O TODO E A PARTE
              Sérgio Martins Pandolfo*    
      Os jornais da semana finda trouxeram, entre outras, notícia pra lá de alvissareira: a do tombamento do centro histórico de Belém. Portaria do Ministério da Cultura, publicada na edição do dia 10 de maio corrente no Diário Oficial da União – DOU, aprovou o tombamento integral do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico dos bairros da Cidade Velha e da Campina, que vêm a ser, na verdade, os dois primeiros bairros criados após a fundação da cidade, por Francisco Caldeira Castelo Branco, em 1616.                           
     A elaboração do processo de tombamento, executado sob a responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, por intermédio de seu Departamento de Patrimônio Material, considerou que os anteditos bairros são “protegidos por elementos naturais como baía, igarapé e alagadiços e constituem ainda um dos maiores e mais íntegros conjuntos urbanos do país”. Carece repetir: o órgão federal máximo para assuntos de seleção e preservação do patrimônio reconhece ser esse “um dos maiores e mais íntegros conjuntos urbanos do país”, o que lhe assegura, pode-se assim dizer, a “imexibilidade”, como diria um pretérito ministro do governo federal.
    A área ora protegida engloba nada menos que três mil e quinhentos imóveis, entre os quais se assinalam igrejas dos séculos 17 e 18, torreões, palácios, palacetes, largos, praças, coretos, feiras, mercados, esculturas, os conjuntos do ciclo do ferro, que incluem os componentes do cais com seus armazéns e elementos adventícios, em perfeita e harmônica interação com a baía do Guajará, conjunto esse “suficientemente expressivo para retratar a história urbana de Belém”, no dizer do presidente da Fundação Cultural do Município de Belém, o qual igualmente reconhece que: “O mais importante é o reforço dado pelo governo federal à parceria já existente entre o município e o Estado”. Os monumentos assim protegidos pela recente legislação têm garantidas a preservação e manutenção de suas características, ficando, destarte, a salvo dos arreganhos ameaçadores de dirigentes forâneos que, por não possuírem nenhuma ligação, quer sentimental quer histórico-cultural, com nossa cidade, desconhecendo o valor, a importância que esses monumentos representam para a população belenense, ao se adonarem de posições de direção de órgãos públicos julgam-se deles senhores e, portanto, aptos a determinar o que pode ou não ser poupado ou extinto, como ocorrido recentemente na momentosa questão do desarme dos armazéns 11 e 12 do precioso conjunto do cais do porto de Belém, monumento centenário e que marcou uma época, comumente referida como era do ferro, que enfeixa, além dos referidos armazéns, todos os seus elementos complementares como guindastes, trechos de trilhos, posteamento interno e seu rico e trabalhado gradil (e portões) em ferro fundido sobreposto a uma mureta de pedra granítica. A subtração de dois de seus armazéns implicará simplesmente a mutilação do todo conjuntural, deslustrando-o, por mais que os mesmos venham a ser remontados em outro local, cabendo repisar aqui os versos de Gregório de Matos Guerra: “O todo sem a parte não é todo / a parte sem o todo não é parte”. Que valor patrimonial teriam eles desfigurados, apartados de seu harmonioso conjunto e condenados a servirem a destinações que nem sequer se há definido?
    Com a aprovação da nova lei a coisa agora fia mais fino e a CDP terá que retroceder de seus propósitos, até porque pelo Termo de Ajustamento de Conduta assinado com o Ministério Público Federal, para assim agir a CDP terá que prever o desmonte, a definição dos locais para remontagem e a serventia a ser dada a cada armazém, correndo os gastos por sua conta. Estado e município consultados já recusaram o “presente de grego” e, ao que vazou, só uma igreja evangélica demonstrou interesse. Vote! “Povo que não tem memória não tem o que defender”, adverte o sociólogo Vicente Salles.

Nota: na foto acima parte da área do Centro Histórico de Belém ora tombada pelo IPHAN

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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 18/05/2012
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