MOURA LIMA, O CONFIDENTE DOS SERTÕES

Francisco Miguel de Moura - membro da Academia Piauiense de Letras

 

 

Moura Lima é tão brasileiro quanto Guimarães Rosa, José Cândido de Carvalho e tantos outros que se interessam por nossa gente do interior do país, ignorada e sofrida. O escritor Moura Lima é goiano, nasceu no município da antiga Vila Boa, hoje Goiás, escreveu uma obra abrangente do norte goiano, que com a divisão territorial passou a pertencer ao Tocantins e a Goiás, como são as obras de Bernardo Elis, Eli Brasiliense e Francisco de Brito, todas colhidas no norte de Goiás.

A importância de Moura Lima não se resume ao modelo literário, com a significação de seus contos na nossa novela curta. Projeta-se nos estudos dialetológicos, com as particularidades da linguagem regional recolhida em seus contos, que enriquece o falar de um sabor genuinamente brasileiro, nos flagrantes da fala sertaneja goiana e dos rincões do sertão do Araguaia e do Tocantins.

É nosso irmão, companheiro da estrada da vida e da escrita, no Piauí representado por Fontes Ibiapina e Palha Dias. Assim, bem merece um estudo de sua linguagem, de seu rico vocabulário indicador dos costumes do Brasil Central, Goiás e Tocantins especialmente.

Esta obra, um pouco memorialística, ressuscita sua infância neste novo livro muito bem denominado “Heitoraí”, que encampa desde o Engenho do Capim Puba ao povoado Capelinha, que se tornaria independente com o nome de Heitoraí, uma homenagem ao seu fundador, Joaquim (Heitor) José de Paula. Na busca desta história, encontra-se também Guiomar de Moura Rodrigues, de onde vêm os Mouras, todos parentes, aí e aqui no Piauí. O livro é todo poesia, basta que nos fixemos no início, em que, assim, se expressa Moura Lima: “Manhã de céu limpo com imensos fardos de nuvens esparramadas, aqui e acolá, na imensidão daquele céu de cor azulada que se estendia além…”

Citamos na sua linguagem palavras, como: “cascabulhando”, “bivacavam”, “assuntando” e muitas outras que permeiam sua escrita e engradecem o texto porque são sonorosas e verdadeiras. E assim segue Moura Lima até o fim, seguindo com a descrição das enchentes do rio Uru, lembrando-se das rezadeiras e dos contadores de histórias de fadas, como as do “Nego d’Água”, do “Pai do Mato” e da “Mula sem Cabeça” e muitas outras assombrações, histórias contadas pelos vaqueiros que permearam sua infância. Quem tem uma infância como a do autor, certamente foi traquinas e foi feliz como menino de engenho, criado em contato com a natureza, tudo gravado e agora grafado nas páginas desta formidável obra das coisas gostosas, primitivas, enfeitadas pelo próprio estilo sertanista de Moura Lima. Ler esta obra é dar um passeio agradável pela história daquele tempo que passou e que não volta, senão através da arte.

Aqui, reafirmo que o mais importante em Moura Lima é a linguagem viva do seu tempo, nos sertões de Goiás e do estado do Tocantins (Goiás daquela época), já demonstrada em seus livros anteriores e aqui como que renovadas.

Tudo isso é um convite à leitura de Moura Lima, o Confidente dos Sertões, ainda mais agora com seu “Heitoraí”, uma obra para ficar.

Teresina (PI), 30 de abril de 2021