A BUSCA PELA NÃO PLENITUDE LITERÁRIA

UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ

CENTRO DE LETRAS, FILOSOFIA E PEDAGOGIA

ARTIGO CIENTÍFICO

A BUSCA PELA NÃO PLENITUDE LITERÁRIA

Paulo Ricardo Xavier da Silva

RESUMO: Este artigo tem como objetivo realizar uma reflexão a respeito da literatura moderna a fim de que se possa compreender a obra literária na expectativa de atingir a sua essência. Com embasamento teórico, utilizaram-se as ideias de BLANCHOT (2005), NUNES (2009), pois permitem maior entendimento sobre tais reflexões que mantém relações entre a obra o escritor e a literatura.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura. Escritor. Essência. Obra. Linguagem.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho foi elaborado com a finalidade de demonstrar a importância dos conhecimentos a respeito do tema abordado. De fato, as disseminações das informações apresentadas neste artigo nos direcionam para um campo em que a literatura do século XX vai de encontro com ela mesma, estabelecendo um vínculo entre necessidade de atingir a essência e o que a linguagem possibilita na criação literária.

A linguagem literária possibilita um encanto fascinante na construção de sentido, o qual é proporcionado pelas palavras, mas ai encontra-se o limite do escritor, pois ao mesmo tempo em que possui uma inspiração a ser exposta, e tudo que ele tem são os signos. Se por um lado a linguagem é o meio de fazer transcender o que o poeta sente, por outro, ela é a “morte” da experiência artística em atingir a essência da coisa.

O escritor, na tentativa de atingir o obscuro, sempre encontrará o limite naquilo que é comum aos seres, ou seja, a linguagem, assim é o seu sacrifício para tentar chegar a algo máximo, e no final tudo que terá será apenas o livro, mas a coisa em si, não poderá ser concedida, pois a palavra é a “morte” de poder alcançar a plenitude. O artigo apresentado possui informações importantes a respeito da reflexão acerca da tentativa de atingir uma não plenitude literária, tais conhecimentos são fundamentais para a compreensão dos aspectos relacionados à literatura, para os estudantes e profissionais da área.

2. A LITERATURA MODERNA

A Literatura antes de 1850 expressava a importância do seu criador, pois o mesmo tinha bastante destaque na construção literária, dessa forma, era preferível o artista, sendo este, glorificado, tendo grande importância em sua individualidade, o que de fato, acaba provocando a degradação da arte. Na segunda metade do século XIX, o precisamente em 1850, começa a mudar a forma de expressividade literária, assim como o pensamento acerca da literatura, nesse sentido, Mallamé e Cezanne, apresentam pensamentos acerca do artista, em que ambos eram modestos, pois não pretendiam serem mais importantes, glorificados, exaltados diante da obra. Nota-se o quanto a arte transformou-se na modernidade. Podem-se citar os nomes de Mallamé e Cezanne para ressaltar o quanto eles procuravam uma essência, pois se preocupavam em transmitir algo, que em simples palavras se tornaria incompreensível (obscuro).

A literatura moderna vai de encontro a ela mesma, à medida que a busca a essência, se torna algo a ser alcançado, e a aproximação com a não-literatura vai acontecendo. Percebe-se que o escritor tem uma preocupação de chegar a algo desconhecido, e que a obra, cuja suas experiências subjetivas estão inseridas na linguagem literária, entretanto não em sua totalidade, é apenas um exercício que permite simplesmente a aproximação com o desconhecido.

A obra literária não é o mais importante, na realidade as obras são consequências de uma busca incessante do escritor, pela verdade, pela plenitude essencial, segundo Blanchot (2005, p.291)“o que atrai o escritor, o que impulsiona o artista não é diretamente a obra, é sua busca, o movimento que conduz a ela, a aproximação que torna possível: a arte, a literatura e o que essas duas palavras dissimulam”.

O mais importante na obra do século xx não é o artista, este, tem consciência de que não pode se envolver muito na obra, o que realmente importa para os escritores é a busca pelo obscuro. Mas entende-se que esse obscuro, não pode ser alcançado, pois sempre a linguagem proibirá o escritor de ter a realização por completa, e tudo que o escritor tem é a linguagem. Quando a essência é atingida, a obra não será mais lida, pois uma vez descoberta, significa o seu desaparecimento. Sendo assim, dizemos que a literatura está em perigo.

Pode ser que todo escritor se sinta como se fosse chamado a responder sozinho, através de sua própria ignorância, pela literatura, por seu futuro que não é apenas uma questão histórica, mas, através da história, é o movimento pelo qual, ao mesmo tempo que “vai” necessariamente para fora dela mesma, a literatura pretende no entanto “voltar” a ela mesma, ao que ela é essencialmente. (BLANCHOT, 2005, p.294).

A literatura atual necessita da busca da essência para ganhar vida. A criação da arte encontra-se na linguagem, a qual é o esforço de ir até aquilo que não poderá ser encontrado. O destino faz o poeta querer ir ao encontro com o obscuro, e por destino faz o poeta voltar com as mãos vazias.

3. LINGUAGEM LITERÁRIA

Pode-se afirmar que a literatura está ligada à linguagem, bem como ao escritor, que ao construir sua obra, o mesmo deve destruí-la e logo após reconstruí-la de uma maneira diferente. Relatemos o pensamento de Blanchot ao mencionar que a palavra designa o ser, dessa forma pode-se citar o exemplo do gato, que na linguagem comum deixa de ser um gato real para se tornar apenas uma ideia, pois a palavra dá a certeza do ser, porém em se tratando da linguagem literária esse vínculo não é assim tão simples, porque a palavra “gato” deixa de existir ao tornar-se outro significado. Segundo Blanchot (1997, p. 314) “A palavra não basta para a verdade que ela contém”. No entanto o que se pode relatar, é o que existe ao ser representado pela palavra, deixa de existir, ou seja, morre, e ganha novos contornos quando o escritor ao representar o que de fato quis dizer, torna-se a vida dessa morte.

A literatura possui uma busca constante ao que está além do sentido das palavras, é uma capacidade que o escritor se sustenta ao dar a morte a aquilo que gera a vida, ou seja, na literatura a palavra se sustenta como uma possibilidade, pois o autor não consegue dizer aquilo que quer dizer, a essência que o autor pretende tingir. E se dou o nome a essência, ela deixa de existir, é o que ocorre no conto “O ovo e a galinha” de Clarice Lispector, a autora nomeia o ovo, mas o ovo deixa de ser o próprio ovo, porque a palavra não é capaz de dá plenitude ao ser.

O encanto da literatura é a força das palavras e ao mesmo tempo estando presa à sua limitação, pois não existe um vínculo entre o ser e a palavra, porque abre-se um “leque” de inúmeras possibilidades. É importante relatar que na linguagem comum, prende-se à palavra para que o texto seja objetivo, porém no campo da literatura, a polissemia é a potência capaz de produzir uma instabilidade.

Além de cada momento da linguagem poder se tornar ambíguo e dizer coisa diversa do que diz, o sentido geral da linguagem é incerto, não sabemos se ela expressa ou se representa, se uma coisa ou se a significa; se está ali para ser esquecida ou se faz esquecer apenas para ser vista; se é transparente por causa do pouco sentido do que diz ou clara pela exatidão com que o diz, obscura porque diz demais, opaca por que nada diz. (BLANCHOT, 1997, p.328).

O autor inicia a obra no momento de inspiração, mas no decorrer da construção da obra, ele busca chegar à essência, cuja procura é inatingível, quando ao passar “uma experiência de vida” ao papel, ela não é mais real, se torna algo ilusório, idealizado. O escritor tem uma epifania, mas esta, não dura em longo prazo e ele ao dar um ponto final na obra, é porque não alcançou a essência, rendendo-se a possuir apenas fragmentos de textos, que na junção dos mesmos terá o livro inacabado.

A linguagem é o modo como o poeta constrói a literatura, é através dela que a obra se constrói, a criação estética vai tomando contornos expressivos, e mesmo assim, é responsável pelo fracasso de se alcançar a plenitude.

Por natureza, o homem sente a necessidade de nomear os objetos, as coisas dentre outros, e dar nome a coisa, significa também dar forma, e essa forma constitui a realidade. A linguagem da literatura tem em si o seu fracasso, pois na literatura ela não é capaz de dar o gato, tal qual ele existe, e, assim, a linguagem literária é a busca de um momento que a precede. É importante ressaltar, que a linguagem não é suficiente para substituir o ser. Compreende-se que na literatura a palavra não é capaz de chegar plenamente a não-literatura. Podemos realizar um paralelo da linguagem com o romance de Clarice Lispector “A Paixão Segundo G.H”, em que se expressa uma maneira de direcionar a linguagem para além dela mesma. A tentativa de dá forma a essência, é percebida na passagem:

[...] estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi, eu não sei o que fazer do que vivi, eu tenho medo dessa desorganização profunda. (LISPECTOR, 2009, p. 9).

No decorrer da obra, essa necessidade de atingir o obscuro vai apenas aproximando G.H. à sua natureza obscura. Entende-se que, o que ela viveu não tem forma, e a tentativa de dar forma vai sendo permanecida, pois ao colocar forma significa compreender, e é isso que G.H quer entender. Segundo Nunes ( 2009, p.132) “O fracasso da linguagem, que se evidencia nos romances de Clarice Lispector, principalmente no último, A paixão segundo G.H., é uma forma de dirigir a linguagem para além do ser primordial”

No conto “A menor mulher do mundo” de Clarice, ressalta-se a não completude de se atingir o obscuro, através da linguagem. Ao comparamos a realidade do explorador com a da Pequena Flor, perceberemos a necessidade do explorador em dar forma ao sorriso da menor mulher do mundo. “Estava rindo, quente, quente. Pequena Flor estava gozando a vida” (LISPECTOR, 1998, p. 74).

Nesse momento o explorador depara-se com um problema, o de não conseguir classificar o sorriso da mulher, a linguagem não é capaz de dar plenitude ao sorriso. “E então ela estava rindo. Era um riso como somente quem não ri. Esse riso, o explorador constrangido não conseguiu classificar” (LISPECTOR,1998, p. 74).

Ambos possuem realidades diferentes, e nota-se que a linguagem, não possibilita o explorador atingir a essência daquele sorriso. Pequena Flor esbanjou-se profunda alegria. A linguagem foi o fracasso do explorador de se alcançar a coisa inalcançável.

4. O DIA E A OUTRA NOITE

O escritor ao construir uma obra literária busca atingir a impossibilidade, porém o autor é limitado, a idealização é infinita, porém busca alcançar o ápice da obra. Segundo Blanchot, o escritor se movimenta em dois espaços: O dia e a noite. O dia representa o seguimento da razão e do saber, já à noite está alicerçada no obscuro, onde não há segurança. No momento de inspiração, o escritor jamais irá escrever tal qual idealizou, sempre faltaram palavras a serem ditas que, de certa forma, ele não conseguirá expressar com precisão ao tentar dar nome, para alcançar a essência.

A excelência do escritor encontra-se naquilo que não está escrito, ou seja, o não dito, a palavra oculta, e o seu poderio se encerra quando o mesmo diz o que o leitor esperava ouvir. No momento de inspiração, o poeta deseja tirar da noite todo o conteúdo da obra idealizado por ele, ao transferir para papel tal qual imaginou “a essência”, busca retirar o obscuro da obra, e tenta trazê-la para o dia, para que todo leitor tenha compreensão, porém falha, porque se ele dá nome à essência, ela deixa de ser essência. Portanto, ele não pode ter o máximo que quer atingir, pois a plenitude representa a destruição da obra. O escrito deve ter paciência, mas se angustia e tudo o que resta é apenas um livro.

Na obra A paixão segundo G.H, de Clarice Lispector, relata uma experiência vivida por uma arquiteta, mas não é citado o seu nome, somente suas iniciais (G. H), a estória começa com a iniciativa da personagem em arrumar o seu apartamento, por não ter mais empregada, inicia a limpeza no quarto que era da empregada por achar que este seria o lugar mais sujo, mas é surpreendida pela limpeza e organização, porém espanta-se com uma barata, que ao tentar tira-la do guarda roupa acaba matando-a, e isso mexe com sua estrutura, não era mais uma simples barata, estava além do que os olhos dela podiam alcançar. A maior luta é dar forma para isso, visualizado só por ela. A barata está além das palavras, e faz com que G.H vá de encontro com a sua própria essência, e reconhece sua identidade. O que ela cria é a palavra, mas o que ela quer nos dá de fato não é possível, a própria impossibilidade. Porque entender já é uma criação que nós leitores iremos construir à medida que nos aventuramos na leitura, é o “deixar em aberto” pelo escritor ao leitor no idealizar, deixá-lo tirar suas próprias conclusões.

É que apesar de já ter entrado no quarto, eu parecia ter entrado em nada. Mesmo dentro dele, eu continuava de algum modo do lado de fora. Como se ele não tivesse bastante profundidade para me caber e deixasse pedaços meus no corredor, na maior repulsão de que eu já fora vítima: eu não cabia. (LISPECTOR, 2009, p. 44).

Nesta passagem compreendemos que o quarto que suposto por G.H seria o quarto da bagunça, de certa forma representava a própria vida dela, o que havia de desorganizado. Ela viu uma personalidade impersonalizada, não conseguia se encontrar em algo dela, já explorado por ela e que pertencia a mesma.

G.H. não consegue trazer a luz do dia, a razão, permanece no obscuro, foi uma experiência individual com o seu próprio ser. A obra afunda-se na essência, na noite, ao perceber que ela e a barata é a mesma coisa, um ser quase morto. Contudo, o autor não precisa atingir a essência, porque atingi-la é permitir que a obra não seja mais valorizada, geralmente ao elaborar uma obra, o autor pretende colocar tudo na forma, se não compreende algo, por intermédio das palavras pretende transmitir o que sentiu e o que viu, mas o sentido do texto estará sempre em aberto para diversas definições, nunca um fim definido.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a realização deste artigo, percebeu-se que o poeta da literatura atual, tem consciência de que não deve ser mais importante do que sua criação artística. De fato a arte como sendo uma busca constante de sua essência, não precisa limitar-se a individualidade do mesmo, pois sua interferência intensiva , significa a glorificação e tem como consequência a degradação da arte. Os conhecimentos acerca da literatura moderna são importantes para compreendermos que a essência da literatura é aquilo que está além das palavras e que por sinal é a morte do escritor. É importante ressaltar as teorias de Bhanchot nos proporciona conhecimentos fundados, a fim de uma melhor compreensão acerca da literatura, escritor e obra.

As ideias apresentadas nesse artigo ressaltam a busca por uma essência, tão almejada pelo escritor e da não plenitude literária. Alcançar a plenitude é compreender que a linguagem não possui fracasso, que a mesma não limita o ser. De fato, percebe-se o que o faz surgir à criação literária é justamente a busca tão procurada pela “outra noite', e tudo o que o artista possui são apenas palavras, que não substitui plenamente em literatura o ser.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Trad. Leyla Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

¬_______. A parte do fogo. Trad. Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.

LISPECTOR, Clarice. “A menor mulher do mundo” in. Laços de Família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

_______. A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 1970.

NUNES, Benedito. O dorso do tigre. São Paulo: Ed. 34, 2009.

Paulo Ricardo Silva
Enviado por Paulo Ricardo Silva em 25/07/2012
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