO ESCOLAR
Em contrapartida, Eliza Helena Ercolin – psicóloga do Centro de Saúde de
Guarujá e professora na Faculdade de Educação, Ciências e Letras Dom Domencio
– explica que apesar de a escola ampliar o acesso à escolarização, não
desenvolveu, porém, uma política que a tornasse eficiente, tampouco, cumprisse o
que se propõe, visto ser a meta da escola prover melhores condições de vida para a
sociedade. Todavia, gera a marginalização e o insucesso de milhares de crianças e
jovens. Um desses insucessos pode-se atribuir, segundo Ercolin (2008), a
hereditariedade de lesão cerebral acarretando em déficit intelectual e,
posteriormente, em carência cultural, esta última foi a mais aceita.
Outros apontamentos possíveis apresentados pela autora foram a falta de
motivação dos alunos, pouco ou nenhum envolvimento dos pais, a escolha
inadequada do método de alfabetização, falta de recursos materiais, baixos salários
etc., seriam, pois, estas outras explicações. Entretanto, Ercolin (2008) ironiza que –
através dos projetos de lei que tinham como objetivo identificar casos de dislexia,
distúrbio cerebral este usado para justificar as mazelas da escola – rotulou-se,
assim, que todas as crianças são disléxicas.
Obviamente, a culpa é de todos, aponta Ercolin (2008): as verbas são usadas
irregularmente pelos governantes, professores que trabalham até três períodos com
pouco tempo para a preparação adequada das aulas, família pouco escolarizada e a
dislexia. Ora, no afã de se diagnosticar supostos disléxicos não há verificação
adequada, transformando, dessa forma, uma geração de disléxicos falsamente. O
que se nota na verdade é que são apenas crianças com ritmos de aprendizagem
diferentes. já o Professor e Homeschooler Luis Carlos Faria da Silva é mais
contundente ao afirmar que “a escola é perniciosa, sem, contudo, mencioná-la no
nível moral e intelectual, pois, a instituição escolar torna-se ineficaz”em entrevista
cedida para o Canal Como Educar Seus Filhos, do Professor Carlos Nadalim,
disponível no You Tube.
Portanto, não é diagnosticando e rotulando crianças como disléxicas que
reside a resolução da problemática na Educação e, sim, é dever da sociedade, por
meio de uma mentalidade ajustada, que a verdadeira educação deve emergirPós - Graduação
voltada para um modelo clássico de educar e educar-se com o método eficiente de
alfabetização já comprovado nos países desenvolvidos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O método fônico previne a dislexia e educa as crianças, método este utilizado
com sucesso nos países desenvolvidos: Itália, Espanha e Alemanha, pois, as
crianças diagnosticadas como disléxicas são apenas lentas no processo da leitura.
Sabe-se que, se mesmo uma criança não apresenta lesão cerebral, sem o método
apropriado de alfabetização ela não aprenderá eficientemente, tornando-a um
analfabeto funcional na fase adulta, ou seja, aquele indivíduo que lê, mas não
compreende.
Fernando Capovilla, Professor da Universidade de São Paulo, em entrevista a
UNESP TV mencionou que “o Brasil é um dos recordistas mundiais em competência
de leitura e escrita pela UNESCO e OCDE”, ou seja, “é como se fossemos um país
de disléxicos”, acrescenta Capovilla. O fato é que nossas crianças não estão sendo
ensinadas apropriadamente. Nesse caso, a educação tem o dever de ensinar e
prevenir estas crianças adequadamente contra o fracasso escolar. Portanto, de
acordo com o Professor Capovilla, “a dislexia precisa ser identificada logo na
Educação Infantil por causa da plasticidade neural”, por esse motivo precisa-se de
muito investimento nos anos iniciais.
REFERÊNCIAS
DEHAENE, Stanislas. Os neurônios da leitura – Como a ciência explica a nossa
capacidade de ler. São Paulo: Penso Editora, 2012.
DELOU, Cristina Maria Carvalho; OLIVEIRA, Eloíza da Silva Gomes, et al.
Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Inclusão. Curitiba: IESDE Brasil, 2008.Pós - Graduação
ERCOLIN, Eliza Helena. Dislexia: Mais um diagnóstico para justificar o fracasso da
escola. Apresentado ao Revela – Periódico de Divulgação Científica da FALS. Ano II
– N° 03 – Agosto de 2008 – ISSN 1982-646X.
Entrevista sobre a Educação dos filhos e sobre Escola com o Professor Luiz Carlos
Faria da Silva cedida ao Professor Carlos Nadalim do Canal Como Educar Seus
Filhos, em 2013. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=WQKAiEHvC8E&index=9&list=PL81YOAwcHR5iX1uSmg8NzhfOv-gUX9i->
Entrevista sobre dislexia com o Professor Dr. Fernando Capovilla, cedida a Ederson
Granetto na UNIVESP TV (Canal da TV Cultura dedicado a Educação), em 2010.
Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=wL8DLAGG-Pg>
SILVA, Aline Maria da. Educação Especial e Inclusão Escolar – História e
Fundamentos. Curitiba: Editora IBPEX, 2010.