ANÁLISE DA PERSONALIDADE DE BENTINHO DO LIVRO "DOM CASMURRO" MACHADO DE ASSIS

UNEB- Universidade do Estado da Bahia DCH Campus IV

Discente- Adenice dos Santos Silva

Este trabalho tem como objetivo a análise do livro de Machado de Assis “Dom Casmurro”, na perspectiva de analisar a personalidade do personagem Bentinho, visto que desde a sua infância o mesmo foi exposto a dramas existenciais que provocaram-lhe diferentes reações, na adolescência até a maturidade. A partir desse pressuposto iniciarei o estudo sobre o que é identidade.

No livro A identidade Cultural na Pós-Modernidade, aborda sobre a identidade cultural que surgem a partir das culturas, étnicas, lingüísticas, religiosas, entretanto discutir esse termo é extremamente complexo, alguns teóricos acreditam que as identidades modernas sofreram mudanças estruturais e assim, modificando as sociedades no século xx. Decorrente dessas transformações as identidades pessoais, abala a idéia que temos de nós próprios como sujeitos integrados, com isso há uma perda de um “sentido de si” este processo é denominado de deslocamento ou descentração do sujeito. O livro esclarece que com o avanço da Pós-Modernidade os sujeitos também passam a ser Pós- Modernos, sendo que a essência do nosso ser é fundamentada na existência como sujeitos humanos.

Porém com as mudanças nesse período destacam-se três concepções diferentes de identidade, tais como: Sujeito Do Iluminismo, consiste num indivíduo totalmente centrado, dotado de razão, consciência e ação acreditavam que este sujeito nascia com essas capacidades e permanecia essencialmente o mesmo.

Sujeito Sociológico- sujeito que reflete sobre a complexidade do mundo, a sua consciência não é autônoma nem auto-suficiente, necessita de pessoas consideradas importante para mediar os conceitos de valores e cultura que ele habita. Há uma relação com o mundo interior e exterior entre o mundo pessoal e social, assim, ocorrendo à interação entre o eu e a sociedade.

Sujeito Pós-Moderno- este não tem uma identidade fixa, mas definida historicamente advinda das mudanças que ocorrem, contudo dentro de nós há identidades contraditórias na medida em que somos repreendidos pelos sistemas culturais que nos rodeiam.

Diante desta explicação sobre os conceitos de identidades, no livro A identidade Cultural na Pós-Modernidade, do autor Stuart Hall, compreende-se que dentro de nós há muitas identidades, que serão despertadas pelas influências que o meio oferece, pois deste fato consiste a construção dessa múltipla face identitária do ser humano, no entanto ter a idéia de uma identidade unificada, completa e coerente é uma fantasia.

Na obra “Dom Casmurro” de Machado de Assis, é narrado em primeira pessoa, o protagonista é masculino que dá o nome ao romance, já velho e solitário. Quando criança sua mãe resolve colocá-lo no seminário para pagar uma promessa feita por ela, cujo seu filho deveria torna-se padre. Porém não era vontade de seu filho, pois o mesmo tinha um romance com sua vizinha Capitolina, Bentinho se sentiu dividido em cumprir a promessa da mãe e deixar Capitolina. Os dois começam então, elaborar planos que impeçam sua ida para o seminário, mas não tiveram êxito.

Cumpriu-o assim, o estudo eclesiástico, no seminário conhece Escobar, que se tornaria seu melhor amigo, depois de um tempo sai do seminário e convence a mãe a custear os estudos de outro menino e fazer dele padre em seu lugar, assim Bentinho se formou em direito e voltou para casar-se com Capitolina

Através desta pequena explicação da obra, percebe-se como a questão religiosa estava centrado na vida do personagem Betinho, mesmo contra sua vontade este é submisso a ordem familiar que é conservadora, sua mãe ficou viúva ainda jovem, mas não quis casar-se novamente dedicando-se às responsabilidades da casa e da criação do filho. Bentinho não teve a figura de um pai presente, tendo assim como referencial a imagem da mãe, que a considerava como uma santa, o mesmo viveu a sua infância com poucos amigos, tendo apenas como amiga Capitolina, a qual este era apaixonado.

A personalidade de Capitolina diferenciava-se da de Bentinho, que sendo filho único era muito protegido não explorando muito do mundo externo, por causa dessa super proteção por parte de seus familiares tornou-se um indivíduo inseguro e dependente, enquanto Capitolina morava com o pai, que era viúvo e cabia a ela assumir a administração da casa, contendo um caráter dominante e sagaz e Bentinho de caráter passivo e pouco másculo, essa diferença advém do ambiente cujo, os dois foram estimulados.

Segundo Heidegger, (APUD. Rampazzo) filósofo alemão do século xx, não é possível compreender o ser humano como um ser fechado em si mesmo, pois desde o nascimento irá adquirir as capacidades e habilidades, que será aplicada em sua vida. Porém segundo o autor os pais costumam definir planos para os seus filhos, antes mesmo de seu nascimento de como será a criança ou o que fará no futuro, Isto constitui a primeira marca de sua identidade, vejo isso no capitulo 11 de “Dom Casmurro” pg. 40 .

Tendo-lhe nascido morto o primeiro filho, minha mãe pegou-se com Deus para que o segundo filho vingasse, prometendo, se fosse varão, metê-lo na igreja. [...] Entretanto, ia-me afeiçoando a idéia de igreja; brincos de criança; livros devotos; imagens de santos, conversações de casa, tudo convergia para o altar, quando íamos à missa, dizia-me sempre que era para aprender a ser padre, e que reparasse no padre, não tirasse os olhos do padre.

O personagem Bentinho não tinha uma posição definida sobre aquela situação, pois não queria desagradar a sua mãe, assim como não poderia ficar longe de Capitolina, esta duvida gera um complexo na mente dele em amar duas pessoas e ter que decidir a favor de uma. Isto leva o a uma frustração já que não consegue fazer essa decisão e nem mesmo falar do que sentia sobre aquela circunstância cujo lhe atormentava.

Para uma melhor compreensão de como funciona a mente, utilizarei as teorias do Psicanalista Freud (APUD. Rampazzo) cujo explica a descoberta do inconsciente, ele diz que o princípio básico do funcionamento mental é evitar o desprazer, este exemplo se enquadra com o personagem Bentinho que apesar de não ter escolhido ser padre, aceitava tal situação com medo de desagradar sua mãe, no entanto deve se observar, que ele foi criado com valores e normas sociais que não permitia determinadas ações e pensamentos contrários dos mais velhos. Esse procedimento faz com que seus desejos e ideias sejam reprimidos, segundo Freud quando há essa recriminação de desejos, o individuo pressiona o inconsciente para que estes sejam realizados, não sendo assim, o inconsciente busca válvulas de escape para se manifestar, pode ser por intermédio dos sonhos que lhe dará liberdade e direcionamento de suas ideias, no entanto Bentinho buscou em Capitolina essa válvula de escape. Capitulo 14 p48.

Os olhos fitavam-se e desfitavam-se, depois devagarem ao perto, tornavam a meter-se uns pelos outros... Padre futuro, estava assim diante dela como de um altar, sendo uma das faces a Epístola e a outra o Evangelho. A boca podia ser o cálix os lábios a patena. Faltava dizer a missa nova, por um latim que ninguém aprende e é a língua católica dos homens.

Neste trecho percebe-se que Bentinho tem uma carga efetiva e fantasiosa muito grande por Capitolina, que lhe proporcionava momentos de prazer ao estar em sua companhia. Freud explica que o id opera de acordo com as exigências do início de prazer, no qual o indivíduo esforça-se unicamente para satisfazer seus desejos e, por conseguinte reduzir a tensão interna, entretanto o ego opera de acordo com o princípio da realidade, no caso de Bentinho apesar de querer ficar com Capitolina, teria que ir para o seminário tendo assim um confronto com o id e o ego. Freud, (APUD. Rampazzo) esclarecer que por toda a vida o id que é a busca do prazer lutará constantemente com o ego, por isso nem sempre conseguimos ser totalmente auto centrados, somos moldados e forçado pela sociedade a seguir regras morais, esse processo é denominado superego.

O personagem Bentinho conteve o seu id por conceitos morais e religiosos que lhe foi imposto e aflorou o superego. Contundo nem sempre somos conscientes das forças morais internalizadas que comprimem e inibem a atos individuais pelo superego vindo assim a desencadear atitudes exacerbadas e inconscientes. Capitulo xx pag. 61, 62

Levantei os olhos ao céu, que começavam a embruscar-se, mas não foi para vê-lo coberto ou descoberto. Era o outro céu que eu erguia a minha alma; era ao meu refúgio, ao meu amigo. E então disse de mim para mim “prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias”, se José Dias arranjar que eu não vá para o seminário.[...] Não achava outra espécie em que mediante a intenção, tudo se cumprisse, fechando a escrituração da minha consciência moral em déficit.

Visto que o personagem principal teve uma adolescência regida por ordens, indecisões e um amor secreto, cujo mesmo o idealizava, porém não tinha determinação para assumi-lo, por causa da promessa que tinha pra pagar, o mesmo se viu em momentos conflituosos principalmente quanto a sua sexualidade, pois o fato de ser padre lhe abnegava de ser homem, porque os padres não se casam. Capitulo 34 pg. 89.

As próprias mãos tocadas, apertadas, como que fundidas, não podia dizer tudo.

__ Sou Homem!

Quando repeti isto pela terceira vez, pensei no seminário, mas como se pensa em perigo que passou, um mal abortado um pesadelo extinto; todos os meus nervos me disseram que homens não são padres.

Essa dúvida de Betinho sobre sua sexualidade, Freud (APUD. Rampazzo) explica como é descoberta e destaca o complexo de Édipo que traz os conflitos sexuais inconscientes, este complexo descreve os sentimentos sexuais de um garoto pela mãe e a rivalidade com o pai sendo, esses sentimentos e pensamentos ameaçadores e importantes, pois segundo Freud este mecanismo formam os padrões básicos de reações de uma personalidade.

De acordo com a lenda Grega, Édipo rei de Tebas, involuntariamente mata o próprio pai e casa-se com a mãe. Essa ação dentro do modelo psicanalítico é denominado por Freud de processo de complexo nuclear, por que neste momento o individuo manifesta fantasias de incesto com o genitor do sexo oposto, aliadas ao ciúme e a raiva contra o genitor do mesmo sexo. No entanto no romance de “Dom Casmurro” Betinho não teve a imagem referencial do pai, apenas da mãe e de Capitolina, cujo amava então a ameaça que o mesmo encontrava era que, o seminário podia-o separar das duas. Sendo este representado simbolicamente como a figura do pai, este medo e raiva que sentia por essa ameaça em si tornar padre ao ir para o seminário, Freud chama de ansiedade de castração porque para Betinho ao torna-se Padre deixaria de ser Homem.

Freud acreditava que, se uma pessoa não tivesse caído em armadilhas ou adiado alguma coisa nesse percurso, a adolescência poderia marca o começo de uma vida adulta normal em termos sexuais, no casamento e na criação dos filhos, caso isto não acontecesse seria marcada por indecisões e frustrações, como ocorreu com o personagem Bentinho que teve sua adolescência marcada por conturbações. Capitulo 40 pag.102.

A fantasia daquela hora foi confessar a minha mãe os meus amores para lhe dizer que não tenho vocação Eclesiástica. A conversa sobre vocação torna-se agora toda inteira ao passo que me assustava, abria-me uma porta de saída. “Sim, é isto, pensei, vou dizer a mamãe que não tenho vocação, e confesso o nosso namoro; se ela duvidar, conto-lhe o que se passou outro dia, o penteado e o resto...”

Percebe-se que Bentinho era muito fantasioso e quando precisava tomar decisões era muito passivo, com medo de magoar as pessoas sofria sozinho suas angústias, ele considerava Capitolina mais mulher do que ele Homem. Para uma melhor compreensão sobre esse personagem tão complexo como Bentinho, Freud, (APUD.Rampazzo) traz os mecanismos de defesa como os tipos de processos psíquicos, no qual consiste na finalidade de afastar um evento gerador de angústias da percepção conscientes, sendo essas funções sucedidas pelo ego, e por definição do inconsciente destaca-se o processo de identificação, que é caracterizado pela internalização das características de alguém que o individuo valoriza, deste modo Bentinho identificou-se no seminário com Escobar, por este remete a amizade que tinha com Capitolina no período que morava em Matacavalos, ela era sua única amiga. Capitulo 78 pg. 172

___ Escobar você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui ao seminário você é a pessoa que não tem entrado no coração, e lá fora, a não ser a gente da minha família, não tenho propriamente um amigo.

Percebe-se que desenvolveu no personagem, os mecanismos de defesa da identificação como foi citado acima, através da teoria de Freud, assim como o da projeção que é um mecanismo em que o individuo exterioriza as pulsões que lhe provocam ansiedade depositando as em outras pessoas. Esta ameaça interna que o individuo senti são atribuídos ao desfecho do romance, em que Escobar e Capitolina eram pessoas em que Bentinho tinha grande admiração, porém tornaram-se alvo de desconfiança, gerando uma dúvida inconsciente de uma suposta traição. Diante disto vemos que assim como na infância o seminário foi uma divisa entre duas pessoas que ele amava, com as dúvidas inconscientes em ser homem ou padre, na idade adulta o seu passado voltar a lhe perturba agora com a imagem de seu suposto filho Ezequiel como fruto de uma suspeita de traição das pessoas que ele mais gostava, trazendo angústia que é decorrente desde a sua infância conturbada, Bentinho, desse modo também torna-se um Homem solitário, recebendo o nome de Dom Casmurro pela falta de simpatia.

No livro A Personalidade de Jean C. Filloux, explica sobre a projeção.

A projeção surge desde a infância. Projetar é ver em outrem quilo que proibimos ver em nós mesmos: assim a ameaça vinda do id, é recebida como uma ameaça vinda do exterior, e o indivíduo a ela reagem com um maior sentimento de segurança. No lugar de tomar consciência da agressividade que esta mergulhado, um indivíduo julgará que determinadas pessoas se acham imbuídas de más intenções, que elas o perseguem. Na formação reacional, a pessoa adota comportamentos diretamente opostos aos buscados pelos impulsos recalcados. A teimosia, a “rigidez psicológica”, por exemplo, não são absolutamente o sinal do poder do ego, são pelo contrário reações a fortes impulsos desorganizadores,, como demonstra Freenckkel Brunswick (2). Assim também, são em geral, as pessoas exteriormente mais afáveis que se revelam no fundo, as mais agressivas. (Filloux, 1978, pg. 53)

Capitulo 148 pg. 282

“não tenha ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a te enganar-te com a malícia que aprender de ti ”[...]. E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa feia, e é a suma das sumas, ou resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me ...A terra lhes seja leve!

A análise realizada no romance de “Dom Casmurro”, do escritor Machado de Assis, sobre a personalidade de Bentinho, me proporcionou um momento de reflexão para compreender o quanto nós seres humanos somos inacabados, sendo assim importante conhecer as influencias do meio para formação da nossa identidade. Para aquisição deste conhecimento utilizei como embasamento teórico as teorias de Freud dentro outros que muito contribuem com suas pesquisas para compreendermos o quanto é complexo ser humano.

StuartREFERÊNCIAS:

Jean-C Filloux A Personalidade tradução de Eunice Katunda 3. ª edição 1978

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São Paulo

Rampazzo, Lisnéia Aparecida

Psicologia Geral: Serviço Social / Lisnéia Aparecida Rampazzo – São Paulo: Pearson

Education do Brasil, 2009.

Assis, Machado de, 1839 -1908.

Dom Casmurro / Machado de Assis; comentários e notas Ricardo Leão. ¬-São Paulo: companhia Editora Nacional; Lazuli Editora, 2007.

Hall, Stuart

A identidade Cultural na Pós-Modernidade / Stuart Hall;

Tradução Tomaz Tadeu da Silva; Guaraira Lopes Loura 6.ed.-Rio de Janeiro DPE A,2001