No Brasil, a filantropia do entretenimento supera a filantropia social

No Brasil, a filantropia do entretenimento supera a filantropia social

por Márcio de Ávila Rodrigues

[21/12/2020]

Filantropia é uma palavra de uso constante no primeiro mundo; e apenas ocasional no Brasil.

Não falo das doações de pequena monta, que caracterizam a caridade.

Falo da doação de valores vultosos para entidades ligadas à assistência social, saúde, educação, pesquisa científica e outras atividades voltadas para a evolução da sociedade.

Entendo que a causa é a falta de confiabilidade das entidades (brasileiras) que poderiam receber tais recursos.

Com a profusão de notícias de golpes e erros administrativos em entidades teoricamente voltadas para as atividades acima citadas, os potenciais filantropos só se arriscam em ajudar aquelas que parecem bem confiáveis.

Esse fenômeno tem proporcionado o desvio desses recursos para uma área que não deveria ser a primeira opção.

Refiro-me ao futebol.

Praticamente todos os grandes clubes brasileiros já passaram por crises financeiras provocadas por má administração ou mesmo desvio irregular de recursos.

Acompanho melhor os casos de Belo Horizonte por ser essa a minha sede, mas considero que, sendo uma questão cultural, não faltam exemplos por todo o país.

O Clube Atlético Mineiro encontra-se em um bom momento, tanto esportivo quanto administrativo, mas passou por uma administração desastrosa nos anos 1990 e só se reergueu com aportes estratégicos do empresário Ricardo Guimarães, dono do banco BMG.

Além dele, que ainda permanece como benfeitor (mecenas), ajudam com grande apoio financeiro outros megaempresários: Rubens Menin e seu filho Rafael (MRV Construtora) e Renato Salvador (Hospital Mater Dei).

Já a crise do Cruzeiro é mais recente, o estouro foi em 2019. A crise financeira foi tão gigantesca que, sem o apoio de grandes aportes financeiros, a possibilidade da falência seria real.

E o socorro chegou através do empresário Pedro Lourenço, proprietário dos Supermercados BH. Ele tem poder econômico suficiente para alavancar o processo de recuperação. Outros empresários bem ricos foram citados pela mídia pela participação efetiva na recuperação econômica.

Obviamente, existe algum tipo de retorno para esses investidores. Fazem publicidade em áreas e locais dos eventos dos clubes e divulgam uma imagem simpática. Esse marketing retroativo também é útil para o convencimento de sócios e parentes.

Mas não tenho dúvida de que o valor despendido supera, de longe, esse tipo de retorno. Futebol é uma atividade milionária.

É uma filantropia entre aspas, pois a finalidade é desportiva, está muito longe do assistencial ou do social.

É um dinheiro que realmente sobra no largo bolso de seus donos. Inseguros quanto ao risco de desvio por eventuais espertalhões, dão preferência ao suprimento das paixões e da vaidade.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.