EXPERIÊNCIA DE MORTE

Naquela noite fui dormir normalmente, após assistir um programa na televisão, tipo água com açúcar.

O dia transcorrera sem maiores problemas, tanto no Escritório, no trato com os clientes, quanto em casa, com minha esposa e filhas.

Logo adormeci ao lado de minha esposa.

De repente, após um tempinho de sono, (não posso precisar o tempo decorrido) senti uma ânsia, uma agonia e senti em minha garganta um aperto e uma membrana se deslocou como uma taramela fechando meu esôfago, não deixando passagem para o ar.

Sem conseguir respirar, com os olhos arregalados, o corpo todo tremendo, tentava buscar o ar no diafragma, puxando-o para as narinas e sem êxito levantei-me, sentando na cama, de um salto. Além do balanço da cama, devo ter feito qualquer outro barulho, eis que minha esposa também se levantou reclamando da confusão que eu estava aprontando.

Ali sentado, tentando ora inspirar, ora expirar, o ar não chegava e nem saia dos pulmões e minha agonia aumentava.

Sei que a esposa, após a bronca inicial já estava ficando nervosa em sentir meu estado. Acendeu a luz e horrorizada pode constatar meu estado, ali ao seu lado e começou a me dar pancadas nas costas, com os punhos, na tentativa de me ajudar, sem êxito.

Numa derradeira tentativa de respirar, busquei minhas últimas forças em busca do ar que me fugia. Nada feito. Não conseguia respirar mais. Fui perdendo as forças e me entregando. Não adiantava mais lutar, pensava comigo, naquele instante. Tudo estava acabado, minhas forças me abandonavam.

Então, sentindo aquela agonia pré-morte, vi passar em minha mente toda minha vida, que ainda era bem curta, cerca de 36 anos. Minha mãe, meu pai, irmãos e irmãs, amigos, parentes, esposa e filhas, todos passaram, como num filme, seus relacionamentos comigo, alegrias, momentos de felicidade, problemas que foram solucionados, passeios e tudo o mais que fizera parte de minha vida até então.

Sem condições nem internas, nem externas de sair daquele impasse, senti que chegara a hora do encontro com o Criador. Uma grande paz, um doce estado de felicidade se apoderara de mim.

Acabara a batalha, meus pulmões não respondiam mais. Pronto, era o fim.

Quando cheguei a tal conclusão, e fiquei em paz, relaxando completamente, senti vir de dentro de mim, bem lá de dentro, não sei bem de onde, uma onda crescente que vinha irrompendo pelo estômago, subindo pelo esôfago, até chegar à tal membrana que obstruía a passagem de ar, forçando-a com extrema força.

Senti que a taramela que me prendia estava cedendo e começava a vibrar deixando passar um filete de ar. Aquilo foi como uma faísca de pólvora. A força continuava empurrando e por fim, batendo e voltando na passagem do esôfago ou garganta, abriu-a de vez e um grande arroto subiu junto, que até senti tremer minha boca e como que destampar os ouvidos.

Olhei para o lado e vi Graça que estava ao meu lado, já cansada de tanto bater em minhas costas. Olhos banhados em lágrimas me abraçou. Ficamos assim abraçados, em silêncio, um longo tempo. Com as costas doendo de tanto apanhar e ela com as mãos doendo de tanto bater.

Depois do susto, ela me contou que acordara comigo sentado na cama, tentando respirar, branco como papel, olhos esbugalhados e vermelhos. Sentindo o drama e vendo meu esforço em vão, sem conseguir respirar, resolveu me dar pancadas nas costas, na expectativa de desobstruir a passagem de ar. Já exausta e sem forças, viu quando me entreguei, não fazendo mais nenhuma força para buscar o ar que me faltava. Buscou forças não sabe onde e continuou a bater em minhas costas, até que sentiu uma vibração de meu corpo, vindo lá de dentro e que irrompeu na garganta, fazendo grande ruído.

Suados, cansados, nos deixamos cair nos braços de Morfeu, novamente. Somente que naquela noite, não preguei os olhos mais, receoso de acontecer de novo a tragédia.

Dias mais tarde, compareci no consultório de um médico (nem me lembro mais quem) e relatei aquela experiência terrível e perguntei por que aquilo tinha acontecido comigo e como sairia de tal situação se acontecesse novamente.

Ele respondeu, com rodeios, que a medicina não tem explicações para o caso e que acontecendo de novo, era para se dirigir imediatamente até um hospital ou Pronto Socorro para ser atendido. O procedimento seria uma traqueotomia, cortando um caninho do pescoço para fazer um atalho, abaixo da obstrução.

Ora essa retruquei: Como me dirigir até um posto médico naquela situação por que passei, sem poder respirar? Quanto tempo poderia ficar sem respirar? Fiquei sem respostas e talvez por receio das mesmas, nunca mais toquei no assunto.

Somente posso afirmar que NA HORA H, tudo acontece naturalmente o organismo trata de dar uma anestesia geral na pessoa e sua passagem transcorre sem dor ou traumas, em perfeita harmonia e paz. Enfim, a lição aprendida era que não se deve ter medo da MORTE, ela é nossa amiga e até hoje não se tem notícia de algum ser vivente “que tenha ficado para semente”. É relaxar e se entregar nos braços da “amiga”.

Vicente de Paulo Clemente

VICENTE DE PAULO
Enviado por VICENTE DE PAULO em 08/08/2012
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