JOSÉ MARIA NASCIMENTO: MEIO SÉCULO DE POESIA

José Neres

1960. O mundo passa por grandes transformações. Vários países africanos, após anos de conflitos, conquistam a independência. O Chile é abalado por um terremoto que ceifa milhares de vidas. Kennedy é eleito presidente dos Estados Unidos. O mundo dá adeus ao romancista Alberto Camus e à psicanalista Melanie Klein. No Brasil, a inauguração da nova capital é a grande notícia estampada em todos os jornais, dividindo espaço com a eleição presidencial que teve como vencedor o advogado e professor Jânio Quadros.

Foi nesse tumultuado momento histórico e embalado pelo sucesso “It’s now or never”, na voz de Elvis Presley, que o Maranhão recebeu “Harmonia do Conflito”, livro de estreia do poeta José Maria Nascimento. Se, para muitas pessoas, lançar um livro pode ser apenas uma forma de satisfazer o ego, para Nascimento era bem mais do que isso. Era uma tentativa de por seu nome entre os grandes escritores da história da literatura maranhense.

No lugar de se contentar com a primeira publicação, o poeta foi apurando seu estilo, participando de concursos, ganhando prêmios e publicando outras obras, até atingir a maturidade literária e solidificar seu nome como escritor de grande talento e detentor de grande sensibilidade artística.

Poeta que retira da própria carne e das dores mais íntimas o combustível para a confecção de seus versos, José Maria Nascimento traduz em poesia momentos que oscilam entre o sublime e o desespero, em uma obra marcada pelo fortíssimo tom confessional, por um lirismo profundo e uma consciência social a respeito do mundo que o cerca. Ou seja, mesmo marcado pelas invisíveis cicatrizes interiores, o escritor não deixa de levantar os olhos para ver e denunciar as inúmeras mazelas sociais que atormentam seu povo.

Em um de seus mais belos livros, A Santa Ceia dos Renegados, Nascimento faz um grande passeio pelas partes mais marginalizadas da Cidade e mostra que, lado a lado, convivem ricos e pobres, mas que há um muro afastando um homem do outro. Esse muro é uma belíssima metáfora das diferenças sociais e das indiferenças humanas ao mesmo tempo. após homenagear com um banquete de palavras e de poesia os mais folclóricos “desocupados” da Ilha, o poeta reflete sobre a máxima cristã que afirma ser o homem o sal da terra, e acrescenta dizendo que “Sem o sal do nosso suor / os potentados comem insosso”.

Ao longo de toda sua obra, como um fio condutor temático, o poeta despeja em seu eu lírico uma grande carga filosófica. Mas não se trata de meramente citar passagens pinçadas dos grandes pensadores da humanidade. O que ele faz é transformar as experiências particulares em sensações poéticas que podem ser compartilhadas com outras pessoas que passaram por momentos semelhantes, mas que não tiveram a oportunidade de transformar em palavras aspectos significativos da própria vida. Por isso não é estranho que o leitor se identifique com variadas passagens dos livros do poeta maranhense.

Em seu “Viajantes do Entardecer”, José Maria Nascimento faz uma longa reflexão sobre a velhice e a morte. Em um tom de lamento e de nostalgia, mas não de despedida, o poeta relembra os estágios de uma vida. E, em uma retomada de um famoso poema de Cecília Meireles, busca momentos que jamais voltarão:

Onde ficou o sorriso

que guardavas puro?

O deslizar das mãos

no meu rosto triste?

Onde ficou o leito

do nosso suave sono?

Os cães de estimação,

as cabras e as frutas?

Onde ficou a infância

no embalo da alegria?

A bicicleta de Gulliver

pelas ruas do Areal?

Onde a caixa de lápis,

suas cores variadas?

Os primeiros desenhos

dos triângulos obscenos?

Em 2010, cinqüenta anos após sua estreia, José Maria Nascimento já não precisa provar nada a ninguém. Sua obra fala por si mesma. Hoje ele um homem que tem plena consciência de que já fez sua “Colheita de Cáctus”, servindo poesia na “Santa Ceia dos Renegados” para os “Hóspedes da Província”. Ele saboreou os “Frutos da Madrugada” e, aproveitando “O Silêncio em Família”, após anos de “Turbulência”, aproveita seus “Verdes Anos da Maturidade”. Ele, em uma verdadeira “Constelação Marinha” de bons versos, faz os leitores se sentirem eternos “Viajantes do Entardecer”.

José Neres
Enviado por José Neres em 02/12/2010
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