CONTRADIÇÃO: CAPITALISMO X SOCIALISMO

CONTRADIÇÃO: CAPITALISMO X SOCIALISMO

Francisco Miguel de Moura – Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras.

O homem é uma eterna contradição em busca de sua própria síntese, segundo a dialética de Hegel. Dialética que pra nada serve, pois toda síntese, logo que assim é reconhecida, já se transformou num feixe de novas contradições. É a eterna lei do movimento na natureza. No homem não poderia ser diferente, nem nas suas instituições. De uma dessas contradições não podemos fugir neste comentário: - capitalismo e socialismo. Vejâmo-las, então: - Dizem que o socialismo afundou, que o capitalismo venceu. E algumas figuras conhecidas, da direita radical tripudiam. Declamam que não há mais comunismo (como se tivesse havido), não há mais socialismo, simplesmente porque caiu a União Soviética. Ora, o que naufragou, na Europa (noutras partes ainda existe), foi o capitalismo de Estado, uma ponta do capitalismo que não tinha a menor condição de sobreviver. Não foi o socialismo, não. Os benefícios de mais de cem anos de doutrina socialista, no mundo, estão aí para quem quiser ver: previdência social, organização da classe trabalhadora, justiça trabalhista, férias, fundos de pensão, etc.

A democracia formal é um campo fértil onde o socialista trabalha, sua, sofre, seja ele cristão ou materialista. Mas também sonha. Numa síntese mais ou menos simplória, sabe-se que socialista é aquele que trabalha pelo bem dos outros. Todo o drama do chamado sistema capitalista reside no seguinte: a produção moderna, industrial é feita em grupo, é social, mas a distribuição do produto (mercadoria) é individual. E, como de praxe, o capitalista só vê o seu próprio interesse, na maioria das vezes - mesquinho; vive em luta surda contra todo o mundo, através da guerra egoísta que trava contra o próximo. Socialistas são exatamente os que sacrificam a vida, em repartir sonho, amor e esperança com os outros, sem pensar nos próprios e exclusivos prazeres. O capitalista também tem sonhos, só que são sonhos egoístas. Os outros que se danem. Eles são ele mesmo e, no máximo, sua família. Capitalista junta, usufrui egoisticamente, pecadoramente. Socialista nada junta, quer tudo receber por distribuição gratuita. E, como nada possui além de sua mão de obra, distribui críticas, sonhos, esperanças no futuro.

Certo é que enquanto houver alguém na terra, o sonho da idade de ouro existirá. Jamais se destruirá a utopia, o pão dos pobres. Nos últimos tempos, ela corporificou-se erroneamente no capitalismo de Estado, despótico, que destruiu a democracia, na tentativa de construção do socialismo, esquecendo o que pregaram os seus mais importantes filósofos, desde Thomas Morus com sua “Utopia”, e em seguida, Campanella, Fourier, Cabet, Proudhon e todos os anarquistas, sem esquecer o Cristo. Depois deles, vieram os materialistas encabeçados por Engels e Marx, terminando por editarem o “Manifesto Comunista”, terror da Europa, no século passado.

Cumpre também não esquecer a anarquia. Ela tem seu poder transformador. Seria a melhor forma do estado. Um estado sem leis. Uma espécie de auto-gestão. Manifestação da anarquia existe na Inglaterra com suas leis consuetudinárias, não escritas. Outra manifestação da anarquia, entre nós, foi a campanha do Betinho, contra a fome, criando uma lei sem obrigação, um estado dentro de outro, sem lei. A lei sendo apenas a obrigação moral, humana, nada mais.

Matar as utopias, jamais. Elas transformam, embora que lentamente, a realidade humana. Matá-las é atrasar o mundo. Anarquismo, socialismo, comunismo, cristianismo são utopias. O homem não é o homem sem utopia. Nosso mundo deste começo de milênio atrasou-se e atrasar-se-á mais ainda se a utopia não for restaurada. Sob que forma, não sei e nem importa. O que importa é o sonho.

Com essa dissertação não quisemos dizer que o capitalista e o burguês são sempre maus, demônios, e que anjos são os trabalhadores, socialistas, comunistas e anarquistas. Ao contrário, a divisão do mundo entre bons e maus é que atrapalha. O homem é anjo e demônio, depende das circunstâncias que lhe são colocadas. Mas o homem pode modificá-las para melhor. E por que não o faz? Este é o enigma do homem: o contraditório, desde que perdeu o rabo e ganhou a memória, segundo o poeta russo Joseph Brodsky. Perda e ganho que são referidos pelos psicólogos e psicanalistas como instinto e razão. Perdemos o instinto, ganhamos a razão e ficamos contraditórios. Jamais seremos. Estamos a caminho. Só a morte encerrará essa tragédia.