Por que a Frente Única?

Por que a Frente Única?

A Primavera Árabe, a Ocupação de Wall Street e as Greves Gerais da Grécia representam a expressão máxima da mobilização da classe trabalhadora e da juventude, abrindo uma janela de oportunidade para os de baixo, resistindo aos golpes do imperialismo, construírem uma nova sociedade. As mobilizações nacionais, ocupações de praças públicas e greves gerais na Tunísia, no Egito, na Líbia, na Síria, no Chile, nos Estados Unidos, na França, na Itália, na Grécia, na Espanha são partes de uma verdadeira onda revolucionária mundial.

Diante dessa realidade e da fragilidade do capitalismo nesse momento de crise econômica, a maior crise desde 1929, as potências imperialistas começam a se movimentar e a contra-atacar. A insurreição na Líbia, que começou como parte do movimento revolucionário árabe, parece se encaminhar para uma derrota contra-revolucionária capitaneada pelo imperialismo. Assim, sai o regime fascista de Kadaffi, entram as forças militares da OTAN, transformando a Líbia num Protetorado e em mais uma base estratégica de operações do imperialismo junto com o Iraque e o Afeganistão, assim como sua aliança com o Estado fascista de Israel, fechando o cerco sobre os palestinos, sobre a revolução egípcia e sobre o Irã. O governo estadunidense já vem desenvolvendo uma estratégia bonapartista de dominação global desde o 11 de setembro de 2001. Dez anos depois o que vemos é a ocupação militar de boa parte do Oriente Médio, em especial países ricos em petróleo; a ocupação militar do Haiti, gerenciada pelo governo brasileiro; a reativação da Quarta Frota, numa clara ameaça à América do Sul, ao petróleo da Venezuela e ao pré-sal do Brasil; o apoio aos governos fascistas de Israel e da Colômbia, pontas-de-lança da política imperialista no Oriente Médio e na América do Sul, regiões estratégicas para os EUA; e o aumento do monitoramento e repressão dos próprios cidadãos americanos, bem como a criação e manutenção da prisão de Guantánamo. Esta política foi desenvolvida no governo Bush e aprofundada durante a gestão de Obama. Democratas e Republicanos estão juntos na execução de uma política conservadora e fascista. No governo anterior, Bush apoiou o golpe da direita sobre Chávez, na Venezuela; na gestão de Obama, os EUA reconheceram os golpistas que depuseram Zelaya, em Honduras. No primeiro caso, as massas foram capazes de derrotar o golpe. Naquele momento, a América Latina era o centro da revolução mundial, em especial Venezuela, Bolívia e Equador. Mais tarde, no México, Oaxaca mostraria que os trabalhadores podem se contrapor ao capitalismo. A vitória dos governos nacionalistas burgueses e das Frentes Populares, com organizações populistas, social-democratas e stalinistas à frente das entidades e do Estado, fez essa situação revolucionária retroceder. Com isso, os trabalhadores hondurenhos não tiveram a mesma sorte e a direita golpista triunfou. Na Argentina, depois da crise revolucionária do início deste século, o reformismo conquistou a hegemonia da classe trabalhadora, mantendo os Kirchner no poder a quase uma década e se mantendo ainda com Cristina Kirchner. No Brasil, a Frente Popular que levou Lula ao poder conseguiu refrear as massas, contendo a esquerdização que se expressava no rechaço ao neoliberalismo e à direita tradicional (PSDB e DEM), e indo mais ao centro com sua aliança com o PMDB, assumindo uma política claramente repressiva, clientelista, corrupta e pró-imperialista.

A construção de um Estado policial e clientelista por parte do governo do PT e de seus aliados relembra o velho coronelismo agora envernizado pelas cores da esquerda. Não é à toa que os velhos coronéis como Sarney ou ministros da ditadura militar como Delfim Netto são ardorosos defensores do governo de Lula e Dilma. O atual governo fecha os olhos para o aumento do número de assassinatos no campo. Denúncias de históricos aliados do PT, de movimentos como a CPT e o MST, mostram o aumento da violência no campo, com a morte de sem-terra, camponeses pobres, ambientalistas, indígenas e ativistas a favor da reforma agrária e contra o trabalho escravo. Os fazendeiros contratam jagunços ou contam diretamente com a ajuda da polícia para massacrar o povo pobre. O trabalho escravo é largamente empregado pelos latifundiários do agrobusiness que compõem esse governo. O governo federal fez aprovar um Estatuto do Desarmamento que desarma os cidadãos comuns, mas arma as empresas privadas de segurança (leia-se jagunços, capangas, etc) e as guardas municipais de grandes cidades para reprimir de forma ainda mais violenta camelôs, por exemplo. A criação da Força Nacional de Segurança, a ocupação do Complexo do Alemão pelo Exército brasileiro, o aumento do monitoramento de cidadãos brasileiros pela ABIN, com cerca de 400 mil grampos espalhados pelo Brasil, a prática de tortura por parte de agentes do Estado, da Polícia Federal e das polícias civis e militares dos estados são exemplos da política policialesca do atual governo. Para completar o quadro, a direita tradicional se utiliza do Judiciário para atacar ainda mais os ativistas de esquerda e as entidades da classe trabalhadora, decretando a ilegalidade de greves a serviço dos patrões ou perseguindo politicamente de forma direta e explícita como foi e tem sido feito com Cesare Battisti. Um dos principais aliados do governo Dilma, o governador do Rio, Sérgio Cabral Filho, construiu no estado do Rio de Janeiro um Estado fascista, transformando a Polícia Militar numa verdadeira máquina de guerra, produzindo Caveirões em escala industrial, aterrorizando as populações de morros e favelas fluminenses, militarizando comunidades carentes, com as UPP´s, reforçando a estrutura do BOPE e da P2, escalando para posições de comando da sua polícia elementos ligados a milícias e a grupos de extermínio e reprimindo violentamente ativistas do movimento social, como no caso do ato contra Obama no Brasil, com a prisão arbitrária e ilegal de 13 manifestantes, e a prisão de mais de quatrocentos bombeiros no ato de ocupação do Quartel dos Bombeiros, um ato de sua campanha salarial. Isto não está descolado do contexto geral. Se na Europa cresce o neofascismo com o discurso xenófobo, islamofóbico e contra os imigrantes, aqui no Brasil é o discurso homofóbico das igrejas e na ação de grupos de jovens fascistas de grandes cidades que espancam gays no meio da rua e a política genocida e racista de limpeza étnica nas favelas as expressões maiores do fascismo. Podemos acrescentar a isso a política de limpeza social da cidade do Rio de Janeiro, promovida pelo prefeito Eduardo Paes, com a remoção arbitrária de famílias e comunidades para as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, numa nova reforma urbana, agora nos subúrbios, numa clara intenção de expulsar os mais pobres da cidade do turismo e capital cultural do país, sendo este o projeto político daquele que é o Pereira Passos do século XXI, aliado do governo abertamente fascista de Cabral. O aumento do aparato repressivo brasileiro justifica-se a partir do discurso de combate à criminalidade, assim como a repressão nos Estados Unidos é justificada pela guerra ao terror, bem como as guerras promovidas por aquele país. Combate ao crime organizado ou combate ao terrorismo no final é tudo a mesma coisa: manutenção da ordem a todo custo é a palavra de ordem do momento.

Hoje as praças de todo o mundo estão ocupadas. O problema é quando as praças esvaziarem. A juventude é o setor social que protagoniza a maior parte destas lutas. É a juventude desempregada, a juventude estudantil, a juventude trabalhadora, a juventude da periferia, a juventude imigrante, a juventude negra, os jovens. E esses jovens não se vêem representados nas organizações tradicionais do movimento, nem nos sindicatos nem nos partidos políticos. A questão é que só o movimento por si só não levará a nenhuma vitória perene. Devemos confiar na força da mobilização e na capacidade criativa das massas, mas devemos ser capazes de articular movimentos mais consistentes para derrubar do poder aqueles que nos oprimem e exploram. Portanto, cabe às organizações o próximo passo. As organizações políticas, sindicais, estudantis e populares devem se abrir para os jovens para que eles dirijam essas organizações e tenham todas as condições de dirigir a revolução futura. Revoluções são feitas por jovens. Trotsky tinha 26 anos quando dirigiu sua primeira revolução, a Revolução Russa de 1905. Che Guevara tinha 30 anos quando dirigiu a Revolução Cubana. Esses jovens são abusados e temerários e por isso se lançam para os desafios e para o desconhecido, entregando seus corpos em sacrifício muitas vezes. Além disso, é preciso construir a articulação política de todos os movimentos em curso, de militantes partidários e independentes, de trabalhadores e de desempregados, de homens e de mulheres, de todos aqueles que estão na luta. Diante da política reacionária da burguesia, da política traidora das direções das principais organizações políticas existentes e da crise econômica mundial, a frente única é uma tática essencial, senão vital para a classe trabalhadora e para a juventude. Mas ela deve ser desenvolvida em três níveis, de acordo com a tarefa em questão.

Em primeiro lugar, existe um avanço sobre as liberdades democráticas, dos direitos mais básicos, de organização, de manifestação e de expressão dos trabalhadores, e um ataque brutal aos direitos humanos, com torturas e violência policial, assim como a política de anistia aos torturadores e assassinos da ditadura militar que seguem como uma séria ameaça à nossa democracia, como os cérebros da reação e da contra-revolução. Diante disso, aquela unidade que foi esboçada na defesa dos 13 presos do ato contra Obama deve ser repetida e ampliada, dando organicidade à mesma. Deve ser uma frente permanente em defesa das liberdades democráticas e dos direitos humanos, uma frente formada por PSTU, CSP-CONLUTAS, ANEL, PCB, PSOL, INTERSINDICAL, MST, MTL, MTST, CPT, PT, CUT, UNE, CTB, PCdoB, PSB, PPS, PV, PDT, FORÇA SINDICAL, CONSULTA POPULAR, JORNAL BRASIL DE FATO, PCO, GRUPO TORTURA NUNCA MAIS, OAB, ABI e outras. Aqui devem ter entidades e personalidades que são governistas, oposição de esquerda ao governo e até na oposição de direita ao governo, uma Frente Ampla, composta por todos aqueles que têm ligações com essas causas, que são de organizações de esquerda ou que são políticos de esquerda ou que tenham tido uma trajetória no campo da esquerda. Isto é importante porque já estamos sentindo a necessidade de construir essa unidade e porque a hora que o PT sair do poder no governo central e a direita reassumir o controle do Estado, essa mesma direita terá em suas mãos toda a estrutura policial e um Estado militarizado desenvolvido pelo próprio governo do PT e essa mesma estrutura voltar-se-á, inevitavelmente, também contra aqueles que hoje a controlam.

Em segundo lugar, deve-se construir uma frente política que dispute as eleições burguesas e as eleições sindicais e estudantis, disputando o movimento de massas para posições mais à esquerda. Uma Frente de Oposição de Esquerda aos Governos Neoliberais, Capitalistas e Pró-Imperialistas, agregando PSTU, PSOL, PCB, PCO, CSP-CONLUTAS, INTERSINDICAL, ANEL, ESQUERDA DA UNE e ESQUERDA DA CUT. Uma frente de partidos políticos de esquerda e de movimentos sociais que estão no campo de oposição de esquerda ao governo Dilma. Com essa frente, de maneira honesta e respeitosa, mas firme, far-se-ia oposição ao atual governo por sua política macroeconômica e sua estratégia de ser gerente do Estado capitalista brasileiro, numa situação totalmente subalterna em relação ao imperialismo.

Em terceiro lugar, é preciso uma Frente Única Revolucionária. É preciso unir os revolucionários num campo que dispute, dentro de uma frente de esquerda, posições programáticas mais avançadas. Os partidos de extrema-esquerda, os partidos revolucionários existentes no Brasil hoje são PSTU, PCB e PCO, assim reconhecidos pela própria burguesia brasileira que os excluiu de qualquer debate nas eleições presidenciais de 2010, num verdadeiro boicote às posições revolucionárias, tendo os mesmos que fazer um debate pela internet, promovido pelo jornal Brasil de Fato, superando, naquele momento, qualquer tipo de sectarismo, travando um verdadeiro debate acerca das necessidades do povo brasileiro. Essa frente poderia ainda contar com muitos revolucionários que fazem parte do PSOL e que fortaleceriam um campo socialista e comunista.

Essas três frentes de articulação política devem contar com Comitês Políticos compostos pelas diversas organizações que as compuserem. A esquerda brasileira precisa voltar a debater programa de forma coletiva, sincera e não-sectária, somente assim poderá avançar na conquista dos trabalhadores e da juventude brasileiros. A revolta operária do Jirau, a mobilização dos bombeiros do Rio e as greves de profissionais de educação de todo o país demonstram que é possível lutar de forma radicalizada, firme e massiva. É necessária a articulação dos vários movimentos e iniciativas dispersas. É preciso romper com a condução e organização burocrática do movimento. Quando for necessária uma grande mobilização nacional para enfrentar medidas governamentais mais duras decorrentes da crise, não adiantará chamar uma Marcha à Brasília sem que haja uma articulação prévia; não adiantará chamar uma Greve Geral, sem que a maioria dos trabalhadores se sinta representada pelos movimentos e partidos que se apresentam como sua direção política. Buscar a unidade daqueles que lutam, dizer sempre a verdade às massas e estabelecer uma relação dialética entre as direções e as bases são prerrogativas fundamentais para o sucesso das mobilizações futuras. Vivemos um tempo de incertezas e é deveras temerário descuidar da preparação da estratégia e da ação. Planejar com inteligência e agir com coragem para vencer o terrível destino que se abate sobre nós é uma necessidade. Nada além de miséria, desemprego e prisões nos espera, se não soubermos como agir nessa conjuntura. As condições estão aí, mas a História é feita pelos homens e os homens fazem suas escolhas e, em última instância, são nossas escolhas que nos definem e será por elas que seremos julgados pelas gerações futuras.

Rafael Rossi