A (IN)DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Sérgio Martins Pandolfo*

“A França teve um Mirabeau, mas é no Brasil que se passam as coisas mais mirabolantes". Aparício Torelly, “Barão de Itararé”, jornalista e humorista.

Profundamente frustrante, desoladora mesmo, a indefinição da Suprema Corte do País nas duas últimas sessões de julgamento sobre a aplicabilidade ou não da chamada lei da ficha limpa já para este pleito eleitoral de 2010, com os seus patéticos empates, adotando “decisão superficial e precária”, segundo o próprio presidente do STF, que se declarou “impedido de exercer o voto de qualidade, contrariando seus princípios pessoais”.

Não se faz necessário ser Mestre do Direito ou mesmo alguém rotulado como de notório saber jurídico para perceber, de maneira cristalina como água da fonte, que a opção adotada pelo STF para solução do impasse criado pelos membros da própria Corte nada teve de obediência para com a legislação vigente reguladora do pleito. Em primeiro lugar porque a Constituição Federal, em um de seus artigos assim classificados como “cláusulas pétreas”, ou seja, como diria um ex-notório ministro de infausta lembrança, imexíveis, veta, peremptoriamente, que a lei retroaja para prejudicar alguém. Em segundo lugar porque a lei eleitoral estatui, também de maneira definitiva, decisiva, que: qualquer alteração da legislação eleitoral que venha a ser aprovada só terá validade a partir do ano seguinte ao da aprovação. Logo, como ficou visto, a chamada “lei da ficha limpa” não poderia valer já para esta eleição, haja vista ter sido aprovada há poucos meses, neste exercício.

Para muito além disso, vislumbramos outro fato estarrecedor: se da decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cabe recurso à instância superior, o Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte Magna, dita guardiã constitucional e, portanto, a última instância para a dirimição de questões desse jaez, de sua estrita competência, como aceitar que, não havendo definição soberana dessa possa um processo, uma questão não elucidada definitivamente voltar a nível inferior e adotar o entendimento do TSE, que lhe é hierarquicamente subordinado? Em nosso parco entendimento jurídico, mas lastreado no velho e nunca desprezível bom senso, sem a nefasta ingerência de ideologias espúrias ou de fisiologia política, à Suprema Corte, e somente a ela, cabe destrinçar de forma própria, soberana, esse aparentemente intrincado problema e até nos arrogamos o direito, como cidadão que aspira a ver florescer a verdadeira democracia, escoimada dos ranços e/ou pseudojuridiquices de ocasião, de propor um caminho: a votação secreta pelos membros da mais alta corte. Temos absoluta certeza de que alguns de seus membros “jogaram para a plateia” e, em escrutínio fechado, expressariam sua genuína maneira de pensar. O que não é tolerável é aceitar, pacificamente, essa volta atrás, esse "feedback" legiferante atentatório à razão e ao bom senso.

O mais lastimável foi o que ocorreu na disputa eleitoral do meu estado, o Pará. Aqui, nesta heroica e deslembrada Parauaralândia, onde 3.533.138 votos dados a dois dos candidatos mais votados ao senado podem vir a ser anulados, restando como válidos tão somente 2.683.697 (já descontados os em branco e nulos), representando bem menos da metade dos votos do eleitorado, contrariando, assim, a vontade expressa da maioria dos eleitores paraenses, “em saída artificial e precária e contra o interesse da sociedade representada por milhões de votos”, consoante se expressou o eminente Ministro Presidente do STF, a coisa raiou pelo perigoso e movediço terreno da inversão de valores. E onde a lei não impera a desordem exubera.

Alguma coisa há que ser feita a fim de corrigir tamanha insensatez - ou desfaçatez? - a nosso ver sancionando frase muito conhecida e a gosto de um velho e notório caudilho parauara: “lei é potoca”.

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(*) Médico e Escritor. SOBRAMES/ABRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 30/10/2010
Reeditado em 30/10/2010
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