SOBRE O DIREITO DE USAR DROGAS E A LIBERDADE

Nota preliminar:

Este artigo não tem por intenção influenciar ninguém a fazer coisas ilícitas, mas somente levar a uma reflexão acerca da política e pensar nas mudanças que são necessárias para uma sociedade mais justa.

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Vivemos numa democracia, um governo do povo, pelo povo e para o povo. Escolhemos um representante que vai formular leis que devem comportar a vontade da maioria. O que impediria então que esta maioria imponha leis que oprimam a minoria? Se vivêssemos em um Estado de maioria católica, o que impede que esta maioria imponha suas crenças à minoria? Se a maioria quisesse que todos seguissem o catolicismo, isso seria democrático? Embora expresse o desejo da maioria isso por si só não constitui um modelo democrático, porque não respeita os direitos da minoria. O que garante o direito da minoria de seguir sua própria religião é o que John Stuart Mill chamou de “Princípio de liberdade”. O que nos diz este princípio? Que só podemos impor limites à ação de uma pessoa se esta ação ameaçar prejudicar terceiros. Fora neste caso qualquer violação da liberdade pessoal é injusta.

Isso parece obvio para o nosso tempo, mas não é se lembrarmos que durante muitos séculos pessoas foram punidas sem que tivessem feito mal algum a terceiros. Em muitas culturas pessoas foram mortas por não aceitarem a religião vigente. Se eu não acreditar em Deus e ele existir, não vou fazer mal a ninguém a não ser a mim mesmo, logo não é justo que me punam por isso. No entanto a questão não é tão simples como parece, porque até hoje há pessoas que acham lícito impedir alguém de fazer algo que não vai prejudicar terceiros, como no caso das drogas. Se alguém está se arruinando nas drogas, só podemos tentar impedi-lo se for provado que sua ação provoque danos a terceiros. Se não vai provocar, porque mesmo devemos impedi-lo?

Um dos principais “argumentos” é de cunho sensacionalista, vinculado pela mídia, pela cultura de massa, por grupos religiosos e pessoas com baixo poder argumentativo. É o típico bordão “quem usa drogas financia o tráfico”. Mas esta afirmação é uma distorção sensacionalista do Princípio de liberdade. As pessoas são culpadas apenas por aquilo que fazem e não pelos atos dos outros. Se um traficante usa o dinheiro que ganhou com venda de drogas, compra uma arma e mata uma criança, só quem tem culpa disso é ele mesmo. Embora o caso seja trágico e comovente, argumentos que se baseiam em coisas do tipo apelam justamente para as emoções. O culpado é quem atirou, não quem deu o dinheiro a ele – embora quem tenha vendido a arma pode ser responsabilizado também, por saber que o ato do traficante era potencialmente danoso a terceiros. Entregar dinheiro a alguém não é tão possivelmente danoso quanto entregar uma arma, mesmo que esta pessoa seja um traficante. Nada garante que ela vá fazer algo ilícito com o dinheiro, diferentemente do que faria com uma arma. Outros argumentos mais fracos ainda alertam para o perigo potencial de uma pessoa sob efeito de drogas. Mas não é verdade que todos que estejam sob seus efeitos se tornem agressivos. O perigo que tem uma pessoa sob efeito de drogas é talvez muito menor que o de uma pessoa atrás do volante.

Outro argumento, bem mais interessante, é o dos Utilitaristas. Dizem eles que o bem é tudo aquilo que é capaz de maximizar a felicidade e promover o bem das pessoas é um dever do Estado. Sendo assim, eu poderia interferir nos atos de alguém se isso contribuir para sua felicidade. É o típico argumento: isso é para o seu próprio bem. Mas o problema do utilitarismo é que nem o Estado, nem os pais, nem ninguém pode saber o que é melhor para uma pessoa senão ela mesma. É claro que não se espera que uma criança de seis anos saiba que aprender a ler é melhora pra ela. Desta forma é justo os pais agirem pelo bem dos filhos. Mas quando estes adquirem certo grau de maturidade, quando já tem capacidade de abstração, já consegue ponderar suas atitudes, não tem sentido os pais tomarem decisões por elas.

Certo... Pode-se dizer que um dependente de drogas não sabe o que é melhor para ele também. Então seria justo interferir nas suas ações para impedir que ele prejudique a si mesmo. Mas, assim como um dependente pode errar ao julgar o que é melhor para si mesmo, nós também podemos errar. Todos são passíveis de cometer erros. Digamos, por exemplo, que é justo influenciar a escolha de alguém para sua própria felicidade. Digamos também que o pai de um estudante quer que seu filho seja feliz e o matricula numa faculdade de Direito. Se o pai estiver errado, o filho vai pagar por um erro que não foi ele quem cometeu. Mas se ele ignorar a decisão do pai e fizer o curso que tem vontade e mesmo assim não se sentir feliz, ele vai pagar por um erro seu, não poderá culpar ninguém por seu fracasso, mas não deverá a ninguém o seu sucesso. E se o Estado ou outras pessoas achar que é melhor uma pessoa não usar drogas e depois descobrir-se que o Estado estava errado, que aquela pessoa seria sim mais feliz usando drogas, uma pessoa que tivesse seguido o julgamento do Estado teria pagado por um erro que não era dela. Se ela achar que é mais feliz usando drogas e depois descobrir que esteve sempre errada, estará pagando por um erro seu. Mas se ela estiver certa, o mérito é todo seu.

Assim sendo, nada justifica a intervenção do Estado nas ações de alguém que não está prejudicando terceiros. Além do mais, todos têm o direito e liberdade de fazer o mal a si mesmo se assim quiserem. Se não fosse assim, quem tentasse suicídio e não fosse bem sucedido deveria ser preso logo em seguida por tentar fazer um mal a si mesmo. Se tentar suicídio não é crime, porque usar drogas é? Sendo que esta é só uma forma de se matar lentamente. Mesmo que algum argumento se justifique, deveria ferir a liberdade individual, o que já seria por si só uma injustiça.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 05/07/2008
Reeditado em 15/04/2010
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