Versões de músicas estrangeiras – coisa para especialistas

Versões de músicas estrangeiras – coisa para especialistas

A despeito da crítica e do discurso de preservação das raízes nacionais, os profissionais da música brasileiros nunca tiveram muitas reservas quanto à adesão à gravação de ritmos e músicas estrangeiras, havendo no mercado, inclusive, gente especializada na realização de versões de sucessos estrangeiros para nossa língua.

Num país em que o domínio de uma língua estrangeira era considerado um luxo da elite, a gravação de uma música estrangeira, apesar de seu potencial de mercado, dependia da realização de uma boa versão para o português, para garantir que emplacasse nas vendas.

Como é sabido, a versão não é uma simples tradução da letra original, eis que ela tem que combinar, em termos de métrica e rima, com o compasso e andamento da música originalmente criada. De qualquer forma, a letra da versão, para ser bem sucedida, não pode se distanciar demais do som e do sentido da música original.

E é aí que entra o profissional especializado, que tem sensibilidade e competência para a realização de tal tarefa.

No Brasil, alguns profissionais do mundo da música acabaram por se especializar na realização de versões de músicas estrangeiras e, alguns chegaram a se tornar célebres, como é o caso de Fred Jorge, que foi um dos responsáveis diretos pela bem sucedida operação de introdução e aclimatação do rock and roll no mercado nacional, realizando a versão de muitas músicas que estouravam no mercado norte-americano.

Suas criações primavam pela simplicidade e manutenção do espírito das letras originais, e nesse sentido, podemos citar as versões de “Stupid Cupid", música de Neil Sedaka e Howard Greenfield, convertida por Jorge, “Rithm of the rain”, de John Claude Gummoe, convertida por Demetrius, entre centenas de outras, que foram parar no repertório de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia, Agnaldo Timóteo, The fevers, Renato e seus Blue Caps, Golden Boys, etc.

Mas, neste tema, é obrigatória a citação de Lourival Faissal, que firmou a tradição no país e era considerado o "rei da versão", tendo feito versões de músicas americanas, latinas e caribenhas para Emilinha Borba, Carlos Galhardo, Bob Nelson e Luiz Gonzaga, entre outros, Rossini Pinto e suas versões das músicas dos Beatles, bem como Nazareno Brito, que se especializou na confecção de versões de stardards franceses e italianos e, ainda,.

Certas versões acabaram extrapolando o sentido original, dada a liberdade e o resultado inovador do trabalho criativo realizado. E não existe exemplo mais interessante a respeito do que as versões feitas por Gilberto Gil de músicas compostas ou gravadas por artistas da estatura de Bob Marley e Steve Wonder, de quem citamos duas e surpreendentes de versões de “No woman no cry (reggae criado por Vincent Ford)” e “I just called to say I love you”, onde o cantor e compositor demonstrou, pela ordem, feeling para o novo e para a aclimatação de um estilo de música ainda desconhecido no pais e competência, capacidade poética para reinventar grandes sucessos de astros consagrados.

Um outro caso é a versão da música “Green, green grass of home”, música composta por Claude “Curly” Putman, Jr em 1965, um country que se tornou mundialmente conhecida na voz de Tom Jones e que foi gravada por gente de um naipe tão variado quanto Jerry Lee Lewis, Johnny Cash e Elvis Presley.

No Brasil, ela ganhou uma versão de Geraldo Figueiredo, com o título de “Os verdes campos da minha terra”, gravada inicialmente por Agnaldo Timóteo, um cantor então filiado à Jovem Guarda, em 1967 e, no ano seguinte pela dupla sertaneja Belmonte e Amaraí.

O título da versão nacional, reproduz a ideia do título da letra de Putman. Mas é fácil notar que na música original, o título (Green, green grass of home) foi retirado do refrão da música ("...It's good to touch / the green, green grass of home"), o que não aconteceu na música nacional, onde o o título “Verdes campos da minha terra” difere do refrão, que refere a “verdes campos do meu lar”.

Porque a diferença? Talvez seja pelo fato de que o autor da versão não achava um verso que pudesse dar a ideia do verso original e, ao mesmo tempo, tivesse a mesma musicalidade, pois o que conseguiu foi "...com meu amor a passear / nos verdes campos do meu lar".

No fim, parece que ele resolveu não arriscar e criou um verso que, embora não fosse capaz de dizer o que o verso original dizia – pois a palavra “lar” certamente não expressava o que "home" queria dizer na letra original - onde ela dava ideia de habitação, e outra referia ao lugar de lugar de origem e lar dos antepassados.

Assim ficaram denotadas claramente duas situações: o respeito pela criação original, representado pela harmonização do título e, a incapacidade do responsável pela versão de criar um verso satisfatório, com a mesma e profunda riqueza de expressão do verso original.

A despeito disso, a música foi um retumbante sucesso na poderosa voz de Agnaldo Timóteo, numa gravação cujo arranjo a transformou num rock de andamento lento (com a batida de guitarra imitando aquela das gravações de Roberto Carlos, à época), de natureza denotativa, que nos leva a imaginar a abençoada e saudosa terra natal, de que fala a letra. E o mesmo caminho seguiu a gravação de Belmonte e Amaraí, em rítmo de marcha candenciada, onde pontuavam arranjos de instrumentos de sopro e um cavaquinho no acompanhamento.

Fazer a adaptação da letra original da música de certos artistas, algumas vezes, é um desafio difícil de vencer. Outro caso interessante de citar são das versões feitas para as músicas de Bob Dylan, onde o problema é justamente encontrar um verso que traduza ou espelhe a poesia dos versos originais e, ao mesmo tempo, caibam dentro do compasso da música.

Tal circunstância, pode ser conferido na versão de "Blowind in the wind", cujo refrão, na versão mais conhecida, gravada por Diana Pequeno, repetiu o verso original, muito provavelmente porque o autor, não conseguiu elaborar um outro com a mesma sutileza, sonoridade, força do original e que, ao mesmo tempo, casasse bem com a música original ou, ainda, versões de músicas feitas por Zé Ramalho, anos atrás. Este, todavia, não é o caso de Caetano Veloso que fez uma conversão à altura do clássico "It's all over now, Baby Blue" - "Negro amor", que ganhou um verso de refrão brilhante ("...e não tem mais nada / negro amor").

Existem canções que chegam a receber mais de uma versão brasileira. É o caso da canção "La mia storia tra le dita (GianLuca Grignani / Massima Luca)", que recebeu uma versão do cantor e compositor José Augusto, "A história da minha vida" - título muito sem graça, e outra da cantora e também compositora Ana Carolina, "Quem de nós dois".

As duas apresentam problemas - a primeira, porque seus versos econômicos e aguados, nem de longe conseguem dar uma idéia da força da letra original. A segunda, tem o mesmo problema de outras versões feitas pela cantora: "estoura", em muitos pontos o compasso da música - o que ela resolve com a imposição da conhecida carga dramática de suas interpretações...

No repertório musical brasileiro, repontam as versões bem sucedidas, perfeitamente adaptadas para o gosto nacional. É o caso de peças como "Meu primeiro amor", versão de Lilian (da dupla Leno e Lilian), para "You're gone to lose that girl", de Lennon e McCartney, que deu uma resolução exemplar para o refrão e uma versão de letra simples e simpática.

Às vezes, fica a impressão de que as versões das músicas estrangeiras parecem superiores às músicas originalmente gravadas, seja pelaqualidade da nova letra, o resultado sonoro da gravação ou a força da interpretação. E três exemplos servem para demonstrar tal afirmação: idéia: "O Rítmo da Chuva", na fantástica gravação feita por Demetrius e, "Te amo cada vez mais", versão de Roberto Merlin Jr para "To love you more -Edgar Bronfman Jr. / David Foster )", gravada pela dupla João Paulo e Daniel e, a já citada e terna "Só chamei para te dizer que te amo", gravada por Gilberto Gil...