NÃO HÁ COMO ENTENDER MESMO

(Reedição da “Carta do Zé ao Novo Prefeito”)

“Se fosseis cegos, não teríeis pecado; mas como agora dizeis:

‘Nós vemos’, permanece o vosso pecado”

Jesus Cristo

No jargão popular, a repreensão de Jesus aos hipócritas líderes religiosos e políticos de seu tempo ganhou uma versão mais simples e mais objetiva ainda: “o pior cego é aquele que não quer ver”.

Depois que o substantivo “crise” entrou em moda, tudo se justifica com essa simples palavra.

Os discursos do prefeito Zequinha Madeireiro e de seus secretários durante a suposta prestação de contas quadrimestral – que acabou sendo semestral e realizada sob forte pressão -, não deixaram nenhuma dúvida: as coisas foram feitas às pressas e o coro bem ensaiado: “estamos atravessando uma terrível crise financeira”. Eles apenas esqueceram de acrescentar: “crise que nós, com a infrene ambição de nos perpetrarmos no poder, criamos”.

Na verdade, quem esteve na Câmara de Vereadores naquele histórico 18 de julho/2013, como eu, não saiu com a sensação, mas com absoluta certeza, de ter sido, mais uma vez, tratado como parvo. Pelo visto, o prefeito e seus assessores não leram a “Carta do Zé ao Novo Prefeito” ou estão, de fato, confiantes de que o povo realmente é burro ou suficientemente hipócrita para ignorar que a tal crise – mais artificial do que Q-suco – não passa de manobra para desviar os holofotes dos órgãos fiscalizadores e acalmar a plebe que, estimulada pela primavera árabe à brasileira, ameaça se rebelar. De quebra, o contador, Sr. Paulo Jorge, ainda insinuou que o povo realmente é bronco: “Não vou apresentar as planilhas. São muitos dados técnicos. Vocês não entenderiam”, justificou-se.

De fato, as mágicas que foram feitas para fecharem as contas – como, por exemplo, o pagamento com dinheiro da Educação a servidores que, para cumprir acordos de campanha, estão lotados em qualquer lugar incerto e não sabido (inclusive fora do município) –, menos na SEMED, o povo não dispõe de conhecimentos técnicos – ou seriam mediúnicos? – para entender; assim como não consegue entender por que os recursos desta secretaria continuam sob o controle da super secretaria de Planejamento Administração e Finanças se, já na gestão anterior – que, na prática, continua sendo atual – fora sancionada a lei da descentralização.

Aliás, Sr. Paulo Jorge, são muiiiiiiiiiiitas as coisas que o povo não consegue entender – embora, ora por temor, ora por conveniência ou pela cultura da hipocrisia (tão natural ao ser humano quanto o vôo aos pássaros), a maioria prefere fingir-se cego; e do pior tipo, segundo o jargão popular: aquele que não quer ver.

Além dos “muitos dados técnicos” da Contadoria da Prefeitura, o povo não entende por que uma prestação de contas que ocorre quase três meses depois do prazo legal, é feita de improviso e na forma de relatório de ações, sem apresentação do que mais se espera: os valores numéricos das receitas e das despesas. O povo não consegue entender por que os servidores da Educação recebem seus vencimentos com atraso se a última parcela do repasse para este fim é creditada no trigésimo dia do mês do pagamento. O povo não consegue entender por que os mesmos planejadores que aterrorizam a população com ameaças de elevação de tributos, isentaram, na calada da noite e com o aval da Câmara de Vereadores, um mega empreendimento como a EDP de milhões de reais em impostos. O povo não consegue entender, também, por que o secretário de Administração, Sr. Elielson Colares, justifica o excesso de contratos para a Educação em razão do aumento de matrículas de alunos no início do ano letivo e a exoneração destes contratados seis meses depois, sendo que o número de alunos permanece o mesmo.

No meio disso tudo, porém, tem uma coisa que o povo já entendeu – há muito tempo: no Brasil, a gestão pública continua sendo o meio mais eficaz e mais cômodo de se amealhar patrimônio de forma rápida e sem esforço, de beneficiar parentes e correligionários, de se obter status e, principalmente, quando se é um(a) bom(boa) estrategista, manter-se pra sempre no poder, mesmo estando, aparentemente, fora dele.