BAIANISMO - MOMENTO II

DO LIVRO POR UMA HUMANIZAÇÃO DA POLITICA BRASILEIRA.

“O mistério escorre sobre a cidade (da Bahia) como óleo”.

Jorge Amado.

Nos primórdios, logo nos instantes iniciais da chegada dos europeus, a Bahia proporcionou um viver de puras, extraordinárias e até estrambóticas alegrias, numa quase libertária sensualidade, imaginariamente isenta de todos os pecados, constituindo-se, avançadamente, em parcelas e modos de viver, bem precisados, nas resumidas e corretas palavras do excepcional Otávio Mangabeira:

“Quando quisermos um precedente, sempre vamos encontrá-lo na Bahia”.

A Bahia, em seus momentos iniciais era o próprio prazer, “shangrilarizado” nos trópicos da América do Sul. E esse seu saboroso jeito de caminhar a vida fermentou o início de um Brasil “europeizado”, somador das delícias de lá e de cá.

A Bahia deslumbrava-se a pensar, sonhar, idealizar e a viver alegrias em perenes alegrias, embaladas pelas alegrias, sempre bem dosadas de prazeres deliciosamente míticos e inebriantes.

A Bahia andava em prazer e navegava em delícias. Multiplicava-se em sensuais e incitantes colóquios. Dormia em alegrias e acordava em prazer. Andava dançando e dançava andando. Transpirava sons e sonorizava transpirações. Musicalizava sabores em saborosas musicalidades. Caminhava por jardins onde floriam felicidades. Vivia a construir felicidades em campos, caminhos e jardins, e em tons e cores reais, alegóricas e imagináveis, inteiramente alheia e desprovida de ambições econômicas, financeiras, políticas e sociais. Vivia o hoje, no hoje e só para o hoje, como se esse seu céu apenas durasse um dia. Depois e aos poucos, o civilizado foi trazendo e adicionando camadas de ambições financeiras e econômicas, confundindo a mentalidade de cada vivente baiano.

Essa crescente atrelação, no repente de apenas 100 anos civilizatórios, não somente atormentou o baianismo, como foi desonerando e desfigurando a sua pureza e a sua inocência, salpicando-lhe elevadas doses doentias de viciosos modos e destorcidas maneiras de viver. Mas, ainda assim, o baianismo prevaleceu, já não tão livre, alegre e feliz. E seu baianismo passou a ser aquele tão magistralmente traçado por Gregório Matos Guerra, em suas inteligentes, ritmadas, mordazes e tão bem contingenciadas palavras, frases e definições. Esse já não tão gostoso, mas ricamente sapeca e saltitante baianismo, configurado, plantado, enraizado e sedimentado por Gregório de Matos, foi intelectualizando-se e adquirindo outros coloridos artísticos e harmônicos temperos ,s brejeiros e sagazes, já em recentes tempos. Ruy Barbosa, J.J. Seabra, Juracy Magalhães, Otávio Mangabeira, Simões Filho, ACM e outros menos famosos, inculcaram toques e matizes especiais na arte de fazer política. Adonias Filho, em Corpo Vivo, contribui com a ousada e sobejante saga vivencial do sulista baiano, na luta diária pelas entranhas frondosas e ricas das terras do sul baiano; Jorge Amado, em suas primeiras obras, agregou doçuras à sensualidade morena de corpo, mentalidade, sabedoria e sadia astucidade; Mário Cravo apurou nas durezas do ferro, aço e madeira, os moldes essenciais do mais aguerrido, retilíneo e arguto tipo baiano; Caymmi surgiu a purificar e a esparzir candura, lirismo e mel nos retratos paisagísticos; melodias nas cores e brisas baianas e deliciosos tempero, cor e sabor no dulcíssimo e gostoso viver-amar baiano e ainda o colocou na encruzilhada da utopia, do mistério, da magia e da quase divinização; e, finalmente, Caribé, o mais baiano dos argentinos, riscou com arte, elegância, graciosidade e afeto, os tipos mais apurados do baianismo, fixando-lhe em leves, graciosas e ligeiras pinceladas, seus horizontes, suavemente cativantes, amantes e amados, com a mais deliciosa carícia, este nosso tão sapeca e tão fantástico baianismo.