MENINOS DO CERRADO - PARTE VII

O Acidente

Vários campeonatos de futebol, maratoninhas, banhos de piscinas nos clubes, filmes nos cinemas, idas aos diversos teatros, festas em comemoração ao Dia das Crianças, festas no fim de ano com entregas de brinquedos para milhares de crianças e festas juninas, tudo, tudo passaram a fazer parte da rotina das crianças e adolescentes do bairro. Mas nada era igual as idas aos circos e parquinhos instalados nas imediações da principal avenida da minicidade. Funcionava assim: de tempos em tempos um parque de diversão ou um circo se instalava na minicidade. Aí uma quota de ingressos era doada para o representante distribuir para a meninada. Como a minicidade possuía milhares de crianças, o representante, juntamente comigo pagava para liberar o porque ou o circo um dia para todos os moradores da minicidade.

E foi numa dessas idas ao circo que, naquela noite, até então anedótica e cômica, ao deixar a área em que estava instalado o circo, em direção às nossas casas, pela Avenida Brasil, avistamos quase que instantaneamente, um suposto acidente.

– Alguém se acidentou ali!

– Tem certeza Erich?

– Ele tem razão! Vamos lá...

– Não, não vão! Deixe um adulto aproximar primeiro!

– Acalmem-se, não corram, vamos chegar lá...

– Certo!

– ...

– Uma mobilete.

– Não. É uma sofrilete.

– Olha a brincadeira!

– Caramba! A roda dianteira se soltou!

– Foi embriaguez, certamente.

– Moço! Moço! Responde-me!

– Bati no meio-fio! Mãe!

Isso era óbvio. O condutor embriagado descia à Avenida Brasil, chocou-se com o meio-fio, a roda dianteira se desprendeu e a vítima bateu com a cabeça e desmaiou, mas assim que verifiquei os pulsos e batimentos cardíacos e chamei ele tentou dizer algo meio indecifrável.

– Ele está mal! Alô bombeiro!

– Bombeiro. Boa noite senhor, em que posso ajudá-lo?

– Um acidente...

– O senhor está envolvido?

– Não. Estava apenas passando ao local quando...

– Acalme-se, senhor, vamos atendê-lo. Apenas resguarde o lugar para que não aconteça outro acidente.

– Tudo bem, já sinalizei a área e o local não é movimentado.

– O senhor está em condições de verificar se a vítima está desmaiada, com fraturas...

– Quando chegamos aqui o acidentado estava desmaiado, mas agora fala alguma coisa e não há sinais de fraturas expostas, ele somente não consegue se mexer. Há fortes sinais de embriaguez.

– Muito bom! Você está se saindo muito bem, mantenha em linha...

Diante do acidente, o Pai da Rua procedeu como em qualquer situação de emergência: depois de checar a gravidade do ocorrido, imediatamente telefonou para os bombeiros, e seguidamente, assegurou-se para que o acidente não gerasse outros e, finalmente, quando pode, iniciou os preparativos para prestar os primeiros socorros à vítima, porém constatou que a quietude do acidentado não era motivada pelo acidente, mas sim pela embriaguez.

Naquele momento, aproximou uma viatura da Polícia Militar da região, então o Pai da Rua informou aos bombeiros da chegada da polícia, o bombeiro militar orientou o Pai da Rua a deixar a polícia tomar conta da situação, por serem os agentes mais preparados que os amadores ali. Assim foi feito. O Pai da Rua explicou a situação à polícia e, logo se despediu dos bombeiros e desligou o telefone. Naquele instante, o acidentado se recordou do nome da sua mãe e avisou que ela morava numa rua um pouco mais embaixo. Enquanto a polícia fazia os procedimentos, o Pai da Rua, juntamente com seu irmão que tinha ficado um pouco para trás e agora chegara ao local do acidente e os pequenos foram à casa da mãe da vítima e a chamou explicando a situação. A mãe partiu com os pequenos e o Pai do Mato para o local do acidente e ao chegar lá, a cena não foi nada agradável: A vítima já não estava mais à beira da estrada, mas sim jogada na ilha que dividia as duas pistas, isto é, a polícia não cuidou, ao perceber a embriaguez do sujeito, simplesmente o empurrou para a ilha para que outro acidente não fosse provocado. Vendo a mãe desesperada o Pai da Rua retornou a ligação para os bombeiros.

– Alô!

– Bombeiro. Boa noite senhor, em que posso ajudá-lo?

– É sobre o acidente aqui na...

– O senhor está envolvido?

– Agora sim, senhor, eu estou envolvido! O senhor disse para eu deixar para os agentes policiais cuidar que eram mais experientes, mas eles simplesmente jogaram o rapaz aqui no canteiro a agonizar! Eu estou com um grupo de crianças e preciso levar cada um à sua casa, já é meia-noite e não vou deixar o acidentado aqui sozinho. A corporação vai ou não vai ajudar?

– Acalme-se, senhor, vamos atendê-lo. Apenas resguarde o lugar para que não aconteça outro acidente.

– Já resguardamos de tudo. Estamos à sua espera...

– Meu Deus, meu filho morreu!

– Que morreu que nada! Os bombeiros já estão chegando!

Meia hora depois, entre ligações do Pai da Rua para os bombeiros e vice-versa, a ambulância chegou e depois de imobilizar a vítima, colocou-a na ambulância e partiram com a mãe e o acidentado a caminho da unidade hospitalar mais próxima. Voltamos para a casa da mãe, juntamente com outros parentes da vítima, levando os restos do que sobrou do veículo. Logo, o grupo começou a diminuir, pois à medida que íamos passando pelas ruas do bairro, os meninos iam ficando em suas casas com suas mães. Os últimos a chegar foram o Erich e seu irmão Iago.

Os Meninos do Cerrado ficaram perplexos com toda a desenvoltura do acidente. Naquela noite eles não tiveram sono. Os pensamentos voltados ao acidente roubaram o sono.

Gilson Vasco

Escritor

Gilson Vasco
Enviado por Gilson Vasco em 10/10/2016
Código do texto: T5787674
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.