O CANTO DOS ESCRAVOS

Clementina de Jesus, Doca, Geraldo Filme Em 1928, indo em gozo de férias a São João da Chapada, município de Diamantina, chamaram-me a atenção umas cantigas em língua africana ouvidas outrora nos serviços de mineração. Fui ter com um dos conhecedores, o meu bom amigo João Tameirão, que, com solicitude, satisfez à minha curiosidade de aprender as cantigas. Tomei notas apressadas, que vim depois a rejeitar. E, nas curtas estadas naquele aprazível e tranquilo arraial, nunca deixei de observar alguma coisa sobre os tais cantos de trabalho, cuja importância foi crescendo em meu conceito, à medida que fui adquirindo conhecimentos novos. Entendi, posteriormente, de realizar, de vez, o velho plano de recolher os "vissungos", como lhes chamam, reunindo ainda o vocabulário e a gramática da "língua de banguela", certamente transformada em nosso meio. Quase nada consegui na primeira investida. Lá ficava, porém, o meu colaborador, Araújo Sobrinho, com instruções minhas. Voltando, mais tarde, encontrei novidades: um vocabulário de duzentas palavras, colhidas na boca de "seu" Tameirão, algumas cantigas e a notícia do falecimento do nosso prestimoso amigo. Fiquei pelos cabelos, imaginando que tudo estava perdido. Mas não tardaram em aparecer outros conhecedores. E, depois de peripécias que não vêm ao caso, conseguimos, com um outro cantador, letra, música e tradução, ou antes "fundamento", como eles dizem. Não sei se seremos felizes com as notas e reflexões. O certo, porém, é que só o material, que tivemos a sorte de desencavar em nossa mineração, bastaria para justificar o aparecimento de um livro. À colheita do material seguiu-se o exame da bibliografia sobre o assunto. Compulsando livros de linguistas e etnógrafos, tivemos ensejo de estabelecer confrontos e reforçar hipóteses. Muitas vezes, vimos a autenticidade dos modestos achados e a plausibilidade das reflexões confirmadas pelas contribuições dos eminentes estudiosos que antes de nós lavraram o terreno. Com isso pudemos evitar, quanto possível, generalizações apressadas, cotejos fantasiosos e afirmações apriorísticas. Se o não conseguimos, não foi por falta de necessária diligência.

AIRES DA MATA MACHADO FILHO O texto acima foi publicado como introdução do livro "O Negro e o garimpo em Minas Gerais (Editora José Olímpio), de Aires da Mata Machado Filho, sendo aqui reproduzido com a permissão do autor, que igualmente autorizou o Estúdio Eldorado a realizar a gravação de quatorze das sessenta e cinco partituras registradas naquela

Sérgio Gaiafi e Aires da Mata Machado Filho
Enviado por Sérgio Gaiafi em 17/05/2022
Código do texto: T7518249
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