C.E.C.A - 1 "SÉCULO" DE CAPOEIRA

C.E.C.A. - 1 "SÉCULO" DE CAPOEIRA

"...a história da Capoeira é marcada por

inúmeros mitos e semi-verdades", etc.

(citado em tese de L. Renato Vieira e

Matthias Assunção - 1998, pag. 2)

A leitura dos Manuscritos, tanto o de mestre Pastinha quanto o de me. Noronha (que conheci lá por 1994, em primeira mão, em livreto me enviado por mestre de Brasília) me fez concluir que 1) a Capoeira dos anos 1920/30 não era só de adultos, apesar das fotos da época, e 2) a perseguida e vilipendiada Capoeira não era tão proibida, pelo menos em Salvador. Mestre Noronha nos informa sobre o convite das Igrejas a fim de que seu "Conjunto" -- leia-se Grupo de "capoeiras" -- se fizesse presente nas festas de Padroeiras e padroeiros. Era pouco... os "baderneiros" visitavam cidades próximas e, na Capital, todos os Morros que existiam (35 são citados) e os que estavam por vir. Havia até "morro dentro de Morro", a julgar pelos títulos:

"Morro da Gamboa" e "Gamboa do Morro" ! (pag. DN-25)

Achei "ter descoberto a pólvora" ao ter certeza que o grupo que mestre Pastinha recebeu ("para cuidar") em 23 de fevereiro de 1941 -- um domingo, certamente -- não era somente de diversão dominical, uma Roda mensal ou semanal eventual, mas Grupo estruturado. O excelente portal CAPOEIRA HISTORY.COM aponta isso -- no item "Textos clássicos da Capoeira" que traz por título "7 - Origem do CECA" -- ao apresentar os manuscritos de Daniel Coutinho, vulgo mestre Noronha. Não conheço a geografia de Salvador mas aposto que o endereço final do futuro CECA seria no bairro da Liberdade (belo nome !) e a Ladeira das Pedras pode até ser o famoso "Perolinho19" (*1), porém Vicente Ferreira não teve vida tranquila ao receber -- das mãos de Amorzinho, segundo a "lenda" -- o Grupo para ... "tomar conta", por sugestão e incentivo "da esposa" (pag. VP-170) do controverso "ABR", digo, Aberrer ou "Aberrê". (Agora, surgiu um "outro"!, dizem.)

Nem seria necessário, Noronha e Pastinha já andavam juntos uns TRINTA ANOS antes desse festejado 1941. (ver pag. DN-44, *2) Porém, a alegria durou pouco... com o falecimento em 1943 do guarda civil "Amouzinho" (um nome a conferir, aqui no bairro temos família de músicos com o sobrenome MOUZINHO, bem português) "o CECA foi abandonado por todos os Mestres" (pag. VP-61). Concluí precipitadamente que o amor (?!) do Grupo ao novo "chefe" seria menor que a consideração dada ao morto, o guarda-civil... creio ser mais correto supor que, pela sua função, o guarda civil PROTEGIA o pessoal todo que praticava aquela "Arte marginal", contravenção proibidíssima no país inteiro, "menos na Bahia".

Noronha, já na "baderna" aos 8 ANOS (igual a Pastinha e "Bimba") declara que... "em 1917 famos convidado para uma Roda (...) que só tinha gente bamba, todos elles estava combinado para nos escurasar JUNTO COM A PRÓPRIA POLÍCIA. A Roda de Capoeira ERA DE UM SARGENTO da Polícia Militar", (etc, pag. DN-30) Nenhuma surpresa nisso... Pastinha se diz ENSINANDO Capoeira dentro de um Quartel naval, a partir dos 13 ou 14 anos -- segundo alguns nasceu em 1888 e teria por prenome um suspeito Joaquim -- isto de 1902 a 1909, quando "deu baixa". (pag. VP-77)

Como seria INCONCEBÍVEL (essa palavra me irrita !) que Vicente virasse "dizordeiro" depois de passar pela disciplina militar, "imagina-se" que foi arruaceiro entre os 10 e 13 anos, "escolhido" franzino e miúdo para ser SEGURANÇA da tal "casa de jogo" narrada por ele em seu memorável LP de 1965 ou 68. "SEM IMAGINAÇÃO não se reconstrói o Passado", escreveu pesquisador "perdido" no emaranhado de verdades conflitantes.

(OBS: retomo o texto em 18/março, às 4hs da madrugada)

*** **** ****

Mestre Noronha dá duas versões para o abandono do pessoal (em 1943 e, adiante, em 1947), a partir das mortes de "Aberrê" (set./1942) e de Amorzinho, pouco depois. Aqui temos um "caroço no angu": Daniel Coutinho narra (pags DN/17 e 72, *3) que só entregou o "Conjunto" APÓS A MORTE do guarda civil, logo não teria sido em 23 de fevereiro... de 1941 ! (Se "desdiz" na pag DN-32) Isso importa muito pouco !

Segundo Noronha 1) se afastaram devido às interferências de uma certa Nice, que seria esposa de Pastinha (pag DN-61) e, 2) talvez pela ligação do mestre "com os famosos". (pags DN-61 e VP-...) (Não ficou claro se falava de me. Bimba, "eterno assunto" dos dois angoleiros.) Vou além: 3) a série de REGRAS e proibições (pag. VP-75) deu um bom motivo para boa parte deles "desertar" mas, 4) "dividir" o Grupo em 5 ou 6 pequenos cargos de "Mestria" (?!) deve ter causado uma ciumeira danada nos preteridos. (pag VP-58)

Pastinha era persistente, recriou o Grupo em 1944 e, depois, em 1949/50 porém, curiosamente, não o presidia. A Capoeira resistiu aos séculos de perseguição por sua junção "com famosos", a gente importante de cada época e lugar. Em Salvador não foi diferente !!! Quero crer que os presidentes iniciais do CECA estavam "nessa linha" (pag VP-85), tinham nome e sobrenome... o mais espantoso era uma relação de mais de 70 NOMES de "contraventores" registrada em cartório somente em 1º/out. de 1952, em ata da fundação OFICIAL do CECA, e não em 23 de fevereiro de 1941, como dá a entender o manuscrito de Pastinha. (pag. VP-59 et all, *5) *** Normalmente os Cartórios exigem a presença dos diretores principais, que "abrem firma" lá, todos e cada um, para que se possa REGISTRAR efetivamente a Entidade. Pelo visto, não foi o caso do C.E.C.A, já que em set./1952 era presidente dele o PSSilva e não os ANTIGOS, os que fundaram o Grupo. *** Tenho a impressão que cada mandato durava 3 anos... logo, tivemos Athalydio em 1949, o PSSilva em 1952 e o dr. Wilson Lins em 1955... as pags VP-61 e 62 praticamente "comprovam" que o tal Estatuto teria nascido em 1949/50 !

Considerando que Noronha teria criado seu Conjunto, já adulto e com uns 20 anos, isto lá por 1930 -- este nas cores VERDE E AMARELA, segundo ele (DN-60)-- o atual CECA, "nascido" do (ex)"Conceição da Praia" estaria prestes a completar 100 ANOS. (Li em algum lugar que tais cores seriam branco e AZUL !) Tudo inútil... o espertalhão (feito presidente) escalado para registrar o Centro, (só em 1952) mudou por conta própria as cores marrom e amarelo para branco e vermelho, além de se dizer "idealizador e fundador" do CECA. Pastinha teria feito RETIFICAÇÃO no Cartório. (rascunho na pag VP...) no mesmo dia (?!) do registro oficial, o que significa que ele não acompanhou o sujeito no dia 1º de out./1952 (VP-157)

(N.A. - sempre se disse que as cores marrom e amarelo eram do Clube YPIRANGA, paixão de Pastinha. No seu manuscrito nada consta sobre sua escolha.)

Estranhamente, quando houve demonstração pública -- a primeira delas já em 1955 para o BISPO... da França -- da Capoeira "GENUINAMENTE ANGOLA" (pag. VP-88... haveria outra ?) em 24 de julho de 1957, o sr Paulo dos Santos Silva (PSSilva, no rascunho do convite oficial) continuava com Pastinha, que anotou em seu Manuscrito... "Eu não tenho conhecimento da RENDA", isto com os ingressos a CR$ 20,00 !

*** ***** ****

Para fins históricos, Noronha e Pastinha já se conheciam pelo menos desde 1914 (*4 - ver pag. DN-44) e o tal menino (de 5 ANOS ?) descrito na cena seria o próprio Daniel Coutinho. Vicente declara ter "parado" entre 1913 e 1940, porém admite ter dado aulas "na rua Santa Isabel entre 1910 e 1912" (pag. VP-77), logo, por mais de DOIS ANOS no centro de Salvador. Me é difícil aceitar que, enquanto "capoeira", não participou de Rodas e de eventos dela por todos esses 27 ANOS. (OBS: também deu aulas POR 8 ANOS no Quartel da Marinha, de 1902 até 1909, suponho que em Salvador.) Ouvindo seu depoimento em LP de 1965 ou 68 somos "induzidos" a pensar que NINGUÉM lá no Gengibirra o conhecia. Ora, se até o famoso delegado Álvaro Covas ("protetor dos capoeiras", conforme Noronha) ouvira falar dele, muito mais os "dizordêros".

-- "Traga seu Mestre aqui, precisamos conhecê-lo" !

São as HISTÓRIAS e "estórias' da Capoeira(gem) !

"NATO" AZEVEDO (em 9 e 18/março de 2024, 5hs)

************

OBS: (*1) - o CECA mudou para a Ladeira do Pelourinho 19 (vindo de Brotas) em maio de 1955, tendo por presidente na época WILSON LINS, (pag VP-85) a "chave" para "desvendar" os "enigmas" deste Manuscrito. Lins era escritor (segundo o portal "Capoeira History") e membro da Academia Baiana de Letras, o que "esclarece" várias coisas.

(*2) - o que vemos nas 4 páginas (de VP-153 a 156) é uma reprodução, CÓPIA da Ata original com 67 NOMES -- o 48 - Manoel Menezes é repetido no 68 -- e acrescentados quase trinta outros À LÁPIS (?!) nos Manuscritos. De onde saíram TODOS esse nomes ?! (Noronha diz que "os famosos" vieram depois, os "NOVOS DONOS" do Grupo antigo.) Me é difícil ver o "desconhecido" Pastinha indo -- de pasta na mão, com livro de Ata, tinteiro e pena, mais "mata-borrão" -- VISITAR o Grupo, este com apenas uns 15, 20 ou 25 "capoeiras", SÓ MESTRES ! (*5) (N.A. - meu irmão chama a atenção para as fotos e filmes daquela época... mal se conseguiam 8 ou 10 "capoeiras", para as imagens.)

(*3) - já senil aos 65 anos -- quando narrou suas Memórias -- me. Noronha deve ter se equivocado sobre a época da entrega do Grupo... tanto é que "se desdiz" em outra página. (DN-32):

"...PASTINHA, que viemos CONHERSER por intermédio do mestre ABR", etc.

(*4) - não tenho dúvida de que se trata DE UM 4, portanto, 1914 ! No mesmo texto "2 bangallas / 2 muleitas" têm grafia diferente... isso importa muito pouco, é por certo um evento BEM ANTERIOR ao badalado 1941. Aliás, mais um vez "Bimba" sai na frente ! ME PARECE que seu "Luta Regional Baiana" TERIA SIDO registrado antes de out./1952, após visita do Governador baiano (ou de G. Vargas) à sua academia. Quem quiser que confirme tal hipótese ! Note-se que registro formal NÃO É FUNDAÇÃO, porém é o que vale nos meios oficiais, para fins burocráticos. Daí o incentivo para se registrar logo, apesar dos custos cartorários. E exigem a PRESENÇA dos Diretores e Presidente, para efetivar o registro oficial... quero crer que isso não sucedeu em 1952, porém o sujeito que fez o Registro ERA o Presidente efetivo DO CECA... e agora ?!

(*5) - Fica difícil entender a insistência do mestre pela "criação" do Grupo em fev./1941, quando admite que o pessoal se dispersou a) lá por 1943, após a morte do guarda civil e, adiante, b) em 1947 ou 48, tendo se firmado somente c) a partir da terceira tentativa, ao que parece em 1949... (ver pags VP-1-2). Graças a um certo Ângelo Daniel DOS REIS (seria parente do criador da Regional ?!) o CECA "engrenaria" de vez, isto em 1955.

Considerando a existência da ATA desde 1941, então me. Pastinha não a registrou antes de 1952 porque:

1 - não tinha mais o Grupo (até 1949/50) e NEM DINHEIRO para isso.

2 - nunca teve dinheiro para o tal Registro e levou vários anos procurando quem poderia fazê-lo.

3 - é estranho ver que, na reunião de set./1952, ainda SE MEXIA no Estatuto... PSSilva propoz a MUDANÇA nas cores, "...o que não foi aceito pelos demais membros", conforme cita Pastinha (VP-86-7). Contudo, no Cartório -- sem a presença do mestre -- ele o fez à revelia de Pastinha, provocando irada RETIFICAÇÃO (com letra esquisita) no mesmo dia. (VP-157)

São os "MISTÉRIOS" do Manuscrito !

(COMENTÁRIOS finais feitos em 23/março de 2024, 4hs)