Livro (Mesa da Flip)

O livro (capítulo 1)

A Mesa 5 da Flip 2010 teve como tema recorrente : “O livro”, e foi dividida em dois capítulos o do dia 05 contou com Peter Burke; Robert Darnton e a mediação de Lilia Schwarcz (pesquisadora da USP).

Primeiro vou fazer uma pequena biografia dos dois mesários para que possamos entender o ponto de vista de cada um.

PETER BURKE nasceu em Stanmore no ano de 1937 é um célebre historiador inglês. Foi professor-visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP de 1994 a 1995, período em que desenvolveu o projeto de pesquisa denominado “Duas Crises de Consciência Histórica.”

Vive em Cambridge juntamente com a sua esposa, a historiadora brasileira Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Burke é considerado um especialista na Idade Moderna Européia e em assuntos da atualidade, priorizando a relevância de aspectos socioculturais nas suas análises. É autor de mais de trinta livros, muitos deles publicados no Brasil.

ROBERT DARNTON nasceu em Nova York em 1939 é historiador norte-americano, formado em Harvard, Estados Unidos, e com doutorado em história na universidade inglesa de Oxford, especialista em história da França do século XVIII, com estudos focados no Iluminismo, na Revolução Francesa e no mundo literário.

Durante muitos anos professor da Universidade de Princeton, Darnton é hoje diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard, a segunda maior do mundo, após a do Congresso Americano. Sua missão é a de digitalizar e tornar acessível gratuitamente pela internet o conjunto da produção intelectual de Harvard.

A fala dos dois se inicia através de uma piada muito contada no meio literário: “O segundo livro publicado na imprensa de Gutenberg era sobre a morte do mercado editorial”, deste modo, os dois especialistas em história da leitura e da mídia, mostram como essa discussão remonta aos inicio da era moderna e está longe de acabar com os Ipads, Kindles e as novidades tecnológicas.

Para DARNTON a história literária é muito complicada, ele questiona:

“Quantos livros atingiram os leitores e o que eles significavam, por exemplo, na sociedade da revolução moderna (francesa). Que outros livros além da enciclopédia os franceses liam?

Nas suas pesquisas Robert valoriza sob medida a “República das Letras” ao contar sobre os seus estudos na mesa da Flip:

“Quando olho para trás, fixo-me no século 18, no Iluminismo, em sua fé no poder do conhecimento e no mundo de idéias em que ele operou (a que o iluminista se referia como República das Letras). O século 18 tinha no seu imaginário a República das Letras como um reino sem polícia, sem fronteiras e sem desigualdades, exceto as determinadas pelo talento. Qualquer um podia juntar-se a ela exercendo os dois atributos primordiais da cidadania: escrever e ler. Escritores construíam idéias e leitores as julgavam. Graças ao poder da palavra impressa, os julgamentos se estendiam por grupos mais amplos, e os argumentos mais fortes venciam. A palavra se espalhava também por cartas escritas, pois o século 18 foi uma grande era de intercâmbio epistolar. Lendo a correspondência de Voltaire, Rousseau, Franklin e Jefferson (cada uma formando cerca de 50 volumes), é possível observar a República das Letras em operação. Esses quatro escritores debatiam todas as questões de seu tempo numa sequência contínua de cartas que interligava Europa e América numa rede de informação transatlântica.

Eu aprecio particularmente a troca de cartas entre Jefferson e Madison. Eles discutiam de tudo, especialmente a Constituição dos Estados Unidos, que Madison estava ajudando a escrever na Filadélfia, enquanto, Jefferson representava a nova república em Paris. Eles escreviam amiúde sobre livros, pois Jefferson amava visitar as livrarias da capital da República das Letras, e com frequência comprava livros para o amigo. As compras incluíram a Encyclopédie de Diderot."

Mas, ele conta que: na prática, a República das Letras “era dominada pelos bem nascidos e pelos ricos. Longe de poder viver de suas plumas, a maioria dos escritores tinha que cortejar patronos, solicitar sinecuras, fazer lobby por nomeações para publicações estatais, esquivar-se dos censores e disputar seu acesso a salões e academias onde as reputações se faziam. Enquanto sofriam injustiças nas mãos de seus superiores sociais, eles se voltavam uns contra os outros.

O que corroeu a famosa republica, sem dúvida passa pelos privilégios! Eles não se limitavam a aristocratas. Na França, eles se aplicavam a tudo no mundo das letras, inclusive pela impressão e o comércio de livros, que eram dominados por guildas exclusivas, e os próprios livros, que não podiam sair legalmente sem um privilégio real e a aprovação de um censor impressa com todas as letras no texto deles. Mas, mesmo com todo esse problema os escritores editavam! Na lista dos mais lidos estava a biografia de Madame du Barry, amante de Luís XV feita por Madame Campan, camareira-mor de Maria Antonieta, nas suas Memórias. Ele conta que assim descobriu uma veia de livros eróticos e entre os “best-selllers” antigos estavam os livros pornográficos.

Peter Burke declarou: que se sente desconfortável e privilegiado vendo como o papel do livro vem mudando nos últimos 30 anos. Em suas observações ele se diz desconfortável com o fato de o livro de papel, e o papel em si, estar perdendo importância.

“Meu pai vendia papel, e eu adorava ficar na biblioteca folheando livros”, lembra. Ao mesmo tempo, está feliz por, como historiador, poder presenciar essa mudança. Percebi que aqui em Parati o livro em papel ainda tem fôlego!"

Os dois pesquisadores falaram de como os livros viravam cultura oral. Segundo os historiadores, um livro publicado era contado às pessoas, e acabava virando história falada.

Burke e Darnton mostraram não serem contra a lei de direitos autorais, mas sim contra a privatização da cultura.

“Na França, antes da Revolução, foi estipulado que os direitos autorais valeriam durante 14 anos, podendo ser renovado uma vez”. Darnton reclamou que há livros do período de 1800 que ainda estão sob direitos autorais, e que aumentar ainda mais esse intervalo seria um ato negativo para a cultura, pois estariam apenas fazendo comércio.

Darnton e Peter Burke falaram ainda sobre o “perigo” que os livros poderiam trazer à um governo, e a sua grande importância para uma época onde muitos não tinham acesso à leitura, mas que mesmo assim mudava opiniões e escreviam a história do mundo. Já no final, Lilia Schwartz levou o assunto para a próxima mesa, fazendo uma pergunta aos historiadores sobre o que eles usavam: Kindle ou iPad. Ambos responderam que preferem os livros físicos.

A Mesa 2 a discussão irá se voltar para o futuro do livro envolvendo as novas mídias digitais e novos hábitos de leitura.