PARECERES SOBRE O CORDEL

Solicitado pelo ilustre poeta Miguel Jacó para opinar sobre a ocorrência ou não de cordéis com estâncias de quatro versos, enumeramos, a seguir, sob pontos de vista inteiramente pessoais, sem qualquer erudição nem especialização no assunto, os seguintes tópicos:

1- De fato, tradicionalmente, os mais antigos “folhetos de cordel” se inscrevem na linha das estrofes com feitura em quintilhas, sextilhas, setenas ou setilhas (mais raras), oitavas, nonas e décimas.

2- Em razão das mudanças e variedades dos gêneros de composição, nada mais natural que também os estilos de época se transformem e se multipliquem. Há pouco mais de dois anos não sabia sequer o que era o “indriso”. Verdade que medíocres, atualmente já os fiz às dezenas.

3- A dita “literatura de cordel”, de altíssimo teor e preferência populares, como seria de se esperar, faz muito que já deixou de ser exposta apenas nas feiras, estendida em varais de cordas, cordões e/ou cordéis. Nos dias atuais, ela está nas vitrinas das lojas de artesanato, de discos, casas de cultura, quiosques, bancas de revista, etc., até mesmo nas livrarias.

4- Aqui, sem dúvida, o nosso parecer mais polêmico: ao nosso modesto entender, a designação de “literatura de cordel – e o parecer é de um leigo, que apenas a exercita sem quaisquer veleidades, pois nem poeta e nem “cordelista” sou – dever-se-ia, atualmente, chamar-se de LITERATURA POPULAR.

5- Nesta “literatura popular”, sem necessidade de estâncias de forma fixa, como já existem as variáveis, na prática, embora que de modo esporádico, se enquadrariam as trovas – estas composições, sim, sempre em quadras, não obrigatoriamente rimadas, mas sempre confeccionadas em redondilhas maiores (versos com sete sílabas métricas), além dos improvisos dos cantadores de viola, enfim, todo o vasto material da poesia que normalmente se classifica como “de cordel”, bem ao sabor da preferência do povo.

6- Sem dúvida que as redondilhas, sobretudo as chamadas “redondilhas maiores”, têm muito mais força e aplicabilidade no fabuloso acervo da poesia simples e de cunho popularesco. Opino que o uso dessa medida já pontua para a banda da cultura popular.

7- Ora, já o soneto – que, em tese, é uma composição nobre e fixa – na Inglaterra sofreu macaqueação, passando a ser assim: o “soneto inglês” ficou com três quadras e, em vez de duas e dois tercetos, como tradicionalmente, lá desde a Idade Média, somando-se, ao todo, quatorze versos, além de uma estrofe de dois versos (dístico). Não pegou o modismo? Mas há que se convir que uma inovação relevante.

8- Os modernistas, dentro e fora do Brasil, em se tratando de inovações, pintaram e bordaram, quando aboliram a métrica e as rimas, com exceções, aqui e ali. É claro que nem todos os nossos modernistas da Semana de Arte, de 1922, aboliram o formalismo da Arte Poética, ou só o fizeram foi por espírito de inovação.

9- Quando, nos nossos simplórios textículos, sem intenções de que sejam considerados peças de menestrel de verdade, mudamos a rigidez formal dos textos clássicos de grandes e renomados cordelistas, improvisadores e poetas populares, nada mais desejamos do que registrar maneiras várias e inovadoras, e sem querer fazer seguidores nem escola. Aliás, nós – ou seja, a pessoa eu – é que estou imitando, pois alguns raros cordelistas usam quadras em suas produções.

10- Em “Os catadores de siri (A vida nos mangues do Recife)”, o renomado poeta e escritor cearense José Alcides Pinto (falecido), pratica estrofes de feitura mista, com predomínio nas quadras. O curioso é que ele faz uma observação, no frontão do seu folheto, assim: “Este ‘Cordel’ não é Cordel”. Mas, opinião nossa, pessoal, é cordel, sim: literatura popular, com apenas 21 páginas. Há, ainda, aqui, sobre a mesa, da autoria de um sacerdote, o padre Jocy Rodrigues, a “Declaração Universal dos Direitos Humanos”, carta que foi “traduzida” em estilo cordel e, dos seus 30 artigos, a imensa maioria tem roupagem em quadras, talvez pelo caráter didático do folheto.

11- Não examinamos todos – e estou a colecionar quase 120 folhetos de cordel, textos de gente famosa, com predominância nas temáticas de Lampião e Padre Cícero –, mas dos folhetos que vimos, aleatoriamente, nenhum possui quadras; todos fazem pé de guerra lá nos moldes do formalismo que apontamos no item 1º, desta lista.

12- Finalmente, também em uma olhada superficial, constatamos que em “Cante lá que eu canto”, “Cordéis” (livro publicado pelo UFCE) e “Antologia Poética Patativa do Assaré (org. por Gilmar de Carvalho, já na 7ª edição), em todos estes volumes ressalta-se um pequeno número de poemas distribuídos em quadras. Neste último livro, por exemplo, apenas se vestem de quadras os poemas “O poeta da roça”, pp. 19/20, com somente uma quintilha e uma setilha, “Crime imperdoável”, pp. 59/60, “Sou cabra da peste”, pp. 87/88, “Caboclo roceiro”, pp. 133/134, e “Minhas filhas”, p. 211, assim mesmo tecidos, um de cada vez, em versos decassílabos e de onze sílabas, o que de certo modo – negando a presença das redondilhas maiores – mais realça e denuncia a poesia clássica e formal.

Pretendo encerrar estas linhas, sem nenhuma pretensão, já me desculpando do nobre poeta e cordelista Miguel Jacó – este, sim, um excelso cordelista –, e também apelando para a generosidade dos demais amigos que nos leram, até aqui, com a frase do insigne luso-brasileiro, o Padre Antônio Vieira – “Peço desculpas por não ter tido tempo de ter sido breve”.

Fort., 03/01/2011.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 03/01/2011
Reeditado em 05/01/2011
Código do texto: T2706426
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.